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segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Atual inflação é conjuntural

Cada moeda tem uma taxa de juro subjacente que evolui de acordo com o comportamento da economia e do andamento da política monetária do banco central. São inúmeras as taxas de juro, desde as de curto prazo às de longo prazo. Juros nominais ‘versus’ reais. As taxas de juro do crédito ao consumo e as do crédito à habitação.  

Tal como existem várias taxas de juro, temos também diferentes medidas de inflação, como por exemplo: os preços no produtor, os preços no consumidor e os preços do imobiliário. Numa ótica ‘upstream & downstream’, a montante da cadeia de valor, os preços no produtor medidos pelo IPP são voláteis e refletem os preços das matérias-primas, desde metais industriais aos produtos agrícolas e à energia. Atualmente, os preços no produtor têm subido significativamente a nível global. Na Alemanha, o IPP aumentou 18,4% em outubro, a maior subida desde novembro de 1951, e sem energia cresceu 9,2%. Em Espanha, o IPP acelerou 31,9% em outubro, o mais elevado desde janeiro de 1976, mas sem energia o acréscimo foi de 9,7%. Nos EUA, a subida do IPP em outubro foi de 8,6%, a mais alta desde 2010, e excluindo alimentação e energia subiu 6,2%. Na China o aumento em outubro foi de 13,5%, o mais elevado dos últimos 26 anos.

A jusante na cadeia de valor, a subida do IPC está aquém do IPP. Na Alemanha, o IPC aumentou 4,5% em outubro, o mais elevado desde agosto de 1993. Em Espanha, subiu 5,4%, o valor mais alto dos últimos 29 anos, penalizado pelos preços da eletricidade e dos combustíveis. Na China, o IPC aumentou 1,5% em outubro. Nos EUA, o IPC subiu 6,2% em outubro, a maior subida desde novembro de 1990, agravada pelas dificuldades nas cadeias de abastecimento, como congestionamento portuário, escassez de ‘inputs’ e mão de obra, subidas dos custos de energia e aumentos salariais. O IPC sem energia e alimentação acelerou 4,6%, o mais elevado desde agosto de 1991. O indicador da inflação no consumidor medido pelo PCE ‘core’, bitola pela qual se rege a Reserva Federal dos EUA (Fed) na prossecução da sua política monetária, aumentou 4,1% em outubro, o maior desde janeiro de 1991.  

Em 2010, o preço do cobre atingiu um máximo histórico de 4,5 dólares por libra (453 gramas), desceu gradualmente até 2 dólares no final de 2015 e, atualmente, é novamente de 4,5 dólares. Em 2008, e de 2011 a 2014, o Brent cotou acima dos 100 dólares por barril, desceu até 35 dólares em 2016 e hoje cota nos 70 dólares.
O IPP é mais volátil que o IPC porque reflete melhor os ciclos económicos. A estabilidade dos salários nas últimas décadas afasta boa parte da volatilidade do IPC e confere-lhe um valor consideravelmente mais baixo relativamente ao IPP. 

O preço do imobiliário nos EUA, medido pelo índice Shiller, aumentou 19,5% de setembro de 2020 a setembro de 2021. Um ritmo que abrandou, mas é mais elevado do que em qualquer altura de forte subida dos preços das casas no período de 2003 a 2006, antes da crise imobiliária nos EUA. A teoria quantitativa da moeda representa o equilíbrio entre dinheiro e produção. A política acomodatícia da Fed, nos últimos 20 meses, impulsionou a inflação imobiliária e a subida das ações, mas penalizou a poupança real e os detentores de liquidez, corroborando o efeito Cantillon. Boa parte do dinheiro só chega às empresas e às famílias se o analista de crédito dos bancos comerciais aprovar os financiamentos, logo o impacto do aumento da quantidade de dinheiro no IPC é baixo. Além disso, a velocidade na circulação de moeda está em mínimos históricos.

De realçar que, atualmente, os EUA conseguem produzir mais do que em 2019 e com menos 5 milhões de trabalhadores, sinal de aumento de produtividade e capacidade de mitigar as subidas salariais no IPC.

A subida dos preços da energia e as interrupções nas cadeias de abastecimento configuram uma inflação conjuntural. Os preços aumentam numa economia cuja procura excede a oferta, mas se existir um aparelho produtivo estruturado e refletido num excesso de capacidade instalada, mais cedo ou mais tarde os preços tendem a regressar à normalidade.

Todavia, há uma potencial inflação estrutural no horizonte, ou seja, no longo prazo a China será menos deflacionista do que no passado, a descarbonização tem custos, os ‘baby boomers’ chegam gradualmente à reforma, e há sinais de um maior protecionismo para diminuir a dependência do exterior e mitigar as dificuldades nas cadeias de abastecimento causadas pela pandemia.

 
Paulo Monteiro Rosa



sexta-feira, 26 de novembro de 2021

“Veni, vidi, vici” com a volatilidade das criptomoedas

Uma das principais estratégias de sucesso no Jogo da Bolsa é apostar em títulos que sejam bastante voláteis. A volatilidade permite ganhos consideravelmente elevados desde que o jogador esteja do lado certo, quer na subida quer na descida. Por exemplo, as criptomoedas têm subjacente elevada volatilidade e permitem aos jogadores alcançarem os lugares cimeiros do Jogo da Bolsa, desde que estes assumam posições longas (compradoras) nas criptomoedas quando estas sobem e posições curtas (vendedoras) quando as criptomoedas caem.

Todavia, a adoção de uma constante postura ativa em títulos voláteis tem riscos elevados associados e que são exponenciados quando esta estratégia é acompanhada por alavancagem. Esta tática poderá colocar em causa o património. O binómio risco retorno está aqui bem patente, sob a milenar premissa de que quanto maior é o retorno, maior é o risco.

A volatilidade tem marcado a vida das criptomoedas desde a criação da primeira há 13 anos, a Bitcoin (BTC). Gradualmente foram surgindo mais, denominadas de
altcoins, e ainda hoje continuam a proliferar.

A BTC nasce na esteira da grande recessão de 2008 e 2009 como reação à resposta dos principais bancos centrais das economias desenvolvidas à crise financeira. O BoJ, a Fed e o BCE procuraram mitigar a incerteza e a desconfiança que se vivia no mercado monetário com a expansão significativa dos seus balanços no intuito de estabilizar os mercados financeiros e estimular a economia. A nova política monetária energicamente expansionista (QE) permite comprar títulos de dívida, em grande parte pública, e fornecer à economia toda a liquidez necessária para fomentar o crescimento económico. Todavia, a quantidade de moeda, desde dólares a euros, cresceu significativamente e os balanços da Fed e do BCE aumentaram quase dez vezes nos últimos 13 anos.
 

A volatilidade da BTC é um relevante entrave à sua condição de reserva de valor, mas, em boa verdade, as subidas têm superado em muito as descidas e a tendência é altista. Para que algo seja usado como reserva de valor precisa de ter algum valor intrínseco. Por exemplo, o ouro tem propriedades físicas ímpares e valor histórico que o acompanha desde os primórdios das civilizações humanas. O império Inca na América do Sul, sem contacto com o resto do mundo, desde cedo valorizou as qualidades intrínsecas do ouro. Na Grécia Antiga, eram utilizadas moedas de ouro para facilitar as trocas. Todavia, se a BTC não tiver sucesso como meio de troca, dificilmente terá utilidade prática e, portanto, o seu valor intrínseco será colocado em causa e poderá perder a atratividade como reserva de valor. Alguns entusiastas da BTC referem que a sua criptomoeda é apenas reserva de valor e não foi criada nem para facilitar as trocas, nem para ser uma referência de preços como unidade de conta. No entanto, o padrão-ouro é uma reserva de valor, facilita as trocas e serve como unidade de conta e foi utilizado a nível mundial até 1971. Quando as mercadorias competem pelo papel da moeda, aquela que com o passar do tempo consegue manter o seu valor toma o lugar de principal moeda. O uso do ouro como dinheiro tem milhares de anos.

A BTC tem relativas dificuldades em desempenhar a função de unidade de conta, isto é, fornecer um referencial para os preços dos bens e serviços devido também à sua elevada volatilidade. E ainda como unidade de conta, nem a maioria das empresas, nem nenhum país, excetuando El Salvador, a aceitou como pagamento.

Apesar da robusta expansão monetária, na última década, a taxa de inflação, quer do dólar quer do euro, manteve-se sempre bastante ancorada. Alguns anos foram mesmo marcados por períodos deflacionistas alicerçados nos avanços tecnológicos e na crescente globalização e entrada da China no comércio mundial há cerca de 30 anos. Todavia, apesar da inflação não ter acelerado como era expectável pela comunidade da BTC, em consequência da musculada criação de moeda pelos bancos centrais, cada BTC valorizou significativamente de 0,10 dólares em meados de 2010 para os atuais 58 mil dólares.

Em 2018, a Fed tentou reverter a política monetária, mas desistiu, após 20 meses, devido à desaceleração económica. No entanto, nesse ano a BTC perdeu mais de 70%.

Os futuros das taxas de juro da Fed negociados na Bolsa de Derivados de Chicago antecipam, atualmente, três subidas de um quarto de ponto cada, em maio, julho e dezembro, ou seja, terminar 2022 no intervalo de 0,75% a 1%. Este facto corrobora uma retirada total dos estímulos monetários de 120 mil milhões de dólares de compras mensais ainda no primeiro trimestre de 2022. Este cenário de regularização poderá suportar o dólar relativamente à BTC, mas aumenta o risco de abrandamento económico.

A BTC é teoricamente uma moeda deflacionista porque a emissão está limitada a 21 milhões de unidades de acordo com o protocolo da sua Blockchain. Neste momento existem 18,8 milhões de moedas e, em média, a cada 10 minutos são emitidas 6,25 BTC, o que perfaz 900 BTC diariamente e um total de 328 500 BTC num ano. Logo, temos, atualmente, uma criação de 1,7% de BTC anualmente, o que lhe confere este cariz inflacionista, ainda que residual.

As moedas fiduciárias, sendo o dólar e o euro as principais a nível global, permitem aos bancos centrais mitigar crises financeiras, dar liquidez ao mercado, estimular a economia e reestabelecer ou impulsionar a confiança no sistema, mas a criação de moeda não está limitada, tem um carater inflacionista. A inflação é um custo para os detentores de moeda, mas beneficia quem tem dívidas.

A moeda fiduciária estimula mais crescimento económico via endividamento, mas há uma probabilidade acrescida de aparecimento de inflação indesejável. Uma moeda mercadoria, ou seja, com emissão limitada como a BTC, dificulta a superação de uma crise financeira. Os detentores de moeda mercadoria como a BTC podem recusar-se a ceder crédito, e, consequentemente, projetos de interesse relevante, espelhados em mais trabalho produtivo e bens e serviços de crescente utilidade, podem ficar para trás, implicando menos crescimento económico e menor maximização do bem-estar da população.

Paulo Monteiro Rosa, In Jornal de Negócios, 29 de novembro 2021



Quem ganha com inflação elevada?

A inflação de preços no consumidor aumenta à medida que a procura supera a oferta de bens e serviços. Os aparelhos produtivos desestruturados dos países subdesenvolvidos, acompanhados pela desconfiança nas instituições e por baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), refletidos em défices educacionais e sanitários, culminam numa significativa insuficiência de oferta de bens e serviços incapazes de colmatar a procura das populações. Muitas vezes a inflação aumenta significativamente e dá lugar a hiperinflação que, em boa verdade, atua como uma taxa moderadora que afasta do consumo os mais desfavorecidos, ou seja, grande parte da população e agrava consideravelmente o bem-estar.

Atualmente, as economias avançadas têm níveis de inflação manifestamente elevados, mas os principais bancos centrais continuam a referir o seu caráter temporário. O excesso de capacidade instalada nas economias avançadas é uma das principais razões para considerarmos a atual subida de preços como transitória. Há décadas que a capacidade produtiva das empresas das economias mais desenvolvidas suporta facilmente a procura de bens e serviços e, deste modo, mantém a inflação baixa, a par dos avanços tecnológicos e da contribuição da globalização.

Ora, a pandemia ditou o encerramento de parte da capacidade instalada nos países desenvolvidos e, consequentemente, forte diminuição dos ‘stocks’ nos meses de confinamento. Seguiu-se a gradual retoma da atividade económica, que teve desde sempre à sua disposição a plena capacidade instalada, mas os ‘stocks’ tiveram que ser paulatinamente repostos. Consequentemente, a produção e oferta de bens e serviços não tem conseguido acompanhar a crescente procura reprimida durante o confinamento, resultando numa subida considerável da inflação. Além do mais, o confinamento desestruturou grande parte das cadeias de abastecimento mundiais e a subida dos preços tem sido também agravada pela crescente política de descarbonização.

Em suma, a capacidade instalada existe e permite responder cabalmente à procura das populações, mas as atuais deficiências nas cadeias de abastecimento dificultam a entrega às empresas, nomeadamente às fábricas, das matérias-primas necessárias à sua produção. A subida da energia e a falta de mão de obra concorrem adicionalmente para a subida dos preços.

De nada vale uma eficiente capacidade instalada se faltarem ‘inputs’. A inflação mais elevada poderá permanecer enquanto as cadeias de abastecimento não forem restabelecidas, a OPEP+ não repuser os seus cortes de produção, o ‘Shale Oil’ nos EUA não retomar a sua plena atividade e as pessoas não regressarem aos seus empregos. Quando parte destas variáveis se alinharem, os preços provavelmente deixarão de aumentar ao atual ritmo. Todavia, a economia chinesa tende a abrandar e dificilmente contribuirá para a deflação das economias avançadas tal como no passado e a descarbonização tem custos refletidos em preços da energia mais caros.

Enquanto isso, inflação mais elevada penaliza aforradores e pensionistas e beneficia devedores. Quem aforra deseja baixa inflação e juros mais elevados, ou seja, taxas de juros reais significativamente elevadas e quem tem dívidas ambiciona, obviamente, o contrário, isto é, juros mais baixos e inflação mais alta. No longo prazo estas varáveis estão correlacionadas positivamente (o nível de inflação define a taxa de juro) e os seus valores tendem a ser semelhantes, sendo a taxa de juro habitualmente superior à inflação.  

O crescimento económico é impulsionado geralmente por projetos inovadores. Existem muitos agentes económicos com boas ideias, mas nem todos têm capitais próprios para financiá-las. Apenas adequados mercados financeiros permitem financiar projetos, através de empréstimos, capazes de suportar boas ideias de negócio que de outro modo ficariam na gaveta. No entanto, os aforradores podem em momentos de incerteza travar o acesso a fundos por parte dos empreendedores e dificultar o crescimento económico. É também nestas alturas que os bancos centrais adotam políticas monetárias inflacionistas, assumindo uma postura ativa nos mercados monetários e fornecendo toda a liquidez necessária para que a economia não desacelere ou regresse ao crescimento. Mas esta política poderá redundar em inflação indesejável, financiar e suportar empresas ‘zombies’, inviabilizar novos projetos e atrasar a renovação do tecido empresarial.    

Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 26 de novembro de 2021




sexta-feira, 19 de novembro de 2021

A economia após a pandemia

Ainda que o ano de 2020 tenha iniciado com um elevado otimismo dos investidores, no último trimestre de 2019, em resposta aos sinais de abrandamento da economia global, as políticas monetárias expansionistas praticadas pelos bancos centrais das maiores economias, ao longo da última década, acentuaram-se ainda mais contribuindo para a ausência de ativos financeiros geradores de um rendimento estável e com baixo risco de preço. As políticas mais flexíveis de estímulo monetário, espelhadas num reforço acrescido de liquidez aos mercados, aos investidores e às economias, impulsionaram os níveis de apetite por ativos financeiros com maior risco, culminando em máximos consecutivos das bolsas norte-americanas, e do principal índice alemão, DAX30, já em 2020.

Os preços alcançados por esses ativos atingiram níveis apenas justificados pela falta de alternativas de investimento e pela crença que o ano de 2020, se iria desenrolar sem sobressaltos de maior. Os mercados, até ao fenómeno Covid-19, registavam valorizações significativas nos últimos anos, e as ações norte-americanas subiam há 11 anos consecutivos, no que foi o maior período de tendência altista, vulgarmente conhecido por bull market, de sempre das bolsas. O Covid-19 foi o trigger. O pavio estava lá, seco e quente, apenas à espera da faísca.

Ora, quando se avaliam ativos incertos com base em pressupostos que se aproximam de um cenário de perfeição, a realidade tende, mais cedo ou mais tarde, a revelar-se menos perfeita. Essa constatação invariavelmente reflete-se em correções mais ou menos violentas dos preços dos ativos, que têm sido, neste caso, impactadas negativamente pelo a alastrar do Coronavírus, e pelas perspetivas, que vão sendo consecutivamente revistas em baixa, para o crescimento económico. A recessão económica é uma realidade, desconhecendo-se a sua magnitude…

Os restantes meses do ano 2020 continuarão a ser afetados pela evolução e ritmo da propagação do vírus Covid-19, especialmente se houver uma 2ª ou mesmo uma 3ª vaga! Atualmente, o coronavírus é responsável por uma das maiores quedas de sempre do mercado acionista, comparáveis à grande depressão de 1929. À medida que o tempo passe, tomaremos conhecimento detalhado dos impactos económicos das restrições à circulação de pessoas. O encerramento de muitos organismos públicos, de estabelecimentos comerciais e paulatinamente das fábricas, quer pelo aparecimento de colaboradores infetados ou por falta de encomendas ou mesmo de matérias-primas, terão um impacto significativamente negativo na economia. Assistiremos ao aparecimento de algum “cisne negro”? Estará para acontecer algo inimaginável, com um impacto económico impossível de mensurar?

Os subsídios de desemprego, um leading indicator importante da economia norte-americana, registou esta semana uma subida de 70 mil novos subsídios, para um total de 281 mil, valor mais alto desde meados de 2018. As perspetivas são de agudização nos próximos tempos, alcançando, muito provavelmente, os 400 mil em finais de abril. O mercado aguarda igualmente, com bastante expectativa, os números da confiança empresarial relativos ao mês de março, os denominados PMI. O vírus propaga-se, os impactos económicos agravam-se e as revisões em baixa das empresas relativamente aos seus resultados multiplicam-se.

Ninguém sabe o rumo que esta pandemia irá tomar. No entanto, ainda que se mantenham os níveis relativamente baixos de letalidade nos 2%, concentrados principalmente na população mais idosa e com morbilidade associadas, acreditamos que este cenário poderá causar uma disrupção significativa nas estruturas económicas globais no 2º trimestre, uma visão realista neste momento. Eventualmente, com algum otimismo, poderemos assistir a uma recuperação no 2º semestre do ano. Uma vez que estamos a lidar com elevados índices de incerteza, há a necessidade imperiosa de nos adaptarmos continuamente face às informações oficiais que nos chegam sobre este tema. Será essencial, portanto, para as empresas, ajustarem rapidamente a sua estratégia à realidade.

As respostas das autoridades para relançar a atividade económica e mitigar eventuais efeitos negativos desta crise de saúde pública já estão em curso há algum tempo. A China, que atualmente regressa lentamente à normalidade, iniciou esse processo em janeiro com o banco central a renovar estímulos monetários. Já o banco central norte americano cortou extraordinariamente duas vezes as taxas de juro, em 50 e em 100 pontos, respetivamente, retomando-as a níveis históricos, no intervalo entre de 0% a 0,25%, que manteve durante 7 anos, após a crise financeira de 2008. A 23 de março, a FED avançou ainda com um Quantitative Easing (QE) ilimitado para amparar economia dos EUA.

Por sua vez, o Banco de Inglaterra cortou também duas vezes as taxas diretoras, em 50 e 15 pontos, respetivamente, para o nível mais baixo de sempre de 0,1% e reforçou ainda a compra de títulos de dívida.

Finalmente, o Banco Central Europeu, após ter referido em março que iria aumentar as compras de ativos em 120 mil milhões de euros no ano de 2020, sendo que o QE já era de 20 mil milhões de euros mensais, decidiu posteriormente fortificá-lo significativamente com mais 750 mil milhões de euros até ao final do ano. O balanço do BCE aumentará para cerca de 5,5 biliões de euros, metade do PIB da Zona Euro, valor que quintuplicou em 10 anos.

Este novo ciclo de suporte monetário será também acompanhado de um relaxamento da política orçamental, com estímulos fiscais e aumento da despesa pública, tanto na Europa como nos Estados Unidos. As eleições presidenciais norte-americanas, em novembro, tinham já contribuído para a existência de maior apoio à atividade económica pelo presidente em funções, que agora será consideravelmente reforçada.

O resto do ano deverá continuar a ser pautado por baixas taxas de juros nos produtos sem risco de crédito, encaminhando os investidores para as alternativas com maior risco, isto é, para as obrigações de emitentes com menor qualidade creditícia e para as ações. Porém, no momento atual, apesar de aparecerem boas oportunidades nas empresas com fundamentais resilientes e equipas de gestão de qualidade, também castigadas por este fenómeno, há uma preferência por liquidez no curto prazo em virtude da elevada incerteza e significativa volatilidade do mercado. As bolsas apresentaram no mês de março um comportamento semelhante ao fatídico outubro de 2008, quando se registaram os valores mais elevados para o VIX, o índice de volatilidade do índice norte-americano, S&P 500.

O desempenho dos títulos em bolsa é inversamente proporcional à curva exponencial do total de infetados com Covid-19. As ações e obrigações de maior risco, nomeadamente as High Yield, estão a ser as mais penalizadas.

Uma recessão económica cada vez mais intensa é uma realidade perante o avanço do Covid-19. O aumento do desemprego, e uma redução do rendimento disponível, acarretará problemas acrescidos às famílias e empresas com dificuldades financeiras. A subida do crédito malparado e o correspondente aumento das imparidades dos bancos será uma realidade incontornável. Um setor bancário que já estava há anos depauperado pelas taxas de juro negativas, que se traduziram em margens muito estreitas, ou mesmo negativas, impactarão negativamente o produto bancário. Também a pressão continuada sobre as comissões cobradas pelos bancos, onde este setor ainda conseguia alguma receita substancial, deixará a banca mais fragilizada. As linhas de financiamento do governo português, suportadas por políticas comunitárias coordenadas, apoiarão grande parte do tecido empresarial português, espelhado em micro, pequenas e médias empresas, na recuperação económica e financeira das mesmas. Finalmente, um suporte relevante às famílias mais afetadas com a recessão económica, que se avizinha, ajudará a atenuar a pressão sobre a banca nacional, e alivar o crescimento do malparado.

Em suma, provavelmente, teremos uma recuperação em “V”, se o 2º semestre se comportar positivamente. Mas se as sequelas financeiras do Covid-19 forem mais duradouras, então a recuperação será em “U” ou em “L”. A incerteza é a palavra chave de momento…


PMR In PME Magazine 23 de março 2020




Proliferação de criptos facilita esquemas Ponzi?

Os esquemas fraudulentos são uma realidade desde os primórdios da civilização e acentuam-se em períodos de maiores debilidades financeiras e taxas de desemprego mais elevadas, acompanhados de um ambiente crescente de dinheiro fácil. Os poucos conhecimentos financeiros reforçam a proliferação e sucesso destas fraudes. As dificuldades financeiras ditadas pela pandemia e o dinheiro fácil impulsionado pelas políticas acomodatícias dos bancos centrais para mitigarem a crise económica pandémica, provavelmente intensificaram os esquemas fraudulentos e o número de pessoas aliciadas por estes.

Os esquemas Ponzi são dos mais utilizados e consistem em burlas disfarçadas de investimento. Estes estratagemas geralmente prometem elevados retornos com pouco ou nenhum risco e os lucros dos investidores mais antigos são pagos com depósitos dos investidores mais recentes. Ou seja, são esquemas piramidais que subsistem enquanto a base for maior que o topo e os investidores não resgatarem o seu dinheiro.

Atualmente, as criptomoedas são uma realidade crescente e a tecnologia ‘blockchain’ subjacente confere-lhes segurança e privacidade. Os principais bancos centrais mundiais aceleram a criação de moedas digitais, as denominadas ‘Central Bank Digital Currency’ (CBDC), para superarem a presente ameaça à sua hegemonia.

Ora, no seio da gradual multiplicação de criptomoedas - já são quase oito mil - haverá provavelmente umas moedas com vida mais curta do que outras. Existem moedas digitais que nem sequer cumprem um dos propósitos basilares que esteve na génese das primeiras, a de serem deflacionistas, ou seja, moedas mercadorias digitais que pela sua escassez inscrita no protocolo estão limitadas na sua emissão. Uma ‘separação do trigo do joio’, tal como na bolha das ‘dotcoms’, pode ser uma realidade no futuro.

O valor de mercado das criptomoedas aumentou seis vezes nos últimos 12 meses e é, atualmente, de quase três biliões de dólares, cerca de 13% do PIB norte-americano. A bitcoin (BTC) representa cerca de 40%, o Ethereum (ETH) 20%, as principais ‘altcoins’ 20% e as restantes criptomoedas 20%. Os entusiastas quer da BTC quer da ETH sustentam que as suas moedas representam uma cabal reserva de valor e apostam numa capitalização idêntica à do ouro de 11,5 biliões de dólares. Se essa valorização se efetivasse, muitas mais criptomoedas apareceriam do nada, mais liquidez e recursos seriam retirados da economia, mais riqueza ‘virtual’ seria criada e mais “ricos com pés de barro” surgiriam. A criação de riqueza é suportada pela produtividade e são precisas pessoas para fornecer bens e serviços. Por exemplo, a economia dos EUA superou os níveis pré-pandémicos com menos 5 milhões de trabalhadores (a taxa de participação desceu de 63% em 2019 para 61,6%), um aumento de produtividade, mas, obviamente, não o suficiente para manter toda a gente a viver dos rendimentos dos criptoativos! Quem trabalha?

Este dinheiro fácil poderá sustentar de forma duradoura esquemas Ponzi porque a valorização das criptomoedas poderá suportar o resgate dos investimentos e viabilizar uma pirâmide invertida durante algum tempo. Quanto maior é a árvore, maior é o tombo. Até lá, a bolha vai crescendo, impulsionada pelos bancos centrais, cujos balanços, Fed, BoE e BCE aumentaram cerca de 10 vezes desde a grande recessão de 2008/09. O fator TINA (‘There Is No Alternative’) e o FOMO (‘Fear of Missing Out’) têm impulsionado as valorizações dos ativos e podem alimentar esquemas Ponzi. Além das criptomoedas, há atualmente variadas ofertas financeiras bastante apelativas, alicerçados em NFT (‘Non-Fungible Token’), Fan Tokens, SPAC (‘Special Purpose Acquisition Companies’, as denominadas empresas de cheque em branco) e IPO que poderão facilitar esquemas Ponzi e espoletar dificuldades financeira no futuro, nomeadamente com a reversão da atual política monetária expansionista dos bancos centrais. 

O valor dos IPO, SPAC e cotação direta (Direct Listing) nos EUA, desde o início do ano, ultrapassou um bilião de dólares, ou seja, mais do dobro de 2020 e mais de 6 vezes superior à média dos últimos dez anos. Na semana passada, o IPO da fabricante de camiões elétricos Rivian alcançou 56 mil milhões de dólares, apenas superado pela cotação direta da Coinbase de 85,8 mil milhões em abril. Em março, a Roblox conseguiu 45,3 mil milhões, a terceira maior este ano. A Amazon foi avaliada em 438 milhões no seu IPO em 1997…

 

PMR In VE 19 de novembro 2021




segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Rácios e gráficos que mostram a evolução económica

A alavancagem é uma das principais ferramentas dos participantes no jogo da bolsa para serem bem-sucedidos. A utilização de crédito permite-lhes exponenciar os seus investimentos e serem um dos primeiros no último dia do jogo. Todavia, é preciso tentar perceber se o mercado é de alta ou de baixa de acordo com a fase do ciclo económico em que nos encontramos ou se determinado ativo tende a subir ou a descer. Para isso é importante ter uma noção do atual estágio em que se encontra a evolução económica. Os preços dos mais variados ativos financeiros ajudam-nos a monitorizar a evolução da economia e há alguns que são bastante pertinentes, como os preços das commodities, nomeadamente do petróleo (energia), do cobre (metais industriais) e do ouro (metais preciosos), bem como as taxas de juro do mercado monetário e dos rendimentos do tesouro.

A configuração da curva de rendimentos oferece uma boa leitura da atual fase económica. Taxas de juro de curto prazo aos níveis das taxas de juro de longo prazo é caracterizada por uma curva horizontal e espelha estagnação económica. Um declive negativo reflete recessão económica, definida pela elevada incerteza e, consequente, aumento significativo das taxas de juro no curto prazo. No entanto, uma curva de rendimentos crescente revela expansão económica refletida nas taxas de juro de curto prazo mais baixas, que evidenciam confiança e alimentam o crescimento económico, e nas taxas de longo prazo mais elevadas que realçam expectativas mais altas para a inflação impulsionadas pelas expectativas de um robusto crescimento económico. Atualmente, a procura cresce significativamente e a oferta tem dificuldades em acompanhar no curto prazo, mas as economias desenvolvidas têm potencial e capacidade instalada para alcançar no médio ou longo prazo um robusto crescimento económico. Haja potencial na economia e a oferta, as cadeias de abastecimento e a capacidade instalada no longo prazo ajustar-se-ão e aliviarão o nível de inflação.

A relação entre o cobre, um dos principais metais industriais, e o ouro, um dos principais metais preciosos, espelha a cada momento a intensidade da atividade económica e o nível de incerteza. À medida que a recuperação económica é uma realidade, a incerteza tende a dissipar-se e a subida da cotação do ouro abranda ou cai, enquanto a aceleração da atividade económica aumenta a necessidade de cobre e a cotação deste metal industrial sobe. Ou seja, um rácio entre o cobre e o ouro mais elevado reflete uma aceleração económica, mas uma descida do rácio espelha um abrandamento da atividade.

Desde janeiro de 2018 a março de 2020, o rácio caiu cerca de 45%, a espelhar um abrandamento económico mesmo antes do confinamento da primavera do ano passado ditado pela pandemia e que provocou uma recessão económica. Desde março do ano passado o rácio aumentou cerca de 90% e reflete a redução da incerteza e o aumento gradual da atividade económica.

A curva do petróleo é outro bom indicador da atual fase do ciclo económico. Cotações mais baixas nos prazos mais curtos relativamente aos prazos mais longos, fenómeno conhecido por
contango, é caracterizado por uma curva com inclinação positiva e reflete uma recessão económica global. Preços no curto prazo consideravelmente mais baixos mostram a fragilidade da procura devido às incertezas e à forte desaceleração económica. Por exemplo, o fenómeno contango teve lugar em 2008, 2009 e em 2020, períodos de recessão económica. Atualmente, a curva do petróleo já reverteu novamente para o habitual backwardation, cotações no curto prazo mais elevadas que no longo, e reflete expansão económica. A crescente procura excede a oferta de petróleo e reflete a retoma económica. Porém, a OPEP+ ainda não repôs os cortes realizados no ano passado para suster a queda das cotações devido à forte contração da atividade económica ditada pela pandemia e consequente confinamento global.

A análise de preços pode ser complementada pelos dados macroeconómicos, mais especificamente por
leading indicators que perspetivam a evolução futura da economia. Nos EUA, os pedidos de subsídio de desemprego semanais, os denominados Jobless Claims, refletem uma perspetiva adequada da evolução futura do mercado de trabalho, da robustez da economia e das pressões inflacionistas via custos salariais. Os lagging indicators referem-se muitas vezes aos dados coletados há dois ou três meses, caso das ofertas de emprego nos EUA (JOLTs), mas não deixam também de ser relevantes para aferir a tendência histórica da interação entre a criação de postos de trabalho, ofertas de emprego e subsídios de desemprego. O Índice de Preços no Consumidor (IPC) nos EUA é um leading indicator da inflação norte-americana e é divulgado mais cedo do que o PCE, no entanto este último é que é mais frequentemente utilizado pela Reserva Federal dos EUA na prossecução da sua política monetária.
  

PMR, In Jornal de Negócios, 15 de novembro




sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Variáveis deflacionistas impulsionam economia

Os avanços tecnológicos impulsionam o crescimento económico e diminuem o nível de inflação. “Ceteris paribus”, quanto maior for o nível tecnológico, maior será o diferencial positivo entre a produção de bens e serviços e a inflação dos mesmos, ou seja, mais elevado será o bem-estar da população, refletido num robusto crescimento do PIB e numa baixa taxa de inflação. Níveis mais elevados de educação, de conhecimentos e de cuidados de saúde reforçam os avanços tecnológicos e permitem populações mais informadas e mais saudáveis à disposição da economia, proporcionando um melhor desempenho económico. Se aliado a um relativo grau de liberdade económica, quanto mais elevado for o índice de desenvolvimento humano (IDH), maior será o potencial de crescimento de uma determinada economia.

Também a globalização permite preços mais baixos, graças à maior concorrência e, consequente, maximização do binómio qualidade/preço. Além de ter dado oportunidade a muitos países de saírem da pobreza, a globalização, tal como referia o economista inglês do séc. XIX, David Ricardo, na sua teoria das vantagens comparativas do comércio internacional, permite que um determinado país, mesmo que não seja competitivo em termos absolutos na produção de nenhum bem, possa continuar a participar no comércio internacional e especializar-se naquilo em que é mais produtivo. A tecnologia de cada país determina os seus custos unitários e a sua produtividade. Quanto maior o grau de globalização, maior será o potencial mundial de crescimento económico.

Da mesma forma, quanto mais pessoas produtivas estiverem aptas para trabalhar, maior será o potencial de determinada economia. Se, por absurdo, todas as pessoas estivessem doentes a produção cairia para zero. Analogamente, à medida que envelhecemos a nossa aptidão para o trabalho produtivo diminui e, consequentemente, o envelhecimento da população penaliza o crescimento económico. Mesmo os conhecimentos técnicos e a experiência de uma vida, de alguns aposentados, poderão estar indisponíveis devido a uma doença mental. 

Até à entrada no mercado de trabalho, a população não produz quaisquer bens e serviços, bem como depois da vida ativa. A primeira fase é de aprendizagem e aquisição de conhecimentos essenciais para alicerçar um robusto crescimento económico no futuro. A última fase é caracterizada pelo usufruto de uma vida de trabalho e consumo gradual de cuidados de saúde inerentes ao avançar da idade. Ambas as fases são inflacionistas. Todavia, a fase intermédia é idade produtiva e é deflacionista, definida por uma capacidade de produção superior ao consumo.

Nos EUA os ‘
baby boomers’ (nascidos no pós-guerra até meados da década de 1960), retiram-se gradualmente do mercado de trabalho e avolumam a população de dependentes impulsionada pelo aumento da longevidade. Os norte-americanos não estão preparados para este crescente aumento de pessoas necessitadas de mais cuidados, nomeadamente de saúde, o que pressionará, talvez, em alta os salários das poucas pessoas preparadas para desenvolverem esta atividade, mais um fator inflacionista.

A transição energética, espelhada numa política generalizada de descarbonização, tem custos, logo é inflacionista. E apesar da descida significativa dos custos das infraestruturas eólicas e solares na última década, a indisponibilidade para uma necessidade constante de eletricidade é um problema (solar disponível apenas de dia e eólica quando está vento) e os combustíveis fósseis continuam a fornecer parte da eletricidade. Na prossecução do objetivo de descarbonização, a energia nuclear poderia complementar a produção de eletricidade, mas há uma perceção negativa quanto à utilização desta energia. Morrem mais pessoas de acidente de automóvel do que de queda de avião, mas o receio de andar de avião é uma realidade e o de um acidente numa central nuclear também. A mente humana foca-se mais na concentração do risco do que na sua dispersão. O acidente nuclear de Fukushima em 2011 impulsionou os preços da eletricidade no Japão nos anos seguintes e ditou o encerramento de parte das centrais nucleares a nível global. 

Em suma, os fatores deflacionistas impulsionam o crescimento económico, mas as variáveis inflacionistas concorrem para uma menor produtividade e declínio da atividade económica.

PMR In VE 12 novembro 2021





sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Preço do ouro não indicia estagflação, mas a Bitcoin…

A inflação nos EUA, de acordo com o índice de preços no consumidor (IPC), aumentou 5,9% de fevereiro de 2020, antes do confinamento ditado pela pandemia, a setembro de 2021. Nesse período, o IPC subiu de 258.824 para 274.138, o que representa uma taxa anualizada de 3,5%, talvez suficientemente elevada para espoletar o início do ‘tapering’ da Reserva Federal dos EUA (Fed) na próxima reunião de 3 de novembro.

Os futuros das taxas de juro da Fed (Fed Funds Rate) mostram uma probabilidade de 60% de aumento das taxas na reunião de 15 de junho do próximo ano, ou seja, uma subida de 25 pontos base para o intervalo [0,25% a 0,50%]. Este número corrobora a expectativa de alguns analistas que estimam que a Fed anuncie o início do
‘tapering’ provavelmente ainda para meados deste mês. Uma gradual redução da compra de ativos de 120 mil milhões de dólares ao longo dos próximos seis meses, para depois subir taxas de juro em 15 junho de 2022. Os futuros evidenciam também uma probabilidade de 54% de aumento de 50 pontos base, para [0,50% a 0,75%], a partir da reunião de 2 de novembro de 2022.

Entre 1978 e 1981, numa das fases mais graves da estagflação da década de 1970, o ouro quadruplicou de preço, mas o ‘Dollar Index’ caiu nesse período. No longo prazo, e perante uma inflação persistente, o ouro tende a configurar um porto seguro mais adequado do que o dólar. Mas a moeda norte-americana é um dos melhores refúgios de curto prazo para enfrentar períodos rápidos de elevada volatilidade, incerteza e preferência por liquidez.

O IPC nos EUA duplicou entre 1975 e 1981. Também nos últimos dois trimestres a inflação tem subido consideravelmente. Todavia, a atual cotação do ouro, reserva de valor milenar, mantém-se estável e não reflete qualquer receio de estagflação. Bem pelo contrário, espelha uma inflação temporária, em linha com as perspetivas dos principais bancos centrais, e uma economia capaz de corrigir as atuais dificuldades nas cadeias de abastecimento no próximo ano. Persistem os ‘
bottlenecks’ do lado da oferta, mas, por exemplo, a maioria dos fabricantes de automóveis espera que a escassez de semicondutores termine em meados do próximo ano e a Fitch Ratings avança mesmo com uma expectativa de excesso de ‘chips’ em 2023. Os investidores, também, antecipam uma estabilização do mercado de energia na primavera de 2022, após um inverno que se aproxima e que se antevê rigoroso. Gradualmente as pessoas regressam ao emprego impulsionadas pela diminuição dos receios quando à evolução da covid-19 e extinção dos subsídios pandémicos ao desemprego, o que permitirá resolver os problemas de escassez de mão de obra e preencher as ofertas de emprego em níveis históricos nos EUA. 

O abrandamento económico nos últimos meses, acompanhado pela subida da inflação, aumenta a ameaça de estagflação. Mas a bitcoin (BTC) valorizou 100% desde os mínimos de meados de julho e alcançou novos máximos históricos. Será a BTC percecionada, atualmente, como uma cabal reserva de valor e mais importante do que o ouro? Em março do ano passado, início do confinamento ditado pela pandemia, diante da incerteza e da volatilidade, a BTC perdeu 50% e o ouro caiu 14%, mas o dólar valorizou. Uma perceção mais ‘verde' da BTC será determinante para os investidores? A extração de ouro consome mais eletricidade, cerca de 131 TWh anualmente, contra 112 TWh da BTC. Além disso, a mineração de BTC pode escolher a região e localizá-la numa zona geográfica que possibilite consumir apenas energia renovável (por exemplo, a energia geotérmica na Islândia e a refrigeração natural). No entanto, como as minas de ouro não escolhem o local de mineração, a disponibilidade elétrica nessa zona pode ser apenas conseguida através de um combustível fóssil, por exemplo.

Todavia, o consumo de eletricidade está, em parte, correlacionado com a cotação da BTC. Uma cotação mais elevada da BTC implicaria, tendencialmente, maior consumo de energia. Um ‘
market cap’ da BTC equivalente ao do ouro, de 11 biliões de dólares e almejado pelos entusiastas da BTC, resultaria provavelmente num consumo consideravelmente mais elevado de combustíveis fósseis na mineração de BTC relativamente ao ouro. Mas os avanços tecnológicos poderão criar supercomputadores mais eficientes que diminuam o consumo de eletricidade. 

PMR, Vida Económica, 2 de novembro 2021



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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.