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segunda-feira, 24 de março de 2014

O que é que acontece à bolsa quando a inflação cai?

Se os consumidores adiarem os planos de despesa e de investimento aguardando por preços ainda mais baixos, as margens das receitas das empresas diminuem e aumentam os despedimentos para compensar a redução de receitas. Aliada à deterioração das perspetivas dos lucros futuros, as estimativas das cotações descem, sendo mais rentável deter em carteira obrigações de taxa fixa em detrimentos dos dividendos das ações.

Mas mesmo perante deflação, os consumidores não adiam todo o tipo de consumo. Há bens e serviços de 1ª necessidade cujo consumo não pode ser protelado, como a alimentação, a água, a eletricidade… O consumo de bens e serviços relacionados com o lazer, a moda, a tecnologia, uma viagem, um smartphone não podem ser adiados indefinidamente à espera de preços mais baixos. À medida que o preço baixa, a propensão ao seu consumo aumenta. E também como o rendimento real disponível aumenta com a descida dos preços, a predisposição ao seu consumo sobe igualmente. E, caso não consuma hoje, a probabilidade de jamais usufruir do bem em causa aumenta, sob a premissa de que o Homem é mortal.

Se, por absurso, soubéssemos que o mundo iria acabar amanhã, todo o rendimento disponível seria para consumir e a poupança não existiria, logo a taxa de juro tenderia para infinito. Se, por acaso, em virtude de uma determinada tecnologia, nos tornássemos imortais, o consumo seria baixo, mas nunca nulo, porque de acordo com o supra-mencionado, existem bens cujo consumo não pode ser adiado. Só os bens supérfulos seriam adiados, e a taxa de juro seria baixa, no entanto não tenderia para zero. 

Tudo depende das preferências temporais das pessoas. A própria formação das taxas de juro - se não existisse uma taxa de referência dada pelo Banco Central - seria exclusivamente encontrada no mercado, entre a poupança de quem adia o consumo e o uso dessa poupança por quem pede emprestado. Quanto menor for a poupança, mais elevada será a taxa de juro, e vice-versa. As empresas, nomeadamente as mais alavancadas, veem a fatura com juros aumentar, no entanto os lucros podem não diminuir e ser compensados por um maior volume de vendas, porque se a poupança é baixa as pessoas estão a consumir mais. Nestes casos, a venda de ações pode-se não colocar, mas também não existe muito apetite pelo risco porque a alta dos juros incentivará uma maior alocação em produtos financeiros como obrigações de taxa indexada e depósitos a prazo.

A deflação de preços é tida nos últimos 100 anos como um fenómeno “non grato”. Porquê esta perceção? O sistema financeiro e monetário está desenhado para originar crises quando há uma queda do índice de preços no consumidor (IPC).
Também se parte do princípio que o consumo é o motor da economia, no entanto é o engenho do ser humano que cria as necessidades das pessoas. Foi a invenção da roda que libertou recursos humanos para funções com maior valor acrescentado. Há 30 anos atrás, antes de aparecer o smartphone, as pessoas passavam bem sem ele. Hoje em dia é um produto de 1ª necessidade. Quem criou a necessidade do automóvel? O consumidor ou o talento e a curiosidade do empreendedor?
Em 1929, os carros nas fábricas norte-americanas ficaram na linha de produção. Existiu uma crise de superprodução? Não, porque a maior parte das pessoas não tinha automóvel e os bens económicos são escassos. Os carros não tiveram compradores devido ao desajustamento entre a produção e quem consome e, principalmente, ao desfasamento entre a poupança e a política monetária do Banco Central dos EUA. As autoridades tentaram travar a queda do IPC através da manutenção dos salários nominais. Esta política redundou no aumento de desemprego e na falência das empresas via aumento dos custos laborais reais. Uma descida dos salários nominais teria resolvido a crise... No entanto as autoridades optaram por políticas económicas expansionistas, quer orçamental, quer monetária.

A crise de 2008 teve como causa as políticas erradas dos Bancos Centrais entre 2000 e 2006, nomeadamente da Reserva Federal dos EUA, que resultaram numa crise imobiliária e bolsista. Para colmatar têm sido encetadas, também como em 1929, políticas erradas de expansão orçamental e monetária. O gráfico da evolução das taxas de juro da FED entre 1921 e 1929 é idêntico ao período de 2000 a 2006. Descida na 1ª metade e subida na 2ª metade dos períodos em causa. Quem tinha empréstimos em 1927, 1928 e 1929 faliu. Os bancos concediam, estimulados por taxas de 2.75% da FED, empréstimos para a compra de ações (Por cada 10 ações compradas os bancos emprestavam dinheiro para nove. Uma alavancagem 10 vezes). A célebre frase, "Os loucos anos 20", assentou nesta década como uma luva em todos os aspectos. Em 1921 a taxa de juro da FED era de 7%... Atualmente, felizmente, em muitos países foi efectuado um ajustamento dos salários nominais. No entanto, a política monetária da FED, BCE, BoE, BoJ continua sem freios... O resultado será, provavelmente, desastroso.

Há 20 anos o Japão adotou uma política orçamental expansionista, refletida nos 230% de dívida pública, quando em 1994 era de 75% do PIB. A sua economia cresceu em média 0,8% nesse período. O problema do fraco crescimento não é a deflação de preços, mas o envelhecimento e a diminuição da população e o mesmo se verifica na Zona Euro. O bom desempenho da economia dos EUA nos últimos anos, deve-se mais ao facto do país ter um aumento populacional e um mercado laboral flexível, do que à política monetária expansionista.

Num cenário de baixa de preços, as ações de empresas que tenham maior taxa de retorno de meios libertos líquidos (autofinanciamento), capacidade de impor preços aos clientes, menor alavancagem e forte manutenção do retorno dos capitais próprios poderão apresentar melhor desempenho nas carteiras dos investidores. Disso são exemplo empresas de bens de investimento, bens de consumo de segmento elevado, bebidas espirituosas, seguros, telecomunicações e farmacêuticas.



Paulo Monteiro Rosa, In "Vida Económica", 21 de março de 2014






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