Inesperadamente, ou não!?, após uma alta de 525 pontos base das taxas de juro pela Reserva Federal dos EUA (Fed) nos últimos 18 meses, o mercado de trabalho norte-americano mantém-se resiliente, suportando a economia dos EUA, sendo esperado um crescimento à dos 2% no 1º semestre de 2023.
Em boa verdade, as empresas dos EUA estão relativamente bem capitalizadas, sendo [ainda] poucas as suas necessidades de financiamento, tendo as suas tesourarias beneficiado de taxas de juro gradualmente mais elevadas nos últimos tempos. Por exemplo, os fundos do mercado monetário remuneram, atualmente, o dinheiro das empresas (e das famílias também) a taxas de juro muito interessantes. A Fed paga 5,05% (SOFR, Secured Overnight Financing Rate, taxa de juro overnight garantida) nos acordos reversos de recompra (reverse repos), isto é, no dinheiro depositado junto do banco central dos EUA, tendo os fundos do mercado monetário acesso a este instrumento financeiro desde 2013, podendo as famílias e empresas usufruírem destas taxas de juro que eram inferiores a 0,25% no início do ano passado.
Ou seja, depois de mais de uma década de taxas de juro médias muito baixas, perto de 0%, período intensificado ainda mais com a pandemia e a duplicação do balanço da Fed, as empresas norte-americanas (e também as europeias) emitiram somas avultadas de dívida por períodos de tempo mais longos, usufruindo de consideráveis volumes de dinheiro a taxas de juro relativamente muito baixas. Em suma, os encargos financeiros de financiamentos das empresas (os juros pagos pelos empréstimos obtidos) mantêm-se, atualmente, relativamente estáveis, com taxas de juro associadas relativamente baixas e perto dos 0%, enquanto a sua liquidez (os juros recebidos nos empréstimos concedidos) é remunerada a taxas de juro cada vez mais elevadas. Esta situação benéfica para as empresas manter-se-á enquanto essas dívidas, acumuladas nos últimos 15 anos, não se vencerem (serão depois renovadas às atuais taxas de juro muito mais elevadas, à volta de 5%). É normal existir um desfasamento entre o aumento das taxas de juro e a eventual penalização da economia, mas o ‘dinheiro barato’ nos últimos anos, financiado por prazos mais longos, poderá ter alargado substancialmente este desfasamento.
No entanto, o enérgico aumento das taxas de juro acabará por penalizar a economia. As empresas intensivas em capital têm abrandado o seu investimento, como por exemplo o setor biotecnológico e os fabricantes de automóveis elétricos, devido à tomada de crédito cada vez mais difícil em consequência das cada vez mais elevadas taxas de juro. Também o aumento da poupança pelas empresas, impulsionado não só por taxas de juros atrativas, mas também pela incerteza quanto ao futuro, tenderá a diminuir a propensão ao investimento. Ainda há dias, a Thermo Fisher cortou a previsão para 2023, enquanto as dificuldades de financiamento na área da biotecnologia persistem. O aumento das taxas de juro espremeu o financiamento necessário para programas de desenvolvimento de medicamentos, penalizando a procura por serviços de pesquisa contratados e oferecidos pela Thermo Fisher e pela sua rival, Danaher.
As recessões são habitualmente antecipadas pelo aumento dos
encargos financeiros de financiamento das empresas em termos líquidos, ou seja,
pela subida do montante a pagar pelos empréstimos obtidos à medida que as taxas
de juro aumentam, conforme corroborado nos círculos A, B e C do gráfico, nos
períodos que anteceram as recessões de 1991, das dotcoms em
2000 e do subprime em 2008, respetivamente. Essa evidência é
também validada nas recessões da década de 1970 e do início de 1980.
Existe uma relação direta entre o ‘deve e o haver’ dos juros
pagos e recebidos pelas empresas e a evolução da taxa de juro da Fed. É normal
que um aumento das taxas de juro retraia o consumo e o investimento das
empresas, reduzindo as encomendas, diminuindo as margens, penalizando o
crescimento económico e aumentando, por fim, a taxa de desemprego. No entanto,
e tal como observado no círculo D do gráfico, os pagamentos de juros em termos
líquidos das empresas norte-americanas diminuíram de 292,4 mil milhões de
dólares no 1º trimestre de 2022 para 222,6 mil milhões de dólares no 1º trimestre
deste ano, curiosamente num período marcado pela significativa subida das taxas
de juro pelo banco central dos EUA, mais precisamente de 525 pontos base, de
0,25% para 5,50%. Juros mais elevados implicam custos de financiamento mais
altos, desaceleração e mesmo diminuição do crédito concedido, menos
investimentos, margens menores, despedimentos, mais desemprego, culminando em
recessão.
As empresas não financeiras tendem a ser penalizadas pelo aumento das taxas de juro, enquanto os bancos poderão beneficiar de margens mais elevadas.
Mas a greedflation tem mantido as margens mais elevadas, sustentando a economia e a inflação core (subjacente), pressionando a Fed a manter a sua postura monetária restritiva. No 1º semestre, apesar da crescente recessão na indústria e energia, o setor dos serviços permaneceu forte. Assim, é muito pouco provável que a inflação core, sobretudo dos serviços, abrande para os 2%, sem uma recessão económica. A Fed manter-se-á hawkish mais tempo do que é estimado. O declive negativo da curva de rendimentos antecipa recessão, mas as empresas têm sido beneficiadas em termos líquidos pelo aumento das taxas de juro e pela inversão da curva, aumentando as margens e os seus lucros no ano passado, em vez de diminuírem. Mas não é apenas a greedflation que aumentou as margens de lucro dos EUA e atrasou a recessão. As taxas de juros simplesmente não funcionam mais como antes e a queda nos pagamentos de juros líquidos aumentou os lucros das empresas no ano passado, suportando também a inflação dos serviços.
Numa alusão à curva de Philips, o trade-off entre a taxa de desemprego e a taxa de inflação core é uma realidade e continua a preocupar a Fed. Uma economia em pleno emprego, com uma taxa de desemprego de 3,6%, dificilmente consegue assegurar uma diminuição da taxa de inflação dos serviços norte-americana, atualmente desancorada e nos 4,8% em junho, para a meta do banco central dos EUA nos 2%. Se no primeiro semestre do ano, e contra todas as expectativas, o soft landing foi uma realidade, a segunda metade do ano pode ser diferente. A atual taxa de desemprego dos EUA de 3,6% está muito abaixo da NAIRU norte-americana (taxa de desemprego que acelera a inflação), atualmente de 4,4%. Ou seja, esta baixa taxa de desemprego continuará a alimentar a inflação core, sendo pouco provável uma economia resiliente e uma inflação dos serviços baixa, no atual ambiente de considerável subida das taxas de juro nos últimos 18 meses e depois de mais de uma década em que o preço do crédito foi de quase 0%. Dificilmente teremos ‘sol na eira e chuva no nabal’ e o hard landing poderá ser uma realidade na segunda metade de 2023 ou no primeiro semestre de 2024, tendo a recessão sido apenas adiada.
Os próximos números da inflação e do relatório do emprego
nos EUA, em agosto e em setembro, serão determinantes para a posição da Fed na
sua próxima reunião nos dias 19 e 20 de setembro e também para o seu outlook trimestral.
Tal como preconiza a curva de Philips, ou a inflação core desacelera
paralelamente a um aumento da taxa de desemprego, ou se a economia
norte-americana se mantiver em pleno emprego, a inflação core manter-se-á
provavelmente elevada, tendo a Fed de adotar uma postura monetária ainda mais
restritiva e Jerome Powell ser um Paul Volcker 2.0