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quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

A evolução do dólar e a inflação

A perspetiva de depreciação do dólar pode ser enquadrada pelo regresso dos défices gémeos. Um elevado défice da balança corrente e das contas públicas nem sempre se traduz numa descida do dólar, mas desta vez a probabilidade é maior. O défice comercial está perto dos máximos históricos de 2006 e o orçamental em valores históricos de 130% do PIB nominal, que, aliados à política monetária energicamente expansionista, poderão gerar inflação acima dos 2%, tal como a Reserva Federal norte-americana (FED) pretende, mas, a existir alguma inflação, muito provavelmente, será apenas moderada e no limite entre 3% e 5%. Não se espera que os EUA ofereçam taxas de juros ou diferenciais de crescimento que atraiam as poupanças mundiais face ao potencial de crescimento que poderão apresentar as economias emergentes a partir da segunda metade de 2021. 
 
Alguma correção de uma parte do défice comercial poderia ser via depreciação do próprio dólar, mais plausível através das importações. À medida que a moeda norte-americana desvaloriza, as importações ficam mais caras e menos atrativas, no entanto, as exportações norte-americanas poderão não beneficiar da desvalorização do dólar devido à mudança de paradigma espelhada na divisão do comércio mundial num conjunto de blocos com as suas próprias cadeias de abastecimento. As crescentes dificuldades para a balança de capitais dos EUA contrabalançar as perdas comerciais poderão ser ultrapassadas pela desvalorização do dólar e reequilíbrio da balança de pagamentos que tem sempre saldo zero. 
 
As taxas de juro de longo prazo do dólar, ou seja, as rentabilidades das T-Bonds, estão abaixo de 1% e aquém do esperado crescimento económico mundial refletido na subida das cotações das matérias-primas, nomeadamente do cobre, que regista máximos de 2013. Ou as taxas de juro sobem para patamares pré-Covid acima dos 2% ou a atratividade do dólar estará na sua depreciação. O renminbi poderá ganhar terreno à hegemonia do dólar se hipoteticamente assistirmos a uma significativa desvalorização do dólar que no período de 2000 a 2008 se traduziu num ganho da moeda europeia de 10 pontos percentuais nas reservas mundiais dos bancos centrais. Agora o mesmo poderá acontecer, mas algum percalço em termos políticos na União Europeia, nomeadamente advindo das eleições regionais em França ou das legislativas na Alemanha e na Holanda, pode acarretar uma perceção de menor coesão europeia e, consequentemente, depreciação do euro. 
 
À medida que as oportunidades de investimento global melhoram, o dólar como ‘porto seguro’ perde terreno. A inflação nos EUA também pode aparecer em 2021, caso a procura ultrapasse as atuais restrições de oferta induzidas pela pandemia em muitos setores, mas este facto é pouco provável face à elevada taxa de desemprego norte-americana, à diminuição do peso dos salários no PIB e ao estrutural excesso de capacidade instalada. Quanto maior for o apetite pelo risco do investidor, maior será a probabilidade que o dinheiro flua dos EUA para os mercados emergentes. Uma melhoria dos mercados emergentes na segunda metade de 2021 proporcionará uma maior aceleração de muitas “carry trades” que usam o dólar americano como moeda de financiamento. O dólar pode continuar a cair na crença de que a Reserva Federal seja o último banco central a encetar uma política monetária contracionista, com exceção da Europa, do BCE e do BoJ, e os mercados emergentes aumentarão provavelmente as taxas mais cedo. 
 
Biden quer voltar rapidamente ao pleno emprego e para isso terá que criar mais de 5 milhões de empregos suportados, talvez, por outro pacote de estímulo orçamental monetizado pela FED, atualmente de 80 mil milhões de dólares mensais de compra de dívida pública, quase um bilião de dólares num ano, além das atuais compras de 40 mil milhões mensais em títulos de hipotecas garantidas (MBS) que aumentam significativamente a base monetária e podem impactar a inflação. O resultado das eleições para o Senado da Geórgia a 5 de janeiro determinarão a escala deste hipotético pacote. As atuais sondagens apontam para uma vitória dos democratas, o que daria a Biden luz verde, já que o seu partido controlaria o Congresso.


VIDA ECONÓMICA | 31-12-2020 | PAG 33

PAULO ROSA
Economista Sénior do Banco Carregosa https://www.vidaeconomica.pt/vida-economica-1/publicacoes/edicao-num-1863-do-vida-economica-de-31122020/mercados/evolucao-do-dolar-e-inflacao

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

O EMPREGO E A INFLAÇÃO


A política monetária da Reserva Federal dos EUA (FED) tem como metas o pleno emprego ea estabilidade de preços, duas variáveis que estão correlacionadas negativamente segundo a curva de Phillips e caracterizadas por um conflito na sua escolha. No entanto, a taxa de desemprego nos EUA foi crescente na segunda metade da década 1970 e na primeira metade da década de 1980 e superou os 10% numa altura em que a inflação chegou aos 15% (período de estagflação). E nos últimos trinta anos a taxa de inflação nos EUA tem-se mantido controlada, e descendente, entre 1% a 3%, ea taxa de desemprego permaneceu entre os 4%e os 6%, se excetuarmos os danos colaterais, e cíclicos, da recessão de 2008 e da pandemia de 2020. Tem existido mais uma correlação positiva entre as duas variáveis do que um “trade-off” defendido pela curva de Phillips. Esta similitude de baixas taxas de inflação e de baixo desemprego é, atualmente, transversal a quase todas as economias desenvolvidas desde o Japão, Reino Unido e Suíça à Alemanha, e uma das justificações poderá passar pelo peso cada vez menor dos salários no PIB. Se partirmos do pressuposto de que são mais os rendimentos do trabalho que impactam a inflação, e esta hipótese é corroborada pela teoria económica ao colocar em vários modelos a taxa de desemprego para determinar a tendência da inflação, então, à medida que pesam cada vez menos no rendimento disponível o impacto sobre a inflação como um todo é menor, deixando explicação para os rendimentos do capital, os juros, as rendas e os lucros, para a menor pressão inflacionista nas últimas décadas.
O aumento da base monetária pelos bancos centrais nos últimos 12 anos, e mais vincadamente nos últimos 9 meses, tem impactado assimetricamente a massa monetária e favorecido mais os rendimentos do capital, fazendo jus à não neutralidade da nova moeda central quando entra na economia que Cantillon defendia há 3 séculos. Temos assistido à subida dos títulos da dívida pública, impulsionada pela compra de ativos pelos bancos centrais, descidas dos juros e valorização dos mercados acionista e imobiliário. Se o consumo cresce a ritmos decrescentes à medida que o rendimento disponível aumenta, então rendimentos do capital acrescidos não terão tanto impacto na subida da inflação como teriam acréscimos na mesma proporção de rendimentos do trabalho. Também o cabaz de bens e serviços para aferir a inflação é dinâmico, e procura sempre substituir um bem que encareceu por outro mais barato, como acontece com o PCE nos EUA, e, em suma, acaba por ser um cabaz mais semelhante ao das famílias mais desfavorecidas. Todavia, mesmo a criação de mais empregos, provavelmente, só redundará em mais inflação se os novos postos de trabalho forem pouco produtivos. Para reduzir o número de pessoas desempregadas durante um período de pleno emprego, seriam necessárias reformas do lado da oferta para aumentar a produtividade.

Alguns economistas veem o desemprego como um meio necessário para controlar a inflação, ou seja, para evitar que a inflação acelere. Mas no longo prazo o desemprego depende essencialmente de variáveis estruturais e a inflação é mais um fenómeno monetário. O pleno emprego pode, grosso modo, ser traduzido pela taxa natural de desemprego de longo prazo (NAIRU). Ea NAIRU (“Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment”) representa a taxa de desemprego que não acelera, ou não gera, inflação. Se numa economia a taxa de desemprego é superior à NAIRU, então as pressões inflacionistas motivadas pelo nível de emprego tendem a abrandar. A inflação aparece e acelera quando a taxa de desemprego é inferior à NAIRU.



A taxa de desemprego é cíclica e muito assimétrica, porque aumenta significativamente nas recessões e desce muito lentamente nas recuperações económicas, ea NAIRU estimada numa recessão é mais alta e acompanha a taxa de desemprego (com algum atraso) e os estabilizadores automáticos (do lado da receita, o IRS e
o IRC, e do lado da despesa, os subsídios de desemprego) agravam o défice orçamental que poderá ser interpretado como um défice estrutural crescente (a componente cíclica é subestimada). Mas na realidade há uma situação cíclica adversa, uma recessão e a economia está longe do seu pleno emprego, sem pressões inflacionistas, mas a penalizar os rendimentos do trabalho, nomeadamente os mais baixos... Paulo Rosa, in Vida Económica, 18 de dezembro 2020

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

O comércio externo e a inflação

VIDA ECONÓMICA   | 11-12-2020 | PAG 37

PAULO ROSA

Economista Sénior do Banco Carregosa

A balança corrente é composta pela balança de bens (as transações de mercadorias), a balança de serviços (viagens, serviços comerciais, turismo, royalties ou licenciamentos), a balança de rendimentos (remessas de emigrantes, juros de depósitos, rendas e lucros) e a balança de transferências correntes. São as transações que têm um carácter regular com o resto do mundo, como as exportações, as importações e os rendimentos dos fatores produtivos. Qualquer défice na balança corrente é compensado e anulado por um superávite de igual montante na balança de capital, e vice-versa, e a balança de pagamentos será sempre nula.

 Os bens de consumo são os responsáveis pelo défice comercial norte-americano, já a balança de serviços é excedentária. O comércio externo de veículos, peças e motores automóveis representa um défice à volta de 250 biliões de dólares, quase metade do total do saldo negativo da balança comercial dos EUA. Todavia, gradualmente, desde 2008, a balança do petróleo dos EUA, que correspondia a metade do défice comercial norte-americano, passou de um défice histórico de 452 biliões de dólares no terceiro trimestre, desse ano, para o primeiro excedente comercial em 2020, corroborado, até ao momento, pelos superávites verificados em todos os meses de aproximadamente 2 biliões de dólares mensais. O défice comercial norte-americano, que persiste há várias décadas, não é mais devido à dependência das importações de petróleo, mas penalizado por outros bens de consumo e de capital.

 Os EUA são a única grande economia com défice crónico da balança corrente. A Alemanha, o Japão e a China têm excedentes. Uma empresa não sobreviverá a muitos exercícios com uma situação líquida negativa (capitais próprios negativos), mas um país com significativa pujança económica poderá suportar por muito mais tempo contas externas deficitárias, mas não indefinidamente, e a sua solvabilidade depende da capacidade e robustez da economia em causa para pagar impostos e sustentar esses défices. Se a economia enfraquecer, a capacidade para pagar impostos desce ea credibilidade perante os credores externos diminui até ao limite em que ninguém mais empresta dinheiro ou investe no país em causa.

Sucessivos défices da balança corrente significam gradual perda de soberania. Esses défices implicam que sejam compensados por superávites na balança de capital através do investimento direto estrangeiro (IDE), de empréstimos e de investimentos em portfólio, como sejam compra de ações e obrigações, nomeadamente do tesouro. Os EUA financiam o seu défice com um pujante mercado de capitais, Wall Street é o seu centro nevrálgico e o número de ofertas públicas de venda (IPO) são procurados por todos os investidores do mundo. As empresas norte-americanas vão passando para mãos estrangeiras e o Governo dos EUA é, em parte, financiado pelos estrangeiros.

 O dólar é a principal moeda de reserva do mundo e tem quase o exclusivo do comércio mundial, com mais de 80%. A moeda norte-americana representa cerca de 60% dos ativos de reserva dos bancos centrais. Quase 40% da dívida mundial é emitida em dólares. A força da economia dos EUA suporta o valor do dólar e torna-o a moeda mais poderosa. A força do dólar é a razão pela qual os governos estão dispostos a mantê-lo em reservas cambiais. Os EUA suportam o seu défice comercial com a emissão de moeda e, grosso modo, a principal “exportação” norte-americana são dólares.

 Perante os défices comerciais e orçamentais dos EUA, o maior risco é se o fluxo de capital de investimento estrangeiro não está a financiar o capital físico de longo prazo das empresas, mas portfólios de curto prazo como títulos do governo e ações. Défices externos dos ÈUA redundam em menor procura da moeda norte-americana. Se subsistirem os défices, e a expansão monetária da FED, a depreciação do dólar, desde junho, poderá continuar e resultar em inflação importada.

E a inflação é o pior inimigo da credibilidade de uma moeda.





sábado, 5 de dezembro de 2020

Os gastos dos governos e a inflação

Desde março que a Reserva Federal dos EUA (FED) reforçou os mercados com mais dinheiro na sua batalha contra a deflação. Apesar do balanço da FED ter aumentado, em apenas dois meses, à volta de 3 triliões de dólares, cerca de metade dessa subida deveu-se ao aumento de quase 1.5 triliões de dólares na conta geral do Tesouro dos EUA junto da FED. Nem tudo é moeda, porque apesar do passivo de um banco central refletir a base monetária de uma economia, porém, essa igualdade é referente apenas ao passivo com outras instituições monetárias (OIM), como sejam as reservas bancárias, e a moeda em circulação, ou seja, a conta de depósito do Estado, apesar de estar no passivo da FED, não faz parte do circuito monetário e bancário. Por que o Tesouro tem tanto dinheiro na FED, e quais são as implicações? Desde meados de 2015, que coincide grosso modo com a redução do balanço da FED (tapering), o Tesouro passou a ter como objetivo manter um nível de dinheiro suficiente para cobrir despesas semanais e sujeito a um saldo mínimo de 150 biliões de dólares. Como resultado das inúmeras políticas económicas adotadas desde meados de março, em resposta à pandemia, as saídas diárias do Tesouro são, sem surpresa, muito maiores agora do que eram anteriormente. Atualmente, com o agravamento da pandemia, espera-se um montante acrescido de estímulos fiscais, logo o sucessivo levantamento de dinheiro pelo Tesouro poderá  pressionar em alta as taxas de juro através do efeito “crowding out”.

A Lei CARES, promulgada a 27 de março, foi criada para suportar o desemprego, através de subsídios, e aumentar o rendimento das pessoas para manter a procura agregada. 
Os riscos de inflação elevada só existirão se o dinheiro criado pela FED acelerar sustentadamente a atividade económica e resulte um excesso da procura em relação à capacidade produtiva. O aumento da oferta monetária pode-se dissipar à medida que os bancos reduzem os empréstimos às empresas, as famílias gastarem parte das poupanças depositadas e o governo terminar os programas de apoio ao rendimento. Essa redução do crescimento monetário ocorreria mesmo com a ininterrupta flexibilização monetária. Todavia, a segunda vaga de pandemia pressionará o governo dos EUA a gastar mais e, gradualmente, o setor público, nos próximos anos, tomará o lugar do setor privado e assumirá a despesa na economia, por exemplo através de infraestruturas, realidade crescente desde a crise financeira de 2008. Os EUA estão a começar a trilhar o mesmo caminho que o Japão iniciou há 25 anos. Após a crise financeira no começo da década de 90, a despesa na economia nipónica inverteu-se, passando o Estado a ser cada vez mais preponderante e deficitário e o setor privado excedentário. A taxa de poupança nos EUA atingiu máximos históricos nos 33% durante o confinamento. As economias desenvolvidas estão a padecer de um crescente aumento da poupança privada, e a Alemanha é um caso paradigmático. 

A velocidade do agregado monetário MZM (Money Zero Maturity, dinheiro com vencimento zero) habitualmente utilizado pela FED desde que o M3 foi descontinuado em 2006, mede a frequência com que uma unidade de moeda é usada para comprar bens e serviços produzidos internamente e caiu para mínimos históricos de 1 no segundo trimestre de 2020. É um sinal deflacionário, mas é importante que os investidores entendam que a inflação ainda é uma ameaça nos próximos anos.

A inflação via custos diminuiu com o regresso da oferta agregada de bens e serviços a níveis quase pré-covid. A inflação via aumento da procura agregada (famílias, empresas, Estado e exterior) não é atualmente um problema. Há aumento da procura de moeda, mais um fator deflacionário, espelhada na elevada taxa de poupança. A crescente quarta revolução industrial e a consecutiva descida do peso dos salários do PIB, hoje de apenas 43%.
  

Paulo Monteiro Rosa, Vida Económica, 20 de novembro 2020



A incerteza é deflacionista

O acentuado crescimento, superior a 20%, do agregado monetário M2 norte-americano facilmente apontaria para uma inflação crescente, mas, até ao momento, a incerteza e o medo resultou numa acumulação de dinheiro pelos agentes económicos e o índice de preços no consumidor permanece estável. Os aumentos do M1 e do M2, desde março, refletem mais a aversão ao risco e o impacto das iniciativas fiscais do governo dos EUA do que a política monetária da Reserva Federal (FED).

No início de março, as empresas tornaram-se extremamente avessas ao risco em antecipação à propagação da pandemia, aos confinamentos e paralisações ditadas pelos governos que impactariam, certamente, os fluxos de caixa. Muitas empresas temeram que os bancos cortassem as suas linhas de crédito, e tomaram esses empréstimos não utilizados e a maior parte dos rendimentos nas suas contas bancárias para quaisquer eventualidades. Os depósitos bancários, o principal componente do M1, dispararam como resultado da acumulação de dinheiro por parte das empresas e das famílias avessas ao risco. Além dos programas fiscais do governo dos EUA, que suportaram o rendimento das famílias, um avultado número de empréstimos e subsídios para empresas aumentaram também os depósitos bancários.

Atualmente, o total do M2 nos EUA é pouco mais de 19 triliões de dólares, dos quais os depósitos de poupança correspondem a 11.9 triliões, os depósitos à ordem a 3.8 triliões, os depósitos a prazo a 1.5 triliões e a moeda em circulação a 2 triliões de dólares. A significativa subida dos depósitos, e dos agregados monetários, é justificada pelo Programa de Proteção ao Cheque de Pagamento (PPP), que reflete o esforço do governo de 660 biliões de dólares para apoiar pequenas empresas, através de empréstimos, a manterem a força de trabalho empregada durante a pandemia. Também a utilização de linhas de crédito por empresas como a Hilton, a Ford e a Boeing, que só em março e abril levantaram mais de 201 biliões de dólares em capacidade financeira para garantir acesso a liquidez, explicam a subida dos depósitos, bem como o aumento da poupança das famílias perante a incerteza da pandemia.

As pessoas consomem mais se o futuro for mais previsível, se houver mais emprego e maior previsibilidade quanto a rendimentos futuros. Um substancial acréscimo no consumo que impacte consideravelmente a inflação passa necessariamente, mas não é uma condição suficiente, por um robusto crescimento económico. Os indicadores de confiança do consumidor estão em mínimos de novembro de 2016 e são fundamentais para aferir a propensão das famílias ao consumo e o impacto na inflação. A confiança das empresas é também importante para estimar o quão disponíveis estão para gastar e investir e, fundamentalmente, para contratar, criando mais postos de trabalho que poderão impulsionar o consumo e a inflação.

No mundo pós-covid, com a reabertura das economias e a melhoria da confiança, as famílias gastarão parte das suas poupanças acumuladas face à incerteza da pandemia, estimulando o consumo, e as empresas reduzirão os depósitos para financiar operações e saldar as suas linhas de crédito bancário ativadas durante a pandemia. Os valores mais elevados do M1 e do M2 serão revertidos, no entanto, atualmente, ainda se mantêm em máximos a espelhar a contínua incerteza em virtude da segunda vaga da pandemia.

Os riscos de uma inflação alta indesejada só se materializarão se o dinheiro criado pela FED gerar uma aceleração sustentada da atividade económica que resulte num excesso de procura em relação à capacidade produtiva instalada, e esta, no entanto, continua a estar sobredimensionada, uma característica das economias desenvolvidas. Este risco deve ser monitorizado de perto, mas, talvez, não seja uma das principais preocupações quanto à subida da inflação. Todavia, se combinada com um aumento sem precedentes na despesa pública, com o objetivo de estimular a economia, os riscos de inflação serão reais. Após a crise financeira de 2008, o enérgico QE da FED resultou em excesso de reservas no sistema bancário, mas não gerou uma aceleração sustentada do PIB nominal e, consequentemente, a inflação permanece firmemente baixa há 12 anos.

Paulo Monteiro Rosa, Vida Económica, 27 de novembro de 2020




A inflação é mais importante no longo prazo…

A inflação é mais importante no longo prazo… 

Desde início da pandemia, o significativo aumento de 70% do balanço da Reserva Federal dos EUA (FED) tem gerado junto dos investidores receios quanto a uma subida da inflação acima do desejável. As reservas bancárias justificam cerca de 50% do aumento e a conta geral do tesouro norte-americano responde pela outra metade do incremento.

O dinheiro que está sob a forma de reservas bancárias, ou seja moeda central, só chegará ao público em geral, famílias e empresas, se os bancos comerciais, e os seus analistas de crédito, concederem mais empréstimos à economia real, através do acréscimo de moeda crédito. Todavia, o multiplicador monetário, rácio dado pelo agregado monetário, por exemplo M1, e a base monetária do banco central, mantém-se praticamente inalterado, não existindo pressões inflacionistas, até ao momento, em resultado da significativa criação de moeda central. Em boa verdade, nos últimos sete meses o total de depósitos à ordem nos EUA subiu cerca de 1.5 triliões de dólares e as reservas bancárias cresceram na mesma proporção, logo o rácio mantém-se, e não houve lugar à criação de nova moeda crédito, muito devido à política restritiva dos analistas de crédito dos bancos comerciais na concessão de empréstimos e o excesso de capacidade instalada na economia. Até ao momento, não se vislumbra qualquer risco de aparecimento do imposto inflacionário, devido ao considerável aumento de moeda pela FED. Todavia, a conta do governo norte-americano mais do que multiplicou por três, para responder às perdas económicas em resultado do distanciamento social ditado pela pandemia, e pode mais tarde redundar em mais inflação se esse dinheiro chegar à economia real. O aumento da dívida do Estado, através da monetização, é um processo semelhante à criação de moeda pela FED e têm custos associados de mais impostos, se existir necessidade de reduzir o montante de dívida pública, e um imposto inflacionário no que respeita ao banco central. Por enquanto, assiste-se a um aumento histórico da taxa de poupança nos EUA, acima dos 30% em maio, mais um fator deflacionário. A globalização e os avanços tecnológicos contribuam também para a diminuição dos preços. Grande parte do dinheiro criado pela FED está a ser canalizado mais para os ativos financeiros e é pouco aquele que chega ao consumo de retalho. A velocidade de circulação de moeda, quando revisitamos a teoria quantitativa da moeda (M*V=P*T, massa monetária igual ao PIB nominal), está em mínimos históricos, mais um fator que, para já, é deflacionista porque retira preponderância à criação de moeda central, mesmo apesar desta não alcançar a economia real, travada pelos bancos comerciais que não criam moeda crédito, sendo esta a maioria da massa monetária de uma economia. 

De realçar que o consumo cresce a ritmos de decrescentes à medida que aumenta o rendimento disponível, logo a maior preocupação para a subida da inflação e pressão sobre os preços está mais nos rendimentos médios e mais baixos e, provavelmente, na remuneração do trabalho, cujo peso está em mínimos históricos nos 43%, quando há 20 anos era de 48%.

A subida da inflação seria um entrave ao presente bullmarket, iniciado em meados de março, depois do bearmarket mais curto de sempre, apenas 15 dias.

Mas o jogo da bolsa é de muito curto prazo, e porque no longo prazo estaremos todos mortos, para ganhá-lo a estratégia não passa por desvendar a tendência da variável macroeconómica inflação, mas pela maior exposição a produtos alavancados e derivados.


Paulo Monteiro Rosa, Jornal de Negócios, 23 de novembro 2020



sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Vacinas: presentes natalícios antecipados brindam bolsas com sucessivos máximos


JORNAL ECONÓMICO   | 04-12-2020 | PAG 26
PAULO ROSA Economista Sénior, Banco Carregosa 
 
FECHO DA SEMANA 
 
Após um novembro muito positivo, as bolsas mundiais continuam em alta, com as notícias sobre as vacinas a oferecerem otimismo. 
 
Após as farmacêuticas BioNTech e Pfizer anunciarem recentemente que haviam obtido resultados positivos com a suas vacinas, os investidores mostraram-se confiantes e premeiam esse feito com registo de novos máximos históricos. 
 
As duas empresas afirmaram que, de acordo com o estado atual da pesquisa, a vacina teve uma eficácia superior a 90% e que as pessoas envolvidas nos ensaios clínicos ainda não experimentaram quaisquer efeitos colaterais graves. Apenas uma semana após o anúncio dos dados positivos, a empresa farmacêutica Moderna também publicou dados positivos do estudo sobre a sua própria vacina candidata. A empresa norte-americana anunciou que a sua vacina oferece uma eficácia de 94,5%. 
 
Os mercados voltaram a reagir positivamente. As ações europeias tiveram um início de mês positivo e em máximos do início do ano, após os ganhos históricos de novembro, com o otimismo em torno de uma vacina contra o coronavírus a fortalecer a esperança de uma rápida recuperação económica. 
 
O número de norte-americanos que entraram com pedidos de subsídio de desemprego caiu na semana terminada a 28 de novembro, mas permanece consideravelmente elevado e penalizado pelas restrições comerciais generalizadas para desacelerar a vaga crescente de novas infeções por Covid-19. O declínio maior do que o esperado nos pedidos semanais de subsídio de desemprego foi provavelmente influenciado pelo feriado do Dia de Ação de Graças, que pode ter impactado o modelo que o governo usa para retirar as flutuações sazonais dos dados. Os pedidos caíram 75.000 para 712.000, após dois aumentos semanais consecutivos. 
 
A pandemia a agudizar e o pacote de estímulos fiscais, para mitigar os danos causado pelo confinamento, quase esgotado, estão a dificultar a recuperação económica, com a atividade do setor de serviços a desacelerar para o valor mais baixo dos últimos seis meses em novembro. republicanos e democratas no Congresso permaneceram incapazes de chegar a um acordo sobre outro pacote. 
 
As principais autoridades económicas dos EUA, Jerome Powell e Steven Mnuchin, pediram ao Congresso mais ajuda para as pequenas empresas perante a pandemia e a preocupação de que o alívio de uma vacina possa não chegar a tempo de evitar maiores penalizações. 
 
Na Europa, os impactos dos confinamentos para conterem a disseminação da Covid-19 continuaram a ser sentidos, com a atividade manufatureira na França e na Alemanha a desacelerar em novembro. Os dados robustos de atividade industrial na China impulsionaram os preços do cobre e do minério de ferro. 
 
Sobre o Brexit, um ministro britânico disse na terça-feira que ainda há hipótese de uma saída descontrolada da União Europeia sem um acordo comercial, já que as negociações sobre pesca, regras de governança e resolução de disputas foram interrompidas. ? 
 
EMPRESAS RETALHO 
 
A Dollar General divulgou resultados trimestrais melhores do que o esperado. A retalhista de descontos beneficiou da maior procura por mantimentos e itens domésticos mais baratos, durante a crise ditada pelo confinamento para impedir a propagação do novo coronavírus. O aumento do desemprego impulsionou a procura de cereais, vegetais e outros produtos essenciais a preços mais baixos e vendidos pela Dollar General. Há um crescimento de vendas “nas mesmas lojas” de cerca de 14% no período entre 31 de outubro e 1 de dezembro. 
 
CAMBIAL EURO/USD EM ALTA 
 
O euro ultrapassou o limite de 1,20 em relação ao dólar americano na terça-feira. Alguma cautela face a mais incentivos de Isabel Schnabel, membro da Comissão Executiva do BCE, uma clara vontade de continuar a gastar por parte do presidente-eleito Biden, e a sua equipa, e o sentimento geral de alta que se vive nos mercados financeiros empurrou o euro para cima. Provavelmente é mais um enfraquecimento do dólar. 
 
COMMODITIES COBRE 
 
A cotação do cobre está a níveis de 2013 e, no último mês, o rácio cobre/ouro tem estado descorrelacionado com a rentabilidade das obrigações a 10 anos dos EUA. O preço do cobre é uma medida confiável da saúde económica, uma vez que alterações da sua cotação podem sugerir crescimento global ou uma recessão iminente. 
 
Embora outros ativos também tenham recuperado após a queda do mercado no início da pandemia, o cobre ultrapassou os ativos com perfil de risco mais elevados, como o S&P 500, o ouro e a prata.  



Parece inflacionista, mas não é


Na primavera, o balanço da Reserva Federal dos EUA (FED) aumentou cerca de 70%, e muitos analistas e economistas anteciparam, perante este significativo aumento da base monetária, uma subida da inflação. A FED tinha perpetrado um QE mais enérgico do que os seus principais congéneres, o Banco Central Europeu (BCE) e o Banco do Japão (BoJ), que havia resultado numa considerável subida do seu balanço, mas quase metade desse incremento deveu-se ao aumento da conta do tesouro junto da FED em 1.2 triliões de dólares, e a base monetária é igual ao passivo do banco central subtraído da conta do tesouro. Ou seja, a base monetária, em boa verdade, não aumentou 70%, mas pouco mais de 40%, uma subida já mais alinhada com o aumento de 40% do balanço do BCE e 20% do BoJ, mas ainda assim significativamente elevada.
O BCE e o BoJ desde a crise financeira de 2008 que adotam uma política monetária exclusivamente expansionista, há cerca de 12 anos, mas a FED ainda recentemente, no período que vai de 2015 a 2018, pautou a sua política monetária como contracionista. A existirem pressões inflacionistas, elas muito provavelmente deverão aparecer primeiro nos EUA, pela forte subida do balanço da FED e pela sua política monetária mais estabilizadora, do que nas restantes geografias desenvolvidas da Europa e do Japão que se debatem mais com preocupações ao nível da deflação do que propriamente de inflação indesejável. Por isso, é mais racional estudar as várias variáveis macroeconómicas norte-americanas, desde o nível do emprego ao crescimento do PIB, e respetivas movimentações da FED, para aferir e monitorizar um aumento inoportuno e inadequado do nível de inflação.
A Teoria Quantitativa da Moeda refere a equivalência entre o nível da massa monetária e a produção, compreendida pelo PIB nominal. São os agregados monetários traduzidos pela massa monetária, por exemplo M1 e M2, que fazem parte do primeiro membro da equação e não a base monetária, espelhada na moeda central criada pelos bancos centrais. Grosso modo, a massa monetária só aumenta quando é criada moeda crédito, ou seja, quando é concedido crédito e temos crescimento, por exemplo, do M1. Mas nos últimos 9 meses nos EUA o M1 subiu mais de 40%, de 4 triliões de dólares para 5.7 triliões! E o M2 cerca de 20% de 16 triliões de dólares para 19 triliões! Todavia, esse crescimento deveu-se em grande parte à incerteza da pandemia. Muitas empresas ativaram as sua linhas de crédito, em março, para quaisquer eventualidades, mas o dinheiro permaneceu parqueado nos bancos. O Estado apoiou linhas de crédito para que as pequenas empresas mantivessem os postos de trabalho. A taxa de poupança aumentou significativamente, em parte devido aos cheques do governo às famílias. A incerteza resultou também num aumento histórico da conta do Tesouro junto da FED. O confinamento, o encerramento de fábricas e a diminuição da procura de matérias-primas, culminaram numa escassez de dólares dos países emergente e a FED teve que emprestar cerca de 400 biliões de dólares (os Swaps do balanço da FED) aos bancos centrais emergentes em abril e maio, que entretanto já foram integralmente saldados. Toda esta moeda não redundou em inflação de preços porque esta não chegou a ser utilizada no consumo.
As guerras são sucedidas por períodos inflacionistas devido à destruição do tecido produtivo. A pandemia culminou em confinamentos e encerramentos temporários das empresas, mas a capacidade instalada manteve-se inalterada, e quando muito poderia ter existido alteração de proprietários. O aumento na oferta de moeda pela FED só é inflacionista se o dinheiro chegar à economia, mas nos últimos 10 anos os preços dos bens e serviços aumentaram 18% e o SP500 cerca de 200%. São fatores deflacionistas: mais tecnologia com a aceleração da quarta revolução industrial, caso a globalização regresse a níveis pré-covid, multiplicadores monetários contantes ou descendentes, velocidade da massa monetária em queda, taxa de poupança crescente, queda do peso dos salários em relação ao PIB e excesso de capacidade produtiva instalada. Poderão ser inflacionistas a desvalorização do dólar e uma política orçamental profundamente expansionista.

In Vida Económica, Paulo Rosa, 4 de dezembro 2020

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