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sábado, 14 de maio de 2011

Memorando da Troika: Haverá vida para além de 2013?

O memorando da Troika (FMI/BCE/EU) fixa metas para o défice público de 5.9% em 2011, 4,5% em 2012 e 3% em 2013 e perante este cenário prevê uma recessão de 2% em 2011 e 2% em 2012. Se o objectivo inicial de 4,6% para este ano se mantivesse, teríamos recessão de mais de 3% ou o défice ficaria perto dos 7% e só com medidas extraordinárias de cerca de 3800 milhões de euros, que não seria tarefa fácil, se alcançaria os 4.6%. A Troika demonstrou, após verificar as contas portuguesas, que o objectivo inicial de 4,6% não era exequível…

O acordo prevê um empréstimo de 78 mil milhões de euros. Um montante de 54 mil milhões para suprir as necessidades de financiamento a 100% em 2011, 80% em 2012 e 20% em 2013. Para compensar as necessidades bancárias, 12 mil milhões. O remanescente, 12 mil milhões, para colmatar défices. Em 2013, ainda fragilizados pela recessão, a Troika só garante a Portugal 20% das necessidades de financiamento. Será possível conseguir financiamento nos mercados financeiros internacionais, a taxas inferiores a 5% para emissões de obrigações com maturidade a 10 anos?

O empréstimo do FMI, no montante de 26 mil milhões, a uma taxa de 3,25% nos primeiros 3 anos e depois passa para 4,25% - taxa tolerável caso haja crescimento económico. O crédito concedido pela União Europeia é de 52 mil milhões e as taxas, provavelmente, entre 5,5% e os 6%. Qualquer economista sabe que é totalmente incomportável e face a crescimentos nominais do PIB de 1% nos próximos anos, fica um diferencial de cerca de 5 pontos percentuais para acumular à dívida. A Irlanda prevê para este ano um crescimento de 2% do PIB. O problema da Irlanda é conjuntural, distinto do português e do grego que é estrutural.

Recessões consideráveis nos próximos anos, desemprego na casa dos 13%, taxas de juro do mercado monetário em alta, aumento significativo da carga fiscal sobre o rendimento, consumo e património, culminará numa descida considerável do rendimento disponível das famílias e problemas de tesouraria das empresas. Ajustar o nosso nível de consumo à capacidade de criação de riqueza do país será uma missão hercúlea. Os portugueses têm que tomar consciência que não podem viver com o desafogo financeiro de um alemão, com o estado social de um Escandinavo e a riqueza produzida pela economia nacional. A Troika quer uma desalavancagem da banca nacional, com o rácio créditos/depósitos a diminuir gradualmente. O Banco Espírito Santo no primeiro trimestre de 2011 tinha um rácio de 160% e pretende alcançar os 120% no final de 2012. Existe uma probabilidade, ainda que remota, que em 2013 os 12 mil milhões de euros não cheguem para dar liquidez à banca…

A Reestruturação da dívida grega tem sido referida na comunicação social. Quanto a Portugal, uma reestruturação implicaria o afastamento dos mercados financeiros internacionais durante muitos anos, seria uma “Argentinização” da nossa economia que é, de todo, indesejável. Perante os factos, é provável que vários países tenham que fazer reestruturação da sua dívida, mas para não colocar em risco o euro e a própria integração europeia é preferível que seja efectuada em conjunto. As reestruturações trarão ganhos avultados para quem detêm credit default swaps sobre a dívida soberana portuguesa, grega…

Um dos pontos do memorando prevê o reforço do fundo garantia dos depósitos, bem como o aumento dos rácios de solvabilidade dos bancos medidos pelo Tier1, passarem de 9% em 2011 para 10% em 2012, prova cabal de algum receio e preocupação quanto a situações de insolvência de instituições financeiras.

Tal como o dinheiro atrai dinheiro, dívida é uma força gravítica para mais dívida. Na lei gravitacional da física, quanto maior for a massa maior atracção sobre os outros objectos. Na Economia do Desenvolvimento Regional, quanto maior forem as regiões maior será a atracção sobre as zonas geográficas mais pequenas. Lisboa tem um poder gravitacional bastante elevado, concentra os ministérios, a população é atraída, as empresas nacionais e multinacionais têm a sua sede. Uma nova empresa que se venha instalar em Portugal é atraída por Lisboa. As pessoas são atraídas por Lisboa por motivos profissionais, socioculturais. O memorando da Troika apesar de apresentar linha gerais para estancar a dívida, não refere como se vai reduzi-la. Como se vai reduzir a dívida pública de 100% do PIB, dívida das famílias de 100% e das empresas de 115%? A dívida contraída junto das instituições internacionais (FMI/UE/BCE), sem crescimento económico, provavelmente acarreta mais dívida. A força gravitacional para mais dívida adicional…

A descida da taxa social única (TSU) poderá não fazer sentido. Os custos do trabalho têm maior peso que os factores de produção na formação dos preços. No entanto está a premiar-se todas as empresas, nomeadamente as de bens não transaccionáveis internacionalmente “no trade goods”, como é o caso do sector terciário. Faria mais sentido um incentivo fiscal às empresas exportadoras, ou que a descida da TSU se resumisse a este sector.

Em súmula: A crise agudiza-se e o euromilhões agora já sai duas vezes por semana. Quanto maior é a crise, maior é a propensão para jogar. O euromilhões, contribuição encapotada sobre os menos ricos para o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, eventualmente sairá 3 vezes por semana no final de 2013…

Paulo Monteiro Rosa, economista. 12 de Maio de 2011

quinta-feira, 5 de maio de 2011

A frieza da lei da natureza.



As pessoas com saúde fragilizada estão mais vulneráveis aos vírus. Os indivíduos fortes por natureza, os que cuidam da sua saúde, os que não fumam, os que fazem exercício físico e vão regularmente ao médico não estão ao alcance dos vírus…

A dívida externa bruta portuguesa corresponde a 230% do PIB, mas a líquida é de 100%, porque Portugal tem activos sobre o exterior. A dívida pública (conhecida) é de 97% do PIB. No entanto não é só o Estado que está descapitalizado. As famílias e as empresas e por seu intermédio a banca, que faz a ponte dos empréstimos concedidos às famílias e às empresas com capital da banca estrangeira, também estão descapitalizadas. A banca ficou como avalista desses empréstimos e responde por eles. Os bancos nacionais assumem o ónus de honrar os compromissos perante os credores estrangeiros, independentemente das famílias, empresas e Estado (empresas do sector público e municipais) falharem nos pagamentos à banca nacional. E perante a anunciada recessão de 2% em 2011, 2% em 2012, subida do desemprego para 13%, com a consequente falência de empresas, a diminuição do rendimento disponível por via das medidas de austeridade e da subida das taxas de juro do BCE, o futuro apresenta-se adverso para a economia portuguesa e para a banca nacional... 

A dívida privada correspondia em 2009 a 215% do PIB. As dívidas das famílias equivaliam a 100% do PIB e das empresas a 115%. Os portugueses, famílias e empresas, aproveitaram a oferta de crédito barato, fácil e de elevados montantes depois da adopção do euro como unidade de conta portuguesa e endividaram-se desenfreadamente, vivendo além de suas possibilidades. Podemos imaginar o tamanho aperto que Portugal vai sofrer para baixar esta dívida, seja através da redução do consumo ou através do aumento do crédito malparado dos Bancos. Os bancos financiaram uma economia que consumia aquilo que não produzia. Como a poupança nos bancos portugueses é insuficiente para colmatar os pedidos de crédito, os bancos portugueses tiveram que se endividar no estrangeiro e hoje estão com dificuldades para honrar os seus compromissos. A vida dos bancos não vai ser fácil…

O resgate - bailout - de 78 mil milhões de euros, serve para sanear as contas públicas e dar liquidez aos bancos. Cada qual pagará os juros correspondentes ao seu empréstimo. Parte do empréstimo é para dar liquidez aos bancos, cerca de 12 mil milhões. Estes não conseguiam ir ao mercado desde Maio de 2010. Foi o BCE que cedeu liquidez aos bancos durante o último ano. O acesso ao mercado estava vedado aos bancos portugueses, motivado pelo descrédito e descontrolo da despesa pública e dos défices públicos, que aumentaram a desconfiança na dívida pública soberana, culminando na venda massiva de Obrigações do Tesouro português (OT) e na subida das taxas de juro implícitas. Portugal não foi vítima dos mercados. Foi vítima de si próprio, do seu endividamento (público e privado). Os mercados só atacam presas fragilizadas, indefesas, e Portugal com o crescente descontrolo das suas contas, ficou sem defesas, perdeu os ”anti-corpos” e claro a doença atacou com facilidade. As pessoas com fragilidades de saúde (economias com endividamentos descontrolados e sem moeda para se socorrerem para ganhar competitividade) são vítimas fáceis para os vírus (especuladores).

No entanto os especuladores são necessários, procuram oportunidades, financiam as economias, dão liquidez e profundidade aos mercados. Mas, por vezes, são desestabilizadores do sistema. Os arbitragistas são sempre estabilizadores do mercado. Existem ainda investidores de longo prazo (aforradores) e aqueles que utilizam o mercado para cobrir o risco - hedgers. No caso das obrigações do tesouro português, os especuladores só conseguiram ganhar dinheiro recorrendo ao "short selling", pedindo títulos emprestados para vender e recomprar mais tarde a um preço mais baixo, porque as obrigações não param de cair. Os especuladores só ganharam dinheiro apostando na subida da taxa de juro implícita da OT - yield. Aqueles especuladores que compraram títulos com yields de 5% há um ano atrás, ou a 8% há 2 meses, perderam dinheiro, contudo deram liquidez aos mercados e as taxas de juro muito provavelmente seriam hoje mais elevadas sem as suas compras. Os que hoje compram com taxas de juro de 11%, provavelmente perderão dinheiro, porque eventualmente daqui por uns tempos esses títulos estarão com uma yield de 15%. Na Grécia, esta semana, foram negociadas obrigações que tinham implícitas taxas de juro de 25%. Ninguém tem ganho dinheiro a comprar dívida pública portuguesa...   

A dívida pública portuguesa, apesar de muitos não residentes terem alienado OT no último ano, continua em grande parte na mão de estrangeiros. A dívida pública belga e Italiana é de 120% há mais de 15 anos, e como é detida por residentes e a economia destes países tem um crescimento sustentável, os seus ratings e as yields das suas OT encontram-se num patamar que não inspira cuidados. Na realidade o grande problema português resume-se ao crescimento económico e enquanto a economia não entrar outra vez no trilho do crescimento, todos os empréstimos e resgates financeiros cairão em saco roto. O incumprimento será inevitável…

O último incumprimento - default - foi em 1892, derrubou um regime, e manteve Portugal longe dos mercados durante 50 anos. Nessa época o endividamento público era de quase 100% do PIB. Só depois da segunda guerra mundial, Portugal conseguiu voltar a financiar-se através dos mercados financeiros. O rendimento per capita, em 1926, era 28% da média europeia. Um incumprimento, uma reestruturação da dívida, manterá Portugal longe dos mercados durante décadas. Se eu pedir um empréstimo a alguém e não conseguir pagá-lo integralmente, dificilmente essa pessoa, por mais boa vontade que tenha, me voltará a emprestar dinheiro. Os tempos são de muita dificuldade e é imperativo colocar Portugal a crescer sob pena de não conseguir honrar os seus compromissos. As consequências seriam gravíssimas para a economia nacional e provavelmente grande parte de nós não estaria vivo até que Portugal reentrasse nos mercados...
Paulo Monteiro Rosa, economista. 5 de Maio de 2011

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.