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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Os quatro pilares da inflação: oferta e procura de moeda e oferta e procura de bens e serviços

A inflação de preços no consumidor é influenciada sobretudo pela oferta e procura de moeda e pela oferta e procura de bens e serviços. O modelo macroeconómico IS-LM procura responder às interações existentes das taxa de juro e do PIB nos mercados monetário e de bens e serviços, onde a curva “IS” identifica o equilíbrio no mercado de bens e serviços, enquanto na curva “LM” é representado o equilíbrio no mercado monetário. Aumentos da oferta de moeda pelos bancos centrais, base monetária, espelhados na expansão da moeda na economia, massa monetária, são fatores inflacionistas, bem como uma diminuição da procura de moeda, ou seja, uma redução da preferência por liquidez (menor entesouramento). A nova moeda criada pelos bancos centrais não é neutra quando entra no sistema financeiro e económico, e primeiro favorece quem está mais perto dela, tal como referiu Cantillon. O aumento da oferta monetária pela Reserva Federal norte-americana (FED) através da compra de ativos, nomeadamente títulos do tesouro e títulos garantidos por hipotecas, impulsiona a cotação não só destes títulos, cuja rentabilidade diminui, mas também de ativos de maior risco, como as ações e o imobiliário, na contínua procura dos investidores por rentabilidade, cuja relação é inversa à cotação. Habitualmente, mais tarde, o novo dinheiro acaba por chegar aos consumidores e impacta o nível da inflação. Atualmente, os pacotes de estímulos do governo norte-americano, cheques e aumento dos subsídios de desemprego, bem como os apoios governamentais às pequenas e médias empresas, que acabam também por gerar dinheiro novo para pagar salários, nomeadamente através de empréstimos com juros baixos, podem redundar em inflação. A administração de Joe Biden pretende aumentar o salário mínimo para 15 dólares por hora, uma medida potencialmente inflacionista, mas transitória no índice de preços no consumidor se não existirem sucessivos aumentos ao longo do tempo. O aumento do salário mínimo elevará os custos das empresas, e algumas preferem reduzir a produção a ter prejuízos, o que resultará na perda de empregos, mais subsídios de desemprego, mais pessoas a consumirem, menos produção e consequente subida da inflação. A taxa de desemprego de 14,8% em abril do ano passado, a mais elevada desde a grande depressão há 90 anos, tem recuperado rapidamente e está aos níveis de 2014, e Janet Yellen pretende atingir o pleno emprego em 2022. Aquando da grande recessão de 2008-09, foi necessária quase uma década para a recuperação do pleno emprego nos EUA. Porém, há muito que o fator trabalho é deflacionista, motivado pela descida do peso dos salários dos 48% no ano 2000 para 43% atualmente. Existem também forças deflacionistas do lado da oferta do mercado de bens de consumo. A aceleração da quarta revolução industrial significa mais e melhores produtos e serviços, a um custo menor. O comércio internacional permite maximizar as reservas mundiais de mão de obra e produzir mais bens a um custo menor, mas os custos da mão de obra chinesa integrados na economia mundial tendem a ser menos deflacionistas, no entanto a Indochina, a índia, a América Latina e o continente africano podem tomar o seu lugar na globalização mais deflacionista. O excesso de capacidade instalada permanece elevado e permite menores custos de produção, e é um dos principais fatores deflacionistas do lado da oferta, como se pode ver pela capacidade de utilização da indústria manufatureira medida pela FED nos 73%. A pandemia criou um pontual cenário deflacionista do lado da procura, normal nas recessões económicas, desde congelamentos de rendas das casas, menos procura de bens e serviços e maior procura por liquidez. E, singular a esta crise pandémica, a substituição de 7,5% de serviços por bens, tendencialmente mais baratos. Todavia, nos próximos trimestres é esperada uma reversão e consequente pressão inflacionista. As rendas das casas, após a retoma do emprego e dos rendimentos das famílias, serão renegociadas em alta. Porém, a habitação no PCE, medida da inflação utilizada pela FED, pesa apenas 15%, contra 31% no IPC, e justifica, em grande parte, o menor valor do PCE em relação ao CPI.


PAULO ROSA Economista Sénior do Banco Carregosa (In Vida Económica, 12 de fevereiro de 2021)

Oferta, procura e inflação

A inflação de preços no consumidor é influenciada sobretudo pela oferta e procura de moeda e pela oferta e procura de bens e serviços. O modelo macroeconómico IS-LM procura responder às interações existentes das taxa de juro e do PIB nos mercados monetário e de bens e serviços, onde a curva “IS” identifica o equilíbrio no mercado de bens e serviços, enquanto na curva “LM” é representado o equilíbrio no mercado monetário. Aumentos da oferta de moeda pelos bancos centrais, base monetária, espelhados na expansão da moeda na economia, massa monetária, são fatores inflacionistas, bem como uma diminuição da procura de moeda, ou seja, uma redução da preferência por liquidez (menor entesouramento). 

 
A nova moeda criada pelos bancos centrais não é neutra quando entra no sistema financeiro e económico, e primeiro favorece quem está mais perto dela, tal como referiu Cantillon. O aumento da oferta monetária pela Reserva Federal norte-americana (FED) através da compra de ativos, nomeadamente títulos do tesouro e títulos garantidos por hipotecas, impulsiona a cotação não só destes títulos, cuja rentabilidade diminui, mas também de ativos de maior risco, como as ações e o imobiliário, na contínua procura dos investidores por rentabilidade, cuja relação é inversa à cotação. Habitualmente, mais tarde, o novo dinheiro acaba por chegar aos consumidores e impacta o nível da inflação. Atualmente, os pacotes de estímulos do governo norte-americano, cheques e aumento dos subsídios de desemprego, bem como os apoios governamentais às pequenas e médias empresas, que acabam também por gerar dinheiro novo para pagar salários, nomeadamente através de empréstimos com juros baixos, podem redundar em inflação. 
 
A administração de Joe Biden pretende aumentar o salário mínimo para 15 dólares por hora, uma medida potencialmente inflacionista, mas transitória no índice de preços no consumidor se não existirem sucessivos aumentos ao longo do tempo. O aumento do salário mínimo elevará os custos das empresas, e algumas preferem reduzir a produção a ter prejuízos, o que resultará na perda de empregos, mais subsídios de desemprego, mais pessoas a consumirem, menos produção e consequente subida da inflação. A taxa de desemprego de 14,8% em abril do ano passado, a mais elevada desde a grande depressão há 90 anos, tem recuperado rapidamente e está aos níveis de 2014, e Janet Yellen pretende atingir o pleno emprego em 2022. Aquando da grande recessão de 2008-09, foi necessária quase uma década para a recuperação do pleno emprego nos EUA. Porém, há muito que o fator trabalho é deflacionista, motivado pela descida do peso dos salários dos 48% no ano 2000 para 43% atualmente. 
 
Existem também forças deflacionistas do lado da oferta do mercado de bens de consumo. A aceleração da quarta revolução industrial significa mais e melhores produtos e serviços, a um custo menor. O comércio internacional permite maximizar as reservas mundiais de mão de obra e produzir mais bens a um custo menor, mas os custos da mão de obra chinesa integrados na economia mundial tendem a ser menos deflacionistas, no entanto a Indochina, a índia, a América Latina e o continente africano podem tomar o seu lugar na globalização mais deflacionista. O excesso de capacidade instalada permanece elevado e permite menores custos de produção, e é um dos principais fatores deflacionistas do lado da oferta, como se pode ver pela capacidade de utilização da indústria manufatureira medida pela FED nos 73%. 
 
A pandemia criou um pontual cenário deflacionista do lado da procura, normal nas recessões económicas, desde congelamentos de rendas das casas, menos procura de bens e serviços e maior procura por liquidez. E, singular a esta crise pandémica, a substituição de 7,5% de serviços por bens, tendencialmente mais baratos. Todavia, nos próximos trimestres é esperada uma reversão e consequente pressão inflacionista. As rendas das casas, após a retoma do emprego e dos rendimentos das famílias, serão renegociadas em alta. Porém, a habitação no PCE, medida da inflação utilizada pela FED, pesa apenas 15%, contra 31% no IPC, e justifica, em grande parte, o menor valor do PCE em relação ao CPI.

PAULO ROSA Economista Sénior do Banco Carregosa, In Vida Económica, 12 de fevereiro de 2021




Maior inclinação da curva de rendimentos nos EUA

Esta semana, a rentabilidade dos títulos do tesouro norte-americanos a 10 anos manteve a subida consecutiva iniciada há seis meses, desde os níveis de 0.5% a 4 de agosto, para o atual valor de 1.329%, o mais elevado desde 27 de fevereiro do ano passado, impulsionada pelos progressos na aprovação de um pacote de estímulos orçamentais nos EUA e o aumento das expetativas de inflação à medida que as temperaturas negativas restringem a produção de petróleo e gás no maior centro de energia dos EUA no Texas. Ambos os fatores penalizam as cotações dos títulos do tesouro e impulsionam as respetivas “yields” que têm uma evolução inversa. Na última semana este comportamento acelerou e o rendimento dos títulos a 10 anos passou de 1.07% para 1.32% perante a expetativa de inflação.

 Devido à crise sanitária, à recessão económica e ao distanciamento social ditado pela pandemia, as famílias foram acumulando poupanças nos últimos 9 meses, as contas bancárias cresceram substancialmente com os apoios estatais e cheques de estímulos e, atualmente, à medida que a vacinação prossegue, a primavera se aproxima e a pandemia abranda, os investidores esperam que a procura aumente consideravelmente e impulsione a inflação. Acrescem os receios inflacionistas da implementação de um salário mínimo de 15 dólares/ hora nos EUA que impacte os custos das empresas e, consequentemente, agrave os preços. Atualmente os novos casos são de apenas 60 mil nos EUA, números idênticos a meados de outubro do ano passado, após terem atingido os 308 mil a 8 de janeiro, e refletem a esperança de que o pior da Covid-19 possa já estar ultrapassado. Foi assim há 100 anos, aquando da pandemia de gripe espanhola, e os investidores esperam que seja assim também com a atual pandemia de Covid-19, com o regresso da atividade económica no verão deste ano e o consumo duplamente reforçado quer pela vontade e pelo desejo de consumir, o que não foi adquirido o ano passado e as férias tão aguardadas, e pela acumulação de rendimento disponível espelhado nas crescentes poupanças bancárias e na subida de 70% do agregado monetário Ml que inclui a moeda em circulação e os depósitos à ordem.

 O spread entre os rendimentos de dois e dez anos, que é a parte mais observada da curva de rendimentos, atingiu pontualmente o valor mais elevado dos últimos quatro anos nos 120 pontos base, e espelha a crescente inclinação da curva de rendimentos norte-americana e a subida das expetativas de inflação. O diferencial entre os rendimentos a cinco e 30 anos é atualmente de 150 pontos base, o mais elevado desde 2015. O mercado espera que a Reserva Federal dos EUA (FED) tolere um índice de preços no consumidor acima da fasquia de 2%, tal como referiu em agosto do ano passado, e esse facto empurrou as expetativas de inflação a 10 anos para o nível mais elevado desde 2014, com a taxa de inflação de equilíbrio medida pelos Títulos do Tesouro Protegidos pela Inflação (TIPS - Treasury Inflation Protected Securities) a atingir os 2,246%.

Nos últimos 6 meses, assistimos a uma subida gradual, e quase proporcional, de 70 pontos base da rentabilidade dos títulos do tesouro a 10 anos, de 0.50% para 1.32%, e das expetativas da inflação a 10 anos, de 1.57% para 2.24%. Todavia, a taxa de juro real mantém-se negativa e os rendimentos dos títulos do tesouro indexados à inflação a 10 anos mantêm-se inalterados em -1% desde agosto, o que penaliza consideravelmente quem adquire ou detém estes títulos. O colapso das taxas de juros reais abaixo de zero significa que o governo dos EUA está a ser pago em termos reais pelos empréstimos obtidos. Isso é obviamente raro, mas é uma oportunidade política para o governo impulsionar as infraestruturas e atingir o pleno emprego em 2022 como pretende Janet Yellen. Mas poderá redundar em mais inflação, que é grosso modo o custo do trabalho e das commodities, como cimento e aço para infraestruturas, e pressionar a subida dos juros.


PAULO ROSA Economista Sénior do Banco Carregosa, In Vida Económica, 19 de fevereiro de 2021




sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

"GameOver"

Entre 2005 e 2009, os lucros da GameStop, aumentaram de 61 milhões de dólares para 398 milhões de dólares e a receita subiu de 1,8 mil milhões de dólares para quase 9 mil milhões de dólares. O título valorizou 600% de 2005 a 2007. Seguiu-se um período de quase dez anos de estabilização das receitas, dos lucros e da cotação. Todavia, desde 2018 as vendas, as margens e o EBTIDA descem, a empresa acumula prejuízos há três exercícios consecutivos, e a cotação caiu dos 45 dólares em 2015 para 3,5 dólares em fevereiro de 2020, antes da pandemia. No entanto, investidores de retalho, impelidos pelos fóruns e redes sociais, querem suspender a correlação habitual e secular entre o desempenho de uma empresa e a sua cotação. 

No início do ano, a GameStop transacionava diariamente cerca de 6 milhões de ações e cotava nos 19 dólares. O capital social da GameStop é de 69,75 milhões de ações e a empresa de videojogos tem negociado diariamente em bolsa mais do que o seu capital. No dia 22 de janeiro, o volume transacionado chegou a quase 200 milhões de ações, cerca de três vezes o número de ações da empresa. A cotação mais alta foi alcançada a 28 de janeiro nos 483 dólares por ação, uma capitalização de 34 mil milhões de dólares.

O “Efeito Reddit” está para lá da GameStop. Apesar de a subida de algumas ações desafiarem o discernimento de Wall Street, estão longe de preocupar. De um lado, muitos investidores de retalho compram “opções de compra” para alavancarem as suas posições, acompanhados por “hedge funds” que aproveitam para ganhar dinheiro e tirar alguns concorrentes do mercado, e do outro lado alguns “hedge funds” encerram as suas posições curtas, para limitarem as perdas, impulsionando ainda mais a subida dos títulos e o volume de ações transacionadas. No final, haverá poucos prejuízos de Wall Street e muitos prejuízos dos investidores de retalho.

A Tesla, outra ação fortemente vendida a descoberto entre investidores profissionais, causou aos vendedores a descoberto perdas de 245 mil milhões de dólares em 2020, dez vezes superiores às da GameStop, mas Wall Street não colapsou.
Quando o Nasdaq atingiu o mínimo em outubro de 2002, cerca de 6,2 biliões de dólares em riqueza familiar haviam eclipsado, de acordo com Amir Sufi, professor da Universidade de Chicago. A crise financeira de 2008, entretanto, fez desaparecer 16,4 biliões de dólares das famílias norte-americanas pela combinação de perdas no mercado de ações e queda do valor da casa, de acordo com a FED.

Em 2008, a Volkswagen tornou-se brevemente a empresa mais valiosa do mundo. A fabricante de automóveis era alvo de posições vendedoras devido ao seu elevado endividamento. Quando a Porsche anunciou que iria aumentar a sua participação, os vendedores a descoberto entraram em pânico, encerraram as posições curtas, num forte movimento de “short squeeze”, impulsionando o volume transacionado e a cotação acima dos 1000 euros.

Há uma diferença entre comprar e investir. A GameStop permanece com as mesmas dificuldades financeiras porque os investidores do fórum WallStreetBetts não investiram na empresa, apenas compraram ações. Compraram algo, mas não reabilitaram algo. Se os pequenos investidores acompanhassem um aumento de capital da GameStop, com o intuito de remodelar o conceito de lojas físicas e dar maior preponderância à digitalização, a empresa não seria alvo de tanta pressão vendedora. As posições curtas na GameStop chegaram aos 140% do seu capital social, só possível porque o “Naked Short Selling” (vender ações sem as ter) é permitido nos EUA. Atualmente, as posições curtas abertas equivalem a 40%.

A compra concertada de empresas, algumas em dificuldades financeiras, e a multiplicação de fóruns sobre mercados financeiros costumam ser uma realidade que aparece em ciclos mais maduros, como aconteceu um ou dois anos, em 1998 e 1999, antes de a bolha das dotcoms implodir. Todavia, o atual suporte dos bancos centrais e a aceleração da quarta revolução industrial parecem afastar a teoria de fim de ciclo.


VIDA ECONÓMICA   | 05-02-2021 | PAG 29

PAULO ROSA 

 

Economista Sénior do Banco Carregosa



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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.