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sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Combater a inflação ou evitar a recessão? Jackson Hole escolhe estabilidade de preços


O Jackson Hole Economic Symposium é uma reunião anual, patrocinada pela Reserva Federal de Kansas City desde 1978 e realizada em Jackson Hole, Wyoming, EUA, desde 1981. Todos os anos, esta conferência junta banqueiros centrais, ministros das finanças, figuras proeminentes dos mercados financeiros, académicos e economistas. Se no início o simpósio de Jackson Hole se centrava no papel da política monetária no desenvolvimento agrícola, o evento tornou-se gradualmente mais popular à medida que antecipava assuntos capazes de influenciar a evolução dos mercados financeiros. Em 2007, o tema “Habitação, Financiamento Habitacional e Política Monetária” não atraiu muito a atenção dos participantes, mas, no ano seguinte, a crise imobiliária do “subprime” nos EUA revelou a crescente importância deste simpósio. Em 2012, o então presidente da Reserva Federal dos EUA (Fed), Ben Bernanke, aproveitou o evento para anunciar o 3º Quantitative Easing (QE). Jackson Hole foi também palco para Mario Draghi anunciar as bases do QE da Zona Euro. Este ano as atenções estarão concentradas na inflação mais elevada das últimas décadas, nomeadamente nas economias avançadas, e numa cada vez mais provável recessão nos EUA e na Europa, mas a guerra na Ucrânia e as suas repercussões energéticas, bem como a desaceleração económica global, designadamente na China, serão também temas que, com certeza, merecerão a atenção dos intervenientes. O discurso mais aguardado é do Jerome Powell, e há um certo consenso de que o presidente da Fed adote uma postura ainda mais austera no combate à inflação mais elevada dos últimos 40 anos, comprometendo-se com a estabilidade de preços, nem que esta posição dite uma recessão. O combate à inflação, e os seus vícios, é mais importante do que evitar uma recessão. Por isso, esta insistência dos bancos centrais será cada vez mais visível, nem que imponha uma recessão mais ou menos cavada. É certo também que uma recessão é deflacionista, aumentando o desemprego, diminuindo o rendimento disponível, abrandando os gastos das famílias e, por fim, aliviando a pressão sobre os preços. Apesar de as pessoas terem geralmente perceções nominais quanto ao dinheiro, elas reconhecem facilmente a subida dos preços quando esta atinge os bens e serviços do seu quotidiano, ou seja, quando a inflação já está generalizada por toda a economia, tal como acontece atualmente. E é já nesta fase que os agentes económicos procuram lucrar com a alta dos preços. A inflação é uma oportunidade para ganhar mais dinheiro, desde os açambarcamentos aos acréscimos das margens operacionais por aqueles que têm poder de fixação de preços (“pricing power”). Os preços dos alimentos no retalho aumentaram significativamente no primeiro semestre, mas, no entanto, as cotações nos mercados internacionais dos cereais, como milho, trigo e girassol, já se encontram atualmente em níveis pré-invasão da Ucrânia. As profissões mais escassas têm maior poder para aumentar preços, apresentando orçamentos mais elevados justificados com a alta dos combustíveis fósseis ou dos metais industriais, do vidro e das restantes matérias-primas fabris. Mesmo o governo português apresenta melhorias nas suas contas públicas, porque os impostos indiretos, nomeadamente o IVA, representam uma percentagem dos preços dos bens e serviços agora mais caros. Em Portugal, os assalariados são aqueles que ainda mantêm a mesma remuneração mensal, mas a pressão para uma subida em torno da inflação será cada vez mais percetível, potenciando a indesejável espiral inflação/salários. Cresce o número de pessoas que tenta ganhar com a inflação, trabalhando o mesmo ou menos. Por todos estes motivos, a inflação é a variável mais nefasta para a economia e tudo deve ser feito para mitigá-la. Por último, ao contrário das economias subdesenvolvidas caracterizadas por aparelhos produtivos desestruturados, que estão na origem de uma inflação estruturalmente elevada, as economias avançadas têm excesso de capacidade instalada. Todavia, as dificuldades nas cadeias de abastecimento e a alta dos preços das “commodities”, nomeadamente da energia, tornaram escassos os “inputs” necessários à plena produção nos países desenvolvidos, estando na origem de uma inflação conjunturalmente elevada. Enquanto a escassez persistir, a oferta das empresas estará limitada e os bancos centrais vão manter a alta dos juros para diminuir e ajustar a procura a essa menor oferta. Esta postura potencia uma recessão. Quando a escassez de energia e restantes “inputs” for ultrapassada, poderemos assistir a um período deflacionista. PMR In VE 24 agosto 2022

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Inflação ou recessão: o que recear mais?


A inflação consiste numa subida generalizada e contínua dos preços dos bens e serviços consumidos pelas famílias. Essa mesma alta dos preços é determinada pela conjugação de quatro fatores: oferta e procura de bens e serviços, procura e oferta de moeda (não a base monetária, ditada pelos bancos centrais, mas um agregado monetário mais lato, ou seja, a massa monetária, definida maioritariamente pelos bancos comerciais). A inflação aumenta sempre que a procura agregada seja superior à oferta agregada, sendo talvez a maior ineficiência económica. Pelo contrário, há lugar a deflação [queda dos preços] quando a oferta agregada supera a procura agregada, mas à medida que a oferta cria gradualmente a sua procura, ou seja, através de novos produtos introduzidos no mercado, maior crescimento, maior rendimento disponível das famílias, o mercado reequilibra-se e os preços dos bens e serviços estabilizam-se.   

A inflação é sempre um fenómeno monetário. Significa que, com 1 euro, se compra menos hoje do que ontem. Isto é, a inflação reduz o valor da moeda ao longo do tempo. Todavia, numa economia em forte crescimento a alta temporária dos preços é um sintoma do próprio acréscimo real de riqueza e desajustamentos transitórios entre o aumento da procura, consequência do maior rendimento disponível, permitindo optar por mais lazer em detrimento do trabalho, e uma oferta que leva o seu tempo a criar novos produtos e a automatizar ainda mais a economia que mais tarde ou mais cedo acaba por acrescentar uma cabal oferta de bens e serviços capaz de colmatar o aumento da procura agregada.   

Contudo, a atual inflação é diferente e surge num contexto de crise económica. As dificuldades nas cadeias de abastecimento, ditadas pela pandemia de covid-19, estiveram na génese da atual inflação, no início temporária, mas que a transição energética e, já este ano, a guerra na Ucrânia tornaram cada vez mais persistente. Na Europa, a inflação é maioritariamente energética e baseada, em boa parte, na importação de combustíveis fósseis mais caros, subtraindo riqueza ao PIB europeu e penalizando os consumidores. Mas a persistência da alta dos preços dos bens e serviços tende a tornar-se cada vez mais duradoura à medida que a dinâmica perniciosa da inflação se aprofunda, corroborada, por exemplo, pela manutenção ou aumento das margens por empresas com poder de mercado, os denominados cartéis, ou por governos que beneficiam com a alta dos preços, aumentando a sua receita fiscal. Por último, num fenómeno inflacionista de custos [importados], o BCE tenta ajustar a já frágil procura à menor oferta, aumentando o preço do crédito, mais um custo para as famílias. Todos estes fatores adversos conduzem paulatinamente a economia a uma recessão.   

Os cartéis normalmente ocorrem em mercados definidos por oligopólios, nos quais existe um pequeno número de empresas com produtos homogéneos. Na verdade, o cartel opera como um monopólio, ou seja, como se fosse uma única empresa, prejudicando a concorrência e penalizando os consumidores ao aumentarem preços e restringirem a oferta. Ao limitar a concorrência, o cartel também prejudica a inovação, impedindo que novos produtos e processo produtivos surjam no mercado, resultando em perdas de bem-estar do consumidor e, no longo prazo, perda de competitividade da economia como um todo. Em Portugal, a Autoridade da Concorrência (AdC) procura, desde a sua criação em 2003, salvaguardar a livre concorrência, inscrita na Constituição da República Portuguesa no artigo 81º, alínea f).

A inflação em Portugal seria menor se existisse um cabal livre mercado e tivesse sido implementada uma política orçamental expansionista, sobretudo uma maior redução dos impostos sobre os combustíveis fósseis importados, abdicando de uma parte maior do ISP (Imposto sobre Produtos Petrolíferos), bem como do IVA que recai sobre os hidrocarbonetos. A receita do ISP do executivo português subiu € 84,7 milhões no 1º semestre deste ano, relativamente ao semestre homólogo de 2021, para € 1608,6 milhões. Entre os mesmos semestres, o IVA aumentou de € 7920,7 milhões para € 10052,3 milhões.  

A inflação autoalimenta-se. Muitos querem ganhar mais, trabalhando menos. Açambarcamentos. A recessão é talvez o menor de dois males. A Reserva Federal dos EUA sabe-o e, por isso, luta para travar a inflação mais elevada dos últimos 40 anos e todos os vícios que a alta de preços acarreta. Além disso, os trabalhadores querem aumentos salariais, intensificando a inflação. Uma recessão desacelera a economia, as pessoas gastam menos e essa é uma das principais maneiras de impedir que os preços subam. A recessão renova o tecido empresarial. Em suma, apesar de a recessão ser também penalizadora para as empresas de dimensão mais pequena e para a concorrência, a inflação é muito pior.


PMR In VE 8 de agosto de 2022






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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.