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sexta-feira, 28 de maio de 2021

Défices orçamentais e MMT

Quando um Estado gasta mais do que as receitas que arrecada o resultado é um défice orçamental, mas se o acréscimo de crescimento económico nominal do país for superior ao montante deficitário das contas públicas, a dívida pública diminuirá em termos relativos. Um crescimento económico nominal de 5% consegue neutralizar um défice público de 5% e manter estável a percentagem de dívida pública em relação ao PIB nominal.

Porém, se incorrermos em défices públicos significativos e bastante acima do crescimento económico, a dívida pública subirá acentuadamente. Este quadro deficitário será tanto mais grave quanto mais débil for a economia do país em causa. Há países que podem incorrer em défices excessivos mais elevados e por mais tempo sem comprometerem consideravelmente a sua reputação económica e a confiança dos investidores. O Japão tem uma dívida de 250% do PIB nominal, mas consegue ter taxas de juro baixas, ausência de inflação, uma das principais moedas mundiais e gozar de pleno emprego. Todavia, a classificação do seu crédito de risco desceu de triplo ‘A’ há 30 anos para ‘A’, aquém dos países do norte da Europa, Austrália e EUA de triplo ‘A’, mas a dívida pública nipónica é em grande parte detida por nacionais e, atualmente, as suas multinacionais são capazes de suportar aumentos de impostos para sustentar os défices orçamentais e o envelhecimento da população, mas incorrem em crescentes perdas de competitividade e produtividade.

Os EUA são o único país do mundo capaz de emitir dólares norte-americanos e, assim, incorrer mais facilmente em défices orçamentais excessivos. Os EUA tem défices orçamentais desde 2002 e a dívida pública em relação ao PIB nominal aumentou de 60% na Grande Recessão de 2008 para 130% no quarto trimestre de 2020. Normalmente, o financiamento da sua dívida soberana tenderia a impulsionar as taxas de juros e a “expulsar” o investimento privado – efeito ‘crowding out’ - que também depende de empréstimos, culminando no abrandamento do crescimento económico, mas isso não tem acontecido.

A Teoria Monetária Moderna (MMT – Modern Monetary Theory) permite défices elevados e mais ou menos permanentes, desde que a inflação e as taxas de juros permaneçam baixas. Economistas, tanto da esquerda quanto da direita, tendem a achar isso irresponsável, mas gradualmente são cada vez mais os entusiastas. O governo nos EUA tem gastado mais, tributado menos e acumulado dívidas, mas, mesmo assim, as taxas de juros permanecem baixas, assim como a inflação, e a MMT justifica que os países que emitem as suas próprias moedas nunca podem “ficar sem dinheiro” da mesma forma que os indivíduos ou mesmo as empresas. Poucas crises orçamentais, se existiram, ocorreram em países que pedem emprestado nas suas próprias moedas e imprimem o seu próprio dinheiro. O resultado político dessa observação sobre moedas soberanas é que países como o Japão e os EUA são livres para gastar mais. A forma tradicional de pensar há muito que não existe, coletar impostos e depois decidir como gastá-lo. De acordo com a forma de pensar da MMT, em primeiro lugar o governo define como e quanto gastar.

Na MMT, um governo arrecada impostos para tornar a sua moeda soberana valiosa. Ao exigir que as pessoas paguem impostos em dólares, o governo dos EUA garante que as pessoas irão gastar, ganhar, emprestar esses dólares. Os impostos tornam os dólares a moeda de escolha, em vez de alguma alternativa como criptomoedas ou euros. A segunda razão pela qual um governo arrecada impostos num mundo definido pela MMT é para controlar a inflação - a principal ameaça - e gastos governamentais não controlados podem elevar os preços. Uma política orçamental contracionista, através do aumento dos impostos, controlará as pressões inflacionistas. Mas os governos preferem que esse controlo da inflação seja realizado pelo Banco Central por motivos de agenda política e eleitoral, mas deste modo uma subida dos juros é contrária à MMT. Se a esquerda prefere governos despesistas e vê a MMT como tal, a direita olha a permissividade da MMT em relação aos elevados défices como ‘cortes de impostos’. A MMT significa não apenas mais gastos do governo em infraestruturas e apoios às famílias, mas menor necessidade de aumentar a receita fiscal porque são permitidos défices públicos muito maiores.

Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 28 de maio de 2021



sexta-feira, 7 de maio de 2021

O Banco Central dos EUA irá comprar ações?!

A Reserva Federal norte-americana anunciou no simpósio anual de Jackson Hole, na semana passada, que irá adotar uma política monetária expansionista mais arrojada para combater a elevada taxa de desemprego nos EUA, provocada pelo confinamento e distanciamento social ditado pela pandemia de covid-19. Essa política passará pela flexibilidade na taxa de inflação, que poderá temporariamente ultrapassar os 2%. Ou seja, numa alusão à famosa curva de Philips, em que a taxa de desemprego e a taxa de inflação estão correlacionadas inversamente, o banco central dos EUA utilizar as ferramentas necessárias para inflacionar a economia norte-americana e, assim, conseguir baixar o nível de desemprego.

Mais tarde, Milton Friedman e Edmund Phelps reviram a curva de Philips e chegaram à conclusão de que no longo prazo o nível de emprego é rígido e não depende da inflação. Utilizando o método das expectativas adaptativas ela indica que, para que se mantenha a taxa de desemprego a níveis inferiores ao da taxa de desemprego natural, o que importa não é a taxa de inflação, mas sim a sua variação, sendo necessárias taxas de inflação cada vez mais elevadas para manter as taxas de desemprego abaixo da taxa natural. Grosso modo, as políticas para amentar a inflação de preços, segundo os dois economistas, não ajudarão na criação de mais emprego.

Será então uma tarefa hercúlea para a Reserva Federal dos EUA? O Banco Central do Japão (BoJ) utiliza esta ferramenta há anos, depois de ter sido pioneiro na flexibilização quantitativa (Quantitative Easing), e tem sido uma empresa sem fim, não conseguindo até ao momento “reinflacionar” a economia nipónica.

A inflação estará mais dependente do nível de globalização, da tecnologia, da demografia e do envelhecimento da população. Muito provavelmente uma descida do nível da globalização permitirá e criará mais inflação de preços do que qualquer política monetária expansionista, por mais enérgica que seja. 

Também os cabazes de bens e serviços dos Índices de Preços ao Consumidor (IPC) dos vários países poderão não espelhar cabalmente o nível de inflação, com maior ponderação na alimentação e vestuário do que nas rendas dos imóveis que os inquilinos pagam mensalmente. Mas perante a considerável expansão monetária e o aumento consecutivo dos balanços dos bancos centrais, assistimos há muitos anos à crescente valorização dos títulos, desde as ações, obrigações, ao mercado imobiliário. Este reflexo deveria, talvez, estar refletido na inflação. Porque realmente existe inflação, e podemos proteger-nos através da aquisição de ativos financeiros, obrigações e ações, de imóveis, de ouro e outros metais preciosos face à crescente deterioração das moedas fiduciárias.

Tanto o S&P 500 quanto o NASDAQ atingiram novos máximos consecutivos. E iniciaram setembro em níveis históricos. E por que não? Afinal, o mercado agora percebe que podem existir medidas mais arrojadas e menos “convencionais” por parte da FED, que poderá passar por taxas negativas e… pela compra de ações!
Afinal a FED intervêm nos mercados do Tesouro (dívida soberana dos EUA), nos mercados de títulos municipais (dívida emitida por Estados e cidades), nos mercados de títulos corporativos por índice (dívida emitida por empresas), nos mercados de títulos corporativos por títulos corporativos individuais (dívida emitida especificamente por corporações), nos mercados de papel comercial (mercado de dívida corporativa de curto prazo). E os mercados de títulos garantidos por ativos (tudo, desde empréstimos estudantis a certificados de depósito e muito mais). Não será o primeiro banco central a fazer isso. O banco central da Suíça (BNS), cotado e 50% privado, chamado Swiss National Bank, compra ações há anos. Sim. O BNS literalmente imprime dinheiro e compra ações nos mercados acionistas dos EUA. O BoJ também imprime dinheiro e compra ações e, em março de 2019, detinha 80% dos ETFs japoneses e é um dos 10 principais acionistas em mais de 50% das empresas que negociam no mercado de ações japonês.

Paulo Rosa, 4 de setembro de 2020, In Vida Económica

Petróleo ameaçado pelo novo mundo verde

A British Petroleum, empresa multinacional sediada no Reino Unido que opera no setor de energia, sobretudo de petróleo e gás, referiu, segundo a sua previsão anual de energia divulgada esta semana, que o crescimento da procura de petróleo é passado.

Atualmente, a petrolífera britânica começa a repensar a sua posição nas energias renováveis e admite que o crescimento da procura de petróleo está numa fase descendente, e inicia-se a utilização de energia “limpa”.

A mensagem, amplamente consensual, dos órgãos de comunicação social, economistas, OPEP+, é de que o consumo de petróleo pode nunca recuperar os seus níveis pré-covid19, e não apenas por causa da pandemia em si, mas devido a fatores que estavam em jogo muito antes de o novo coronavírus ter saltado a barreira das espécies e atingido o ser humano.

De acordo com a BP, a procura de petróleo irá cair nos próximos 30 anos. A empresa refere também no relatório que a escala e o ritmo desse declínio são impulsionados pela crescente eficiência e eletrificação do transporte rodoviário.

Nesse relatório, a BP analisa três cenários para o futuro da procura de petróleo: “Business-as-usual, Rapid e Net Zero”. Nenhum deles prevê crescimento da procura de petróleo no longo prazo. O mais otimista - da perspetiva da indústria do petróleo - é o cenário “business-as-usual”, ou seja, a procura recupera dos efeitos da pandemia, mas estabiliza nos próximos anos antes de começar a diminuir.

No entanto, esse cenário de regresso ao normal pré-pandémico, que prevê a adoção de políticas governamentais pelo menos ao ritmo que têm ocorrido no passado recente, pode não ser o mais provável. Muitos governos prometeram agendas ambientais cada vez mais hercúleas, em que as políticas “verdes” serão aplicadas muito mais rapidamente. Se esses cenários se concretizarem, a procura de petróleo nunca voltará aos níveis anteriores à pandemia, de acordo com a BP. Isso significa que a procura, provavelmente, terá atingido o seu pico em 2019, à volta dos 100 milhões de barris diários (bpd).

No cenário Rápido da BP, a procura de combustíveis líquidos cairá para 55 milhões de bpd até 2050, com o cenário também a ter em consideração uma redução de 70% nas emissões do uso de energia naquele ano. No cenário “Net Zero”, as emissões serão reduzidas em 95% até 2050, o que resultaria na redução da procura de combustível líquido para 30 milhões de bpd.

Esta semana, Von der Leyen, presidente da União Europeia (UE), no seu discurso de estreia do Estado da União, referiu que a UE vai avançar com uma emissão de "dívida verde", as denominadas “green bonds”, de 225 mil milhões de euros, para financiar as suas metas climáticas, uma quantia que representa cerca de 30% do Plano de Recuperação de 750 mil milhões de euros. Segundo Von der Leyen, a Europa dever-se-ia comprometer com cortes mais profundos de emissões na próxima década, estabelecer uma meta para reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa em pelo menos 55% até 2030, em relação aos níveis de 1990.  Von der Leyen defende que este compromisso colocaria a UE "firmemente no caminho" para atingir zero emissões líquidas até 2050, e que a análise da Comissão confirmou que um corte de 55% nas emissões era economicamente viável e possível.

Paulo Rosa, 18 de setembro de 2020, In VE


O 11 de setembro e a covid-19: o medo do desconhecido

No passado mês de março, um profundo medo do desconhecido apoderou-se dos mercados, à medida que o novo coronavírus se propagava rapidamente por todo mundo. Foram tomadas medidas sem precedentes pelos bancos centrais, com maior enfâse para a esforçada política monetária expansionista da Reserva Federal Norte-americana com o intuito de mitigar os danos causados pelo confinamento e distanciamento social ditado pela pandemia. Estes factos viriam a ser determinantes no “novo normal”, liderado pela tecnologia e o teletrabalho acabou por ser retirado da gaveta onde permanecia há alguns anos. A Quarta Revolução Industrial Em Curso (QRIEC) acelerou depois do confinamento de março, abril e maio.

O mercado enfrentou outros eventos históricos com extrema volatilidade e, talvez, a compreensão da reação a esses eventos possa ajudar a lidar com a atual incerteza quanto à evolução da economia mundial.

Em março, depois de um longo “bullmarket” de mais de uma década, os mercados viveram o “bearmarket” mais rápido de toda a História financeira, com quedas impressionantes à volta dos 40% e semelhantes às de outubro de 2008, após a falência do Lehman Brothers a 14 de setembro. Em ambos os períodos apenas o dólar valorizou, como último refúgio de excelência perante a necessidade urgente de liquidez. As ações, obrigações, imobiliário e até o ouro registaram perdas significativas em outubro de 2008 e em março deste ano.

A queda a seguir ao 11 de setembro foi gradual. Na verdade, os mercados vinham de um lento processo de ajustamento da bolha das “dotcoms”, e assim permaneceram até outubro de 2002. A semelhança entre a atual crise provocada pela Covid-19 e o 11 de setembro é que o medo não é financeiro. Há um denominador comum: o receio do desconhecido que atinge a vida das pessoas. Atualmente, os investidores não sabem como irá evoluir a pandemia ou quando a vida regressará ao normal. Depois do 11 de setembro, o mercado permaneceu fechado durante quatro sessões consecutivas. Se a interrupção da negociação não foi sem precedentes, é difícil encontrar outro exemplo histórico dessa longa pausa. Quando o mercado reabriu para negociação, após o 11 de setembro, caiu durante cinco dias consecutivos e perdeu mais de 8%. A incerteza dominou nessa altura, e hoje, todos os nossos pensamentos.

Atualmente, os terminais dos aeroportos, depois de estarem quase vazios em março, abril e maio, reabrem gradualmente, mas a incerteza é crescente com o aproximar do outono e do inverno no hemisfério norte. Existem máscaras e luvas de nitrilo por toda a parte, e gel de mãos. Parece um pouco distópico, mas é exatamente o que aconteceu depois do 11 de setembro de 2001.

A FED desceu em março as suas taxas de juro de referência em 150 pontos base, de 1.75% para 0.25%. Depois do 11 de setembro, a FED reduziu as suas taxas durante o outono de 2001. A primeira descida aconteceu a 17 de setembro, uma queda de 50 pontos base de 3.5% para 3% e terminou a 11 de dezembro de 2001 com uma taxa de juro de 1.75% para reestabelecer a confiança das pessoas, que estavam em desespero perante o desconhecido, e tentar estimular a economia, o consumo, o investimento e o emprego. A FED emprestou fundos diretamente aos bancos através de taxas de redesconto. Os 45 biliões de dólares em empréstimos com desconto pendentes a 12 de setembro superaram a média de 59 milhões das 10 quartas-feiras anteriores. Também desde o início da Covid-19 em março, e em apenas três meses, até junho, o balanço da FED aumento cerca de 70% dos 4.2 triliões de dólares para 7 triliões, uma atuação sem precedentes.

O medo de um futuro incerto e o receio do desconhecido são variáveis centrais e idênticas ao 11 de setembro e à covid-19. As pessoas lentamente adaptaram-se ao novo normal depois do 11 de setembro, nomeadamente nos aeroportos, agora supervisionados, e regressaram às suas vidas. Atualmente, as pessoas adaptam-se ao novo normal e anseiam por uma vacina.
 

Paulo Rosa, 11 de setembro de 2020, In VE


O mistério da inflação baixa

São vários os fatores possíveis que podem explicar a baixa inflação, ou até ligeiramente negativa, desde a crise financeira de 2008 e mostram que esta pode estar mais estável e menos sensível à taxa de desemprego, visto que o Japão e a Suíça têm pleno emprego e, até há bem pouco tempo, também os EUA e o Reino Unido.

As expectativas para a inflação podem estar mais estáveis e menos suscetíveis a fatores que anteriormente a teriam pressionado para cima ou para baixo.

Os bancos centrais dos países desenvolvidos balizaram a sua estabilidade de preços nos 2% como objetivo para a inflação, o Banco Central Europeu há muito anos, aquando da sua criação, e a Reserva Federal norte-americana pela primeira vez em 2012 declarou pública e formalmente a meta dos 2%. Essa mensagem foi passada para os agentes económicos, cujas atuais expetativas para a inflação são agora também baixas. Por sua vez, com expectativas de inflação mais estáveis, fatores que podem empurrar a inflação para cima, como uma baixa taxa de desemprego ou uma subida nos preços de energia, têm provavelmente menos efeito sobre a inflação real do que no passado, porque todos esperam que a inflação regresse rapidamente para o objetivo dos 2%. As expectativas de inflação futura podem ser atualmente mais fixas. Há alguns economistas e agentes económicos que referem que um euro ou um dólar podem vir a comprar mais no futuro! É uma realidade em produtos tecnológicos: em Portugal, há 40 anos uma televisão custava 80 mil escudos, e esse montante em termos nominais, e sem capitalização de juros, corresponde a 400 euros hoje em dia e consegue comprar, atualmente, uma televisão tecnologicamente muito mais avançada. A disseminação da Internet mudou os padrões de comércio para milhões de consumidores e empresas, proporcionando maior transparência de preços e mais competitividade para empresas locais, limitando assim os aumentos de preços.

A globalização pode conter a inflação. David Ricardo refere, na sua teoria das vantagens comparadas, os benefícios do comércio internacional, mesmo que no limite um país não seja competitivo em nada em relação a outro. Nas últimas décadas, o maior grau de globalização aumentou significativamente os vínculos entre os países, um crescimento do comércio de bens e serviços, e ligações mais estreitas entre os mercados financeiros de todo o mundo, que implicaram que a inflação de um país não pode mais ser determinada, em grande parte, por fatores exclusivamente domésticos. A utilização global de recursos pode agora desempenhar um papel na determinação da inflação dos EUA, da Zona Euro ou do Japão e diminuir o papel da utilização de recursos destes países, e as curvas de Phillips com base em variáveis internas que não explicam há décadas a relação entre a inflação e a taxa de desemprego ​​refletem, em parte, a omissão frequente de variáveis ​​globais nas análises da inflação dos EUA, do Japão e da Europa. A entrada da China na Organização Mundial do Comércio e a rápida expansão das exportações chinesas para os países desenvolvidos é determinante na redução da inflação, bem como países da Indochina, Índia, América Latina e África (matérias-primas e bens agrícolas).

Mudanças nos mercados de trabalho são outro fator que pode conter a inflação. A disseminação das cadeias de abastecimento globais, o declínio da sindicalização, uma queda no salário mínimo real e alterações nas normas sociais em torno do pagamento, com a crescente entrada de migrantes e mulheres no mercado de trabalho, podem ter reduzido a capacidade dos trabalhadores de negociar efetivamente salários mais altos, limitando assim as pressões inflacionistas provenientes do mercado de trabalho. Alterações demográficas com envelhecimento da população e maior propensão à poupança, bem como alterações na política governamental ou na metodologia de medição da inflação também podem ser fatores a ter em conta. Por exemplo nos EUA, mudanças impostas pelo “Obama Care” que visam controlar os preços dos planos de saúde e alterações no método de medição da inflação, como a introdução de um novo índice de preços para telemóveis em 2019 nos EUA, podem reduzir a inflação.

Paulo Monteiro Rosa, 25 de setembro de 2020, In VE



Juro nominal e Inflação correlacionados?

No início do séc. XX, o economista Irving Fisher referiu que, no longo prazo, a taxa de juro nominal é determinada aproximadamente pela soma da taxa de juro real e da taxa de inflação esperada (i r+ π e). Essa relação pressupõe que a taxa de juro real é uma variável independente da política monetária e é definida por forças económicas reais (investimento, poupança, consumo, desemprego, crescimento económico), e a taxa de juro nominal e taxa de inflação são variáveis determinadas pela política monetária. Assim, a taxa de inflação esperada tem uma relação causal unidirecional com a taxa de juro nominal, ou seja, uma taxa de inflação esperada mais alta resultará num aumento da taxa de juro nominal, e consequente abrandamento económico.

Perante taxas de juro de zero, as expectativas de inflação começam a cair e o efeito keynesiano usual, estimular a economia com descida das taxas de juro e dinheiro barato para impulsionar o crescimento económico e a inflação, passa a ser dominado pelo efeito “neo-fisheriano”, adotado por vários economistas nos últimos anos para justificarem a baixa inflação apesar de cortes sucessivos nas taxas de juro nominais. O tradicional efeito Fisher - pelo qual a inflação acompanha a taxa de juro nominal por um fator de um para um – deve ocorrer apenas no longo prazo, e um efeito fisheriano não acontecerá se as expectativas de inflação permanecerem bem ancoradas em valores elevados, mas, na realidade, assim que as taxas de juro nominais dos bancos centrais descem para valores de zero ou perto dele, as expectativas para a inflação começam a cair, e a relação implica simplesmente que a taxa de inflação esperada passe a ser igual ao valor inverso da taxa de juro real (se a taxa de juro nominal é igual a 0% e a taxa de juro real de 0.1%, então espera-se deflação de -0.1%). Se não é racional a existência de taxas de juros reais negativas ou de zero porque ninguém está disposto a pagar para adiar o consumo, qualquer taxa de juro nominal negativa deverá ser acompanhada, mais cedo ou mais tarde, por uma taxa de inflação esperada negativa.

Os bancos centrais podem cortar as taxas nominais para zero ou para território negativo o quanto quiserem, mas as taxas de juro reais permanecerão inalteradas, porque quem difere no tempo o consumo quer ser remunerado. Quanto mais keynesiano um banco central age, tentando estimular a procura por meio de cortes nas taxas de juro nominais, mais fisheriana se torna a economia, pelo menos em termos de expectativas de inflação. E a política monetária torna-se impotente… De acordo com o efeito “neo-fisheriano”, a solução para criar inflação nesse contexto é aumentar a taxa de juro nominal.

Em 1923 o economista britânico Alfred Gibson baseado na evidência empírica de longo prazo, entre 1730 e 1930, verificou uma correlação positiva entre as rentabilidades das obrigações do tesouro britânico e o nível de geral de preços, mais tarde batizado por Keynes como o paradoxo de Gibson. De acordo com o paradoxo de Gibson, a correlação entre taxas de juros e preços era um fenómeno impulsionado pelo mercado, que dificilmente existirá quando as taxas de juros estão ligadas à inflação por meio da intervenção dos bancos centrais. Durante o período estudado por Gibson, as taxas de juros foram definidas pela relação natural entre poupadores e tomadores de empréstimo para equilibrar oferta e procura. Todavia, nos últimos anos, e nas economias desenvolvidas, voltámos a observar uma relação entre as taxas de juro nominais baixas ou negativas e a inflação em mínimos ou mesmo negativa. Estará o paradoxo de Gibson de regresso? Explicará a atual situação de baixa inflação perante taxas de juros nominais de zero?

Se os juros que remuneram o dinheiro são zero e os juros sobre os títulos ou empréstimos são quase zero, as pessoas preferem manter dinheiro (liquidez) e não correr o risco de o emprestar. Consequentemente, o banco central perde o controle sobre a política monetária porque um aumento na oferta de moeda não se traduz na subida do nível de preços. Esta é a armadilha da liquidez referida por Hicks e por Keynes e que atualmente se observa.

Paulo Monteiro Rosa, 1 de outubro de 2020, In VE


No futuro, todos seremos Japão?

Segundo a Teoria Monetária Moderna (MMT), enquanto um governo puder pagar a sua dívida na sua própria moeda, não há limites para os défices orçamentais em que pode incorrer. O Japão é um exemplo paradigmático, não tem inflação, mesmo com o crescente défice orçamental, ano após ano, e o saldo da dívida soberana já ultrapassa os 200% do PIB.

O setor empresarial privado passou de um défice de fundos para um excesso de poupança na segunda metade da década de 1990, uma condição que tem continuado desde então. Na mesma época, o governo caiu num círculo vicioso de défice de fundos, com sucessivos défices orçamentais, e essa condição tornou-se persistente.

A crise financeira de 1997-98 alterou a visão dos empresários sobre as perspetivas de crescimento da economia japonesa. Eles tornaram-se mais cautelosos nos investimentos de capital. Como consequência, o receio de uma contração económica devido a uma escassez da procura, nomeadamente devido ao excesso de poupança nos setores doméstico e empresarial privado combinados, passou a ser compensada por sucessivos défices orçamentais em que o setor governamental passou a incorrer para impulsionar o crescimento, prática que se tornou habitual até hoje. Risco premente de inflação galopante? A hiperinflação ocorre quando a população rejeita a moeda, todavia as poupanças dos japoneses são em ienes.

O excedente da balança corrente do Japão significa que o país realiza investimentos no exterior, o que alivia parcialmente o excesso de fundos internos. No entanto, isso também aumenta a fragilidade da economia nipónica, mais vulnerável a crises mundiais e à variação da procura externa e das exportações. A economia alemã tem um comportamento semelhante.

Enquanto estas economias forem suficientemente pujantes para suportar as suas populações cada vez mais envelhecidas, o problema não se agravará. Todavia, o peso da população idosa na população ativa é já de 47% no Japão e 35% na Alemanha, comparado com 35% e 28%, respetivamente, há 10 anos. Enquanto as suas empresas, Sony, Toyota, Mitsubishi, Volkswagen, Siemens e Bosch forem grandes, eficientes exportadoras e estiverem nas mãos de nacionais, a população nipónica e germânica, provavelmente, continuará a usufruir de um elevado nível de vida.

Embora as taxas de juros do Japão sejam efetivamente zero desde 1995, devemo-nos perguntar o que significa "normalização". Certamente, após esse período de tempo, as taxas de juros zero são "normais". Isso, em poucas palavras, é o problema do Japão. Após um período tão extenso, as expectativas de inflação zero e taxas de juros zero estão firmemente arraigadas na população. Qualquer pessoa com menos de 40 anos nunca conheceu outra coisa.

Quando os preços começam a subir, o cidadão japonês corta nos gastos. Portanto, as empresas não aumentam os preços e, como não querem estreitar as margens de lucro, também não aumentam os salários. O rendimento de um cidadão japonês permanece estagnado, logo hipersensível aos aumentos de preços. Muitos pedem ao governo japonês para aumentar impostos e "tornar a sua dívida sustentável". A última vez que o executivo nipónico tentou elevar os impostos sobre as vendas, o cidadão japonês cortou os gastos com tanta força que empurrou a economia para a recessão.

O governo japonês continuará a emitir dívida para sustentar o hábito de poupança da população nipónica, o Banco do Japão continuará a monetizar essa dívida e as taxas de juros e a inflação permanecerão a zero ou negativas. O verdadeiro problema do Japão não é sua dívida, mas a sua demografia. Também parece ser o destino final de outras economias com populações que envelhecem rapidamente, como a Alemanha, a China e a Coreia do Sul. E embora a população dos EUA seja atualmente mais jovem, reprimir a imigração acelerará o envelhecimento.

Será o Japão um “Leading Indicator” fidedigno? Em suma, a continuar assim, provavelmente, no futuro, todos seremos o Japão… mais especificamente nas economias desenvolvidas.
Paulo Monteiro Rosa, 8 de outubro de 2020, In VE


Na esteira da “desinflação” alemã

Na Alemanha, assiste-se, por enquanto, à desinflação, mas o risco de deflação aumenta. A queda da inflação germânica, em setembro, é resultado principalmente dos baixos preços da energia e da redução do IVA. No entanto, a desinflação pode facilmente transformar-se em deflação. O corte no IVA foi de três pontos percentuais na taxa mais elevada, de 19% para 16%, e de dois pontos percentuais na taxa reduzida, de 7% para 5%, e tem duração de seis meses, até dia 31 de dezembro e um custo estimado para os cofres do tesouro alemão de 20 mil milhões de euros. Na restauração, o corte estender-se-á até ao final do primeiro semestre de 2021.


Com base nos resultados da inflação em vários estados regionais, a inflação alemã quedou-se no mês passado nos -0,2%, em termos anuais, face a 0,0% em agosto. Esta foi a leitura mais baixa desde janeiro de 2015. O índice harmonizado, a métrica mais relevante para a política monetária do Banco Central Europeu, caiu para -0,4% no período em causa, setembro, e tinha descido -0,1% em agosto.

A par dos baixos preços da energia, o corte do IVA em julho, mais visível nos preços de alimentos, roupas, outros bens de consumo e, cada vez mais, também em outras atividades de lazer e pacotes de férias, têm contribuído para a queda da inflação.
Ao mesmo tempo, o facto de o aumento dos preços dos hotéis e restaurantes ainda estar muito em linha com a tendência observada antes do corte do IVA sugere que os impostos mais baixos também são utilizados para apoiar as empresas e não são necessariamente repassados ​​inteiramente aos consumidores.

O efeito da queda do IVA poderá pressionar a inflação alemã ainda mais algum tempo, antes de recuperar gradualmente no próximo ano. Pelo menos se o governo alemão seguir o plano de reverter a redução do IVA, em janeiro, para a maior parte dos produtos. Em julho de 2009, a inflação foi de -0,7%. Poderá este mínimo histórico ser quebrado nos próximos meses, até ao final do ano?

No início da crise, especulou-se se a crise atual seria um evento inflacionário ou deflacionário. Por enquanto, para a Alemanha, a conclusão é clara: é desinflacionário. Desde a redução do IVA, cerca de 50% dos 100 principais componentes do cabaz do Índice de Preços no Consumidor (IPC) registaram taxas de inflação negativas. Em 2014 e 2015, último período de receios deflacionistas, isso nunca foi superior a 30%.

A Alemanha e o Japão são dois países envelhecidos, disciplinados, poupadores e com os setores exportadores mais robustos do mundo há muitas décadas. De realçar a forte componente tecnológica das exportações germânicas e nipónicas, nomeadamente desde a segunda grande guerra, caracterizadas pela competitividade extra-preço e crescente valorização das suas moedas, um fenómeno que viria a ser apelidado de parodoxo Kaldor. Apesar da constante apreciação do marco alemão e do iene japonês, as exportações destes países mostraram-se sempre resilientes e a ganharem quota de mercado mundial, devido à componente tecnológica dos bens exportados, que não precisavam de competir via preço. Este facto permitiu a estes países usufruírem da crescente queda dos preços dos bens importados, e poderá, em parte, responder pela maior propensão destes países à deflação dos preços.

Muitos culpam a Alemanha e o Japão por não estimularem adequadamente as suas procuras internas e não utilizarem os seus excedentes que permitiriam à UE e aos EUA beneficiar do aumento da procura e da produção, e menos restrições orçamentais ao crescimento noutras economias e geografias, grosso modo um reequilíbrio das balanças comerciais a nível mundial. Contudo, a Alemanha não cederá e o BCE terá que continuar a sua eterna saga de injeção de liquidez e mais taxas de juros negativas para estimular a economia e tentar criar inflação. O Japão não cederá e a Reserva Federal norte-americana continuará a imprimir dinheiro para financiar o seu elevado défice comercial.

Paulo Rosa, 15 de outubro de 2020, In VE

Cotação do petróleo mantém inflação baixa

Os países membros da OPEP + estão à beira de uma crise financeira se as últimas avaliações do Fundo Monetário Internacional (FMI) estiverem corretas. O FMI apresentou uma perspetiva dececionante para a recuperação económica no Médio Oriente e na Ásia Central, prevendo uma contração de 4.1% para a região penalizada pela permanência dos preços do petróleo entre os 40 e os 50 dólares por barril em 2021. Uma extensão do atual ambiente de preços baixos do petróleo por mais um ano penalizaria significativamente os países exportadores de petróleo e gás, o que inclui todos dos membros da OPEP +, alguns com os custos de extração próximos das atuais cotações.

De salientar que em abril, o FMI previa uma contração económica de 2.8% para o Médio Oriente e Ásia Central. Uma grande parte dos orçamentos governamentais dos estados membros da OPEP depende das receitas relacionadas com o petróleo e o gás. Como tal, todos os países da OPEP enfrentam consideráveis défices orçamentais, especialmente a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, o Bahrein, o Iraque, o Irã e o Kuwait. O ex-membro da OPEP, o Qatar, está numa situação semelhante, e está a tentar mitigar os danos aumentando as exportações de GNL (Gás natural liquefeito). Atualmente, os preços do petróleo Brent ainda estão 40% abaixo dos níveis pré-Covid.

Há pouca esperança de um aumento significativo dos preços no curto prazo, porque os volumes globais de armazenamento de petróleo e gás ainda estão em níveis historicamente elevados e a procura parece destinada a cair novamente devido a novos confinamentos relacionados com a pandemia de Covid-19 que poderá acarretar uma nova recessão económica. O preço de equilíbrio frequentemente citado para o orçamento do governo saudita é de 80 dólares por barril, embora as discussões se centrem em torno dos 50 dólares. O Iraque também afirmou que espera níveis de preços de 50 dólares por barril para 2021. Essas previsões otimistas parecem basear-se apenas nos dados económicos chineses pós-Covid. Todavia, a China precisa de um mercado global robusto para escoar parte da sua produção. O impacto da segunda vaga de casos de Covid na Europa e na América, provavelmente, penalizará essa procura por produtos chineses.

Alguns produtores de petróleo e gás já estavam numa débil situação financeira antes da Covid, incluindo a Líbia e a Venezuela. O grande e persistente “contango” do mercado de petróleo continua, com os preços para entrega imediata ou nos prazos mais curtos inferiores aos preços para os prazos mais longos, a espelhar o excesso de armazenamento. A OPEP e a AIE (Associação Internacional de Energia) concordam que a procura ainda é incipiente, tendo ambas cortado as previsões da procura mundial de petróleo. A IEA reduziu a previsão para 91.7 milhões de barris por dia este ano, enquanto a OPEP baixou para 90.2 milhões em 2020. A OPEP reiterou que cortes futuros ainda podem ser feitos. De realçar, que em 2019 a procura mundial foi pela primeira vez superior a 100 milhões de barris diários. Voltará a esses níveis? Provavelmente não, se depender das crescentes políticas ambientais sustentadas nas energias renováveis e espelhadas na ESG (Environmental, Social, Governance)

Os membros da OPEP baseiam grande parte da sua estabilidade económica atual e futura nos hidrocarbonetos. Os cortes nos orçamentos governamentais podem desestabilizar a região se não forem feitos com prudência. As discussões no seio da OPEP + sobre a estabilização do mercado não se deveriam concentrar apenas nos níveis de preços ou de produção, mas na diversificação das suas economias. A verdadeira questão é como criar um mercado que seja suficientemente resiliente para lidar com os eventos de “Cisne Negro” como esta pandemia. 

Contudo, os preços baixos têm favorecido os países importadores, nomeadamente a Europa, que consome significativamente e não produz, com exceção da Noruega e o Reino Unido, e tem contribuído também para a baixa inflação.

Paulo Rosa, 23 de outubro de 2020, In VE

Os Bancos Centrais e a inflação (I)

A maior parte do dinheiro na economia é criada pelos bancos quando concedem  empréstimos. Mas, após a crise financeira de 2008, os bancos abrandaram o ritmo dos empréstimos e, portanto, a criação de nova moeda diminuiu. Ao mesmo tempo, os agentes económicos pagavam os seus empréstimos, o que significava que o dinheiro estava a ser 'destruído' e a quantidade total de massa monetária na economia estava a contrair. Para combater este facto e 'substituir' a moeda que os bancos destruíam, os bancos centrais nos EUA e Inglaterra, e mais tarde o Banco Central Europeu (BCE), criaram dinheiro novo através do denominado Quantitative Easing (QE), política cujo Japão havia sido pioneiro anos antes.

Em boa verdade, existem dois tipos de moeda na atual configuração do sistema monetário. A central, criada pelos bancos centrais e denominada também por moeda de primeira ordem e que corresponde à base monetária, que circula apenas no sistema bancário entre bancos (OIM - Outras Instituições Monetárias) e respetivo banco central da moeda em causa de dado país ou região económica. E a moeda crédito, também moeda de segunda ordem, que é criada pelos bancos sempre que concedem um empréstimo. Ou seja, a moeda central só chega aos agentes económicos (famílias, empresas e Estado) quando os bancos comerciais, que receberam a moeda do banco central em troca de títulos, cederem essa moeda ao público já sob a forma de moeda crédito através de um empréstimo, e dependerá sempre do analista de crédito, da capacidade instalada da economia, da procura de moeda por parte das famílias, empresas e Estado.

Imaginemos que numa economia existem 100 unidades monetárias centrais e 900 unidades monetárias crédito, no total a economia tem 1000 unidades monetárias. Face ao crescimento económico e à crescente procura de moeda, o banco central decide criar 500 novas unidades monetárias, através da impressão de novas notas ou dígitos, e cede-as aos bancos em troca de títulos. O novo dinheiro, ainda moeda central, passar a estar no ativo dos bancos e no passivo do banco central. A economia tem agora 1500 unidades monetárias no total (600 centrais e 900 crédito). Este novo dinheiro só chegará ao público quando existir um empréstimo de um banco comercial, mas, entretanto, no mercado de capitais desta economia a procura de títulos, para trocas com o banco central, já resultou numa valorização dos mesmos e respetiva redução das taxas de juro.

A Reserva Federal norte-americana quando emite dólares, atualmente sob a forma de dígitos e apenas papel moeda quando solicitado pelos bancos, coloca-os junto dos bancos através dos “dealers”, grande bancos como Morgan Stanley ou Goldman Sachs, e posteriormente estes, com uma carteira de clientes diversificada, conduzem a moeda central aos restantes bancos. Apenas quando um banco emprestar esse dinheiro, ainda moeda central, agora no ativo do banco, passará a moeda crédito e estará na posse do público e da denominada “economia real”.
  Os bancos centrais não cedem dinheiro diretamente ao público. 

A Teoria Quantitativa da Moeda (TQM) espelha a igualdade entre a moeda e a produção. Na pré-história, aquando da troca direta, a equação refletia, obviamente, a equivalência entre a produção e a produção, onde parte da produção é moeda e era trocada pela parcela da produção de outros. Atualmente, a TQM representa a paridade entre a quantidade de moeda e o PIB nominal. A equação é dada por MV=PQ, onde a massa monetária (M), ponderada pela sua velocidade de circulação (V), é igual ao produto dos preços (P) pela produção (Q). A velocidade de circulação do dólar está em mínimos históricos e como a massa monetária quando medida pela moeda crédito não cresceu, apesar do aumento de 70% do balanço da FED, moeda central, nos últimos seis meses, então a inflação dos preços, um fenómeno monetário, também não aumentou, e a diminuição da velocidade é justificada pela descida da produção. O agregado monetário M1, que corresponde à moeda central acrescida da moeda crédito criada através dos depósitos à ordem, subiu menos que o passivo da FED, logo não houve criação de moeda crédito, e, assim sendo, não há aumento da inflação de preços por via monetária.
      

Paulo Rosa, 30 de outubro de 2020, In VE


Os Bancos Centrais e a inflação (II)

A 15 de março de 2020, A Reserva Federal Norte-americana (FED) anunciou que iria reduzir a taxa compulsória de 10% para zero para incentivar os bancos a emprestarem durante a pandemia. A FED baixou também a sua taxa de juro de referência de 1.75% para 0.25%. A 23 de março de 2020, a FED, através do seu mecanismo de mercado aberto, o FOMC, expandiu as compras de Quantitative Easing (QE) para um valor ilimitado. A 18 de maio, o seu balanço tinha crescido de 4.2 triliões para 7 triliões de dólares, cerca de 70% em menos de dois meses.

No balanço do banco central dos EUA, grosso modo, o seu ativo é constituído por títulos de dívida pública norte-americana, cerca de 65%, títulos garantidos por hipotecas (MBS), quase 30%, e SWAPs, que chegaram a representar mais de 5% do balanço em abril, quando existiu forte procura de dólares pelo exterior, nomeadamente dos países emergentes com dificuldades de liquidez. O passivo é a moeda central e é formado pela moeda em circulação e pelas reservas bancárias (compulsórias e livres). Os capitais próprios correspondem a menos de 1%, por isso, o passivo, que representa a base monetária, é quase igual ao ativo.

A significativa quantidade de moeda central tem ficado em grande parte pelo sistema bancário Ou seja, não passou a moeda crédito, através da concessão de empréstimos pelos bancos, para a “economia real”, os agentes económicos: famílias, empresas e Estado.

No Japão, há mais de 20 anos que o setor privado, antes deficitário em fundos, passou a poupador líquido e o setor público, antes excedentário, passou a assumir os gastos da economia. Os papeis inverteram-se, e a dívida pública passou de 40% do PIB nominal para mais de 250%. Na Europa, nomeadamente na Alemanha, o caminho é semelhante e os investidores e analistas interrogam-se se os EUA começam a trilhar também essa via. A dívida pública destes países é maioritariamente detida por nacionais, o que não coloca entraves aos limites de endividamento público e à inflação, pelo menos enquanto a moeda local for comumente aceite, caso contrário gerará hiperinflação.







Os empréstimos dos bancos são inferiores às amortizações dos débitos. Como pode chegar o dinheiro central à economia? O governo não está disposto a usar o seu poder para criar dinheiro no interesse público. A maior parte do novo dinheiro central é canalizado pelos bancos para os mercados imobiliário e financeiro, enquanto apenas uma minoria termina na “economia real”. O impacto na inflação é residual, porque além de serem poucas as pessoas que usufruem do aumento de riqueza, o consumo cresce a ritmos decrescentes. 

Os bancos reduzem os empréstimos às empresas, enquanto aumentam os empréstimos para hipotecas. Se a dívida das famílias está a aumentar, mas as empresas não conseguem aumentar os salários, mais cedo ou mais tarde, parte da dívida torna-se impagável e as pessoas entram em incumprimento. No futuro, nos EUA, o governo poder-se-á substituir ao setor privado através da realização de grandes infraestruturas e investimentos em tecnologia, como faz a China. Se os bancos centrais concedessem empréstimos diretamente ao público teríamos, com certeza, inflação. Ou em último caso se, por absurdo, oferecesse dinheiro aos agentes económicos, a inflação subiria na mesma proporção…

Paulo Rosa, 5 de novembro de 2020, VE



Era uma vez a inflação e o juro…

O ser humano trabalha para poder consumir e satisfazer os seus gastos presentes e futuros. Produzimos para consumir. Portanto, somos produtores e consumidores simultaneamente. Se alguém consome primeiro através do recurso ao crédito é porque, muito provavelmente, tem capacidade para honrar os seus compromissos e é detentor de bens, resultado do trabalho acumulado, que suportam esse crédito. A lei de Say refere que produzimos um determinado bem ou serviço, para podermos consumir os bens e serviços produzidos pelos outros agentes económicos. O meio que facilita todas essas atividades de troca de bens e serviços é o dinheiro, que efetivamente representa o trabalho armazenado, e a divisão do trabalho permite a especialização e o crescimento económico. A raiz da troca não é o dinheiro, mas ele facilita consideravelmente as comparações de valor entre bens.

A oferta de capital vem da poupança dos consumidores, juntamente com o dinheiro reservado para esse fim pelos próprios produtores. O preço do crédito, baseado na poupança de alguém, é a taxa de juro e está alicerçada nas preferências temporais, entre quem adia e quem antecipa o consumo, e no risco de perda de capital.

Ninguém está disposto a sacrificar uma unidade de consumo agora por menos de uma unidade no futuro, ou seja, ter uma preferência temporal negativa, espelhada em juros negativos. Obviamente, existem pessoas que não conseguem consumir todo o seu rendimento disponível, mas investem no mercado imobiliário, no mercado de capitais, ou os mais empreendedores criam uma empresa, sempre com o intuito de obter um acréscimo de dinheiro, não emprestam com juros negativos para receber menos dinheiro. As preferências temporais são positivas, ou seja, só é racional existirem taxas de juro reais positivas.

Se os preços dos bens estão a aumentar ou se se espera que venham a subir, então as preferências temporais aumentam e o presente sobrepõem-se ao futuro. O produtor irá aumentar a sua preferência temporal na expectativa de preços finais mais elevados para a sua produção, devido à esperada subida da inflação. Os consumidores também aumentam a sua preferência temporal para consumirem mais bens no presente porque no futuro podem estar mais caros. O aumento da procura de dinheiro e a diminuição do stock de moeda traduzem-se na subida da taxa de juro.

Analogamente, se a previsão para o comportamento dos preços é de queda, haverá menos incentivo para aumentar a produção ou consumir mais no presente, porque poderemos fazê-lo mais tarde sem existir o risco de pressões inflacionistas, logo as preferências temporais caem, ou seja, as taxas de juro descem, pelo excesso de stock de moeda e retração da procura.

É por isso que as taxas de juros se correlacionam positivamente com o nível de preços. Grosso modo, o juro é o preço do tempo. A taxa de juro é refletida pelas preferências temporais e o aumento da mesma representa uma subida do juro.

Irving Fisher refere que, no longo prazo, a taxa de juro nominal é dada, aproximadamente, pela soma entre a taxa de juro real e a inflação esperada. Ou seja, se a expectativa for de subida de preços, então a taxa de juro aumentará também. Se a previsão for de descida de preços, a taxa de juro tenderá a cair. Países com elevada inflação têm altas taxas de juro, e vice-versa, e é também uma forma de os agentes económicos se protegerem contra a inflação.

Um indivíduo mais velho pode ter uma preferência temporal menor, em relação à que tinha quando era novo, devido a um rendimento mais elevado e ao facto de ter tido mais tempo para adquirir bens duradouros como uma casa e um carro. Por isso, o envelhecimento da população nos países desenvolvidos, mais vincado no Japão e na Alemanha, pode ser uma das razões para as baixas taxas de juro e de inflação.


Paulo Rosa, 13 de novembro de 2020, VE




A economia circular

A frase do químico francês Antoine-Laurent de Lavoisier, “Na Natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, adequa-se plenamente à crescente importância da economia circular e à aceleração da economia ‘zero desperdício’. A economia circular representa um dos principais meios para a sustentabilidade do planeta, bem como uma enorme oportunidade de mercado. Todavia, há uma dessincronização entre as multinacionais que lutam para acompanhar a inovação circular e os empreendedores que não têm recursos para crescer. A economia circular está lentamente a unir as duas partes para promover a agenda de desperdício zero.

No início de 2021, as empresas enfrentam uma matriz complexa de desafios - desde o aumento das tensões geoeconómicas, até à urgência das alterações climáticas. Com menos de dez anos para atingir os objetivos de ‘Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas’ (ODS), a atual década é crucial para a sustentabilidade do planeta e os líderes mundiais gradualmente agem na prossecução desse objetivo. A transição para um modelo económico circular global é fundamental para reduzir a degradação ambiental e priorizar a biodiversidade e a natureza, ao mesmo tempo que proporciona competitividade futura. Numa economia circular, o desperdício é eliminado e os produtos são devolvidos ao sistema de produção no final da sua utilização. Consequentemente, o crescimento é ‘desligado’ o mais possível do consumo de recursos escassos e os materiais são mantidos em utilização no sistema produtivo pelo maior tempo possível.

A economia circular representa uma oportunidade de mercado única de mais de 4,5 biliões de dólares até 2030, de acordo com a Accenture Strategy em 2015, atualmente cerca de 5% do PIB mundial anual. A aceleração dessa transição depende da adoção de novos modelos de negócio inovadores e dos avanços tecnológicos disruptivos. Juntamente com a priorização de novos modelos de negócio, que agora respondem por cerca de 30% do investimento em M&A (Fusões e Aquisições) de acordo com a análise da Accenture em outubro de 2020, a adoção de novas tecnologias digitais, físicas e biológicas pode gerar novas oportunidades e entregar o triplo do resultado financeiro das grandes empresas. Hoje, as grandes multinacionais com cadeias de abastecimentos e processos cada vez mais complexos podem esforçar-se pela inovação circular, mas às vezes podem faltar os recursos necessários para abraçar novos modos na transição para negócios circulares. Todavia, e em contraste, os empreendedores têm as soluções disruptivas para resolver esses desafios, mas podem não ter capital ou recursos para replicar as suas soluções.

Uma iniciativa da Accenture, o ‘Circulars Accelerator’, agiliza a conexão entre as multinacionais e os empreendedores. As partes interessadas em toda a cadeia de valor têm o poder de abraçar totalmente a inovação e mutuamente beneficiar de inovação colaborativa e alianças estratégicas. As ‘startups’ são classificadas num dos três tipos de solução necessários para a transformação circular, que juntos abrangem toda a cadeia de valor e respondem a desafios circulares específicos: 1) Produção inovadora que cria e fornece produtos, embalagens e soluções pioneiras. Por exemplo, a StixFresh na Malásia tem um adesivo 100% vegetal que aumenta a vida útil dos produtos frescos até 14 dias, e de acordo com a FAO (Organização para a Alimentação e Agricultura) das Nações Unidas, um terço dos alimentos vão para o lixo. 2) O consumo da transformação. Atualmente, e de acordo com o Fórum Económico Mundial, consumimos 1,75 vezes mais recursos a cada ano do que a Terra pode regenerar naturalmente. Gradualmente aparecem novos modelos de consumo circular, incluindo a extensão da utilização do produto (reparação, mercados secundários), embalagens reutilizáveis e plataformas de partilha. 3) Recuperação de valor. Este ‘cluster’ prioriza soluções que fecham o ciclo no atual sistema linear existente, “take, make, waste” (“retirar, fazer, desperdiçar”). Este grupo de inovadores cria novas maneiras que permitem a reutilização de produtos e a recuperação do valor existente nos resíduos ou produtos em fim de utilização.

Paulo Rosa, 23 de abril de 2021, Vida Económica



‘Sell in May and go away’?

Em março, a taxa de desemprego nos EUA diminuiu para 6% e desce há 11 meses consecutivos de 14,8%, na primavera do ano passado, a taxa mais elevada desde a Grande Depressão há mais de 80 anos. As previsões atuais indicam novamente uma queda para 5,8% em abril, à medida que os setores mais afetados pela pandemia, como restauração, hotelaria, viagens e lazer, dependentes da proximidade social, recuperam em parte os níveis pré-covid. A Reserva Federal de Atlanta espera um robusto crescimento do PIB dos EUA, no primeiro trimestre, de 8,2%. Em abril, é esperada uma taxa de inflação de 2,5%, depois de 2,6% em março. É habitual uma subida da inflação, que se espera temporária, no início de um novo ciclo económico, e perante a reabertura e retoma da atividade pré-covid, com eventuais ‘bottleneck’ e aumento da procura, reprimida nos últimos 12 meses devido à pandemia. Também a base mais baixa da taxa de inflação durante o primeiro confinamento na primavera do ano passado e os enérgicos estímulos orçamentais do governo norte-americano pressionam atualmente os preços.

A crescente robustez da economia norte-americana poderá originar uma redução dos estímulos monetários da Reserva Federal dos EUA (FED) mais cedo do que o previsto pelo mercado. Esta é uma das contrariedades que os investidores poderão ser confrontados nos próximos tempos, a par de uma nova subida das ‘yields’ das obrigações do tesouro norte-americano, após um período de tréguas no último mês, e perante a pujança da economia dos EUA. Na verdade, o Congresso designou a FED para assegurar o pleno emprego, a estabilidade de preços e taxas de juro de longo prazo moderadas, e, como tal, preços estáveis implicam taxas de juro reais positivas no longo prazo, e, consequentemente, acima do atual nível de 1,64% da ‘yield’ a 10 anos. Estabilidade de preços e taxas de juro de longo prazo caminham juntas, por isso, frequentemente, é apelidada a incumbência da FED como duplo mandato, estabilidade de preços e pleno emprego. A 27 de agosto do ano passado, a FED anunciou que não aumentaria as taxas de juro enquanto a economia não atingisse o pleno emprego, mas desde que a inflação continuasse baixa. A FED alterou a meta de inflação para uma média, o que significa, atualmente, permitir preços um pouco acima do seu objetivo de 2%, fixado em janeiro de 2012, para compensar os períodos em que esteve abaixo de 2%. Perante o atual sobreaquecimento da economia é provável que a FED adote uma postura gradualmente mais ‘hawkish’ nos próximos tempos e antecipe paulatinamente a redução do seu atual montante de compra de ativos.

Os resultados das empresas, referentes ao primeiro trimestre, têm sido em geral melhor do que o esperado e parte das empresas reiterou ou reviu em alta as suas perspetivas para o resto do ano de 2021. As atuais cotações provavelmente já descontam grande parte das boas notícias e esta poderá ser mais uma adversidade na evolução futura dos mercados.

De acordo com os dados divulgados pela FINRA (Autoridade Reguladora da Indústria Financeira), a alavancagem subiu 71% nos últimos 12 meses e atingiu um recorde de 822 mil milhões de dólares no passado mês de março. Em abril do ano passado as contas margens representavam 480 mil milhões de dólares. A alavancagem alimenta a subida dos mercados e é um sinal de confiança, mas também pode ser de irracionalidade, acelera as quedas nos períodos de correção e gera um aumento significativo de volatilidade no mercado. De acordo com o Bank of America, depois de 1930 a utilização de crédito para comprar ativos financeiros apenas por 10 vezes esteve acima dos 60% e os últimos dois períodos foram em 2000 e em 2007. 

As matérias-primas, quer os metais industriais quer as ‘commodities’ agrícolas, retomaram esta semana os máximos dos últimos anos e a tendência altista iniciada na primavera do ano passado espelha uma robusta recuperação económica global, mas poderá também ser uma contrariedade para o mercado se redundar em inflação indesejável. 

Paulo Rosa, 30 de abril de 2021, In Vida Económica


Utilidade marginal, Ethereum, NFTs e… tulipas

Em março do ano passado a criptomoeda Ethereum (ETH) cotava nos 100 dólares e esta semana ultrapassou os 3500 dólares, superando os 400 mil milhões de dólares de valor de mercado, cerca de 40% do ‘market cap’ da Bitcoin (BTC). O que justifica o desempenho quatro vezes superior do ETH em relação à BTC nos últimos 12 meses? A maior parte da arte NFT (Non-fungible token), como ‘Beeple's Everydays’, é negociada em ETH e as chaves criptográficas são armazenadas na blockchain do ETH.

É uma ideia inovadora e inteligente. Os crescentes números de criptomoedas e montantes disponíveis, à procura de algo para comprar, levantam a questão de como gastar esse dinheiro perante a escassez de locais e empresas que aceitem criptomoedas. Criar certificados de propriedade intelectual que garantam a sua autenticidade e unicidade através de uma chave criptográfica guardada numa blockchain de uma criptomoeda!? Nascem os NFT…

O CEO do Twitter vendeu o seu primeiro ‘tweet’ como um NFT por 1630,58 ETH, cerca de 2,9 milhões de dólares. Muitos já viram o quadro Guernica de Picasso em livros ou na internet, mas continuam a visitar o museu Rainha Sofia, em Madrid, para observar o verdadeiro. A sociedade atribui valor inestimável ao quadro. E é isso que ocorre com o NFT: absorve conceitos artísticos para introduzi-los num ambiente virtual. A compilação digital de pintura ‘Everydays: The First 5000 Days’, de Mike Winkelmann, conhecido por Beeple, foi vendida pela Christie's a 11 de março por 69 milhões de dólares. É como um autógrafo, mas digital…
Outra vantagem para os artistas é adicionar ‘royalties’ de forma automática aos contratos digitais firmados na venda dos ativos. Assim, mesmo que o token seja revendido várias vezes, o artista continuará a receber uma parte do dinheiro para sempre.

A BTC tem o seu valor garantido pela fidúcia nos seus algoritmos e os NFT pela confiança na autenticidade dos certificados e na capacidade das obras de arte manterem a sua atração pelos colecionadores, aficionados e público em geral.

O valor de um bem é dado pela sua utilidade de acordo com a sua abundância ou escassez, ou seja, pela sua utilidade marginal. Não há nenhum bem económico mais útil do que a água, (o ar e a luz solar são bens não económicos), mas ela não compra quase nada e dificilmente haverá bens com os quais trocá-la. Contudo, um quadro de Van Gogh, um vinho raro ou o NFT do Nyan Cat, cujos valores são subjetivos, pelo contrário, quase não têm nenhum valor quanto à sua utilização, mas há frequentemente uma grande quantidade de outros bens com os quais se podem trocá-los. Estes paradoxos exemplificam bem a importância do conceito da utilidade marginal. As primeiras quantidades de água são para satisfazer a sede, e as seguintes para lavar e cozinhar alimentos, higiene pessoal, dar de beber aos animais, regar os produtos agrícolas e a restante, se a abundância for considerável, correrá pela terra, poderá ser oferecida ao vizinho e no limite a água será gratuita. Todavia, no meio de um deserto a água é escassa e será guardada cuidadosamente para matar a sede e racionalmente escolhida em detrimento de um quadro de Dali ou um token de Beeple.
Em suma, a utilidade total de um bem cresce quando se consome maiores quantidades dele, mas a utilidade marginal decresce à medida que se consome mais uma unidade e o preço do bem será dado pela última quantidade a ser consumida. Quanto maior é a oferta de um bem, menor é a utilidade marginal, e vice-versa.

Aquando da Tulipomania no séc. XVII na Holanda, alicerçada no comércio têxtil em expansão, Companhia Holandesa das Índias Orientais, riqueza financeira e boom imobiliário, havia uma tulipa muito rara, a ‘semper augustus’, talvez apenas 10 exemplares, que chegou a ser negociada por um valor que permitia a compra, à época, de uma casa em Amesterdão. Hoje sabe-se que a beleza rara dessa tulipa devia-se a um vírus que infetava o bolbo. Na esteira da abundância de dinheiro geram-se por vezes bolhas, principalmente quando suportadas por alavancagem…

Paulo Rosa, In "Vida Económica", 7 de maio de 2021


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Naturalidade Angolana
Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.