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sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Bancos centrais e juros de curto e longo prazo

O mercado antecipa uma alta de 50 pb na reunião do BCE a 15 de dezembro. Está prevista também uma subida de igual dimensão de 50 pb na primeira reunião de 2023, a 2 de fevereiro, seguida de um aumento de 25 pb na segunda reunião de 2023 a 16 de março, fixando-se nessa altura a taxa de juro dos depósitos do BCE nos 2,75%, muito perto da taxa terminal esperada atualmente pelo mercado, à volta dos 2,8%. Este aumento de 50 pb possivelmente estará já descontado, não devendo alterar visivelmente as taxas Euribor. Entretanto, um potencial anúncio do BCE de redução do seu balanço, o denominado quantitative tightening (QT), associado a um compromisso de abrandamento do aumento das suas taxas de juro de referência, poderão aliviar os encargos das famílias que detêm empréstimos associados às Euribor. Como o QT é essencialmente uma redução do balanço, cujo ativo é constituído em grande parte por títulos da dívida pública, a não renovação destes títulos na sua maturidade, ou a sua alienação, pressionarão as taxas de juro de longo prazo, sobretudo de países periféricos da Zona Euro como Portugal, Espanha e Itália, redundando numa indesejável perceção de menor coesão do projeto europeu. Ainda assim, se ao potencial QT do BCE estiver associado um compromisso de desaceleração do aumento das taxas de juro pelo BCE, então poderemos estar diante de um abrandamento das taxas de juro de curto prazo e um aumento das taxas de juro de longo prazo, ou seja, um cenário de reversão da alta das Euribor e um aumento dos juros das dívidas públicas, beneficiando quem tem crédito à habitação indexado à Euribor, mas acabando por penalizar as contas públicas dos governos. Entretanto, o PIB da Zona Euro relativo ao quarto trimestre será divulgado no próximo dia 31 de janeiro e até lá serão ainda apresentados vários dados importantes referentes à atividade económica na área euro, bem como os dados relativos à evolução da inflação. Se os números do PIB da Zona Euro no quarto trimestre confirmarem uma contração económica e a inflação sinalizar uma visível desaceleração, a taxa de juro terminal do BCE deverá cair substancialmente. Todavia, a um mês e meio de distância, e perante a incerteza que ainda persiste e continuará em 2023, é muito difícil prever a evolução das taxas de juro para o próximo ano, sendo que a postura do BCE alterar-se-á de acordo com a evolução dos dados macroeconómicos. Ainda assim, poderemos confirmar que nos últimos tempos as dificuldades nas cadeias de abastecimento têm diminuído consideravelmente, os preços da energia têm descido, a atividade económica tem enfraquecido e a propensão ao consumo está cada vez mais fragilizada, sendo de esperar que esta tendência continue e corrobore uma gradual melhoria dos números da inflação tanto do lado da oferta como do lado da procura, refletida numa previsível queda no índice de preços no consumidor. Se este cenário se materializar em 2023, então o BCE poderá mais cedo do que o esperado reverter a sua atual postura monetária restritiva. É expectável voltarmos a ter num futuro próximo taxas de juro próximas de zero? É um cenário atualmente muito pouco provável, mas tudo dependerá da evolução da inflação nos próximos anos. Cadeias de abastecimento sem problemas e um recuo dos preços dos combustíveis fósseis, dos produtos agrícolas e dos metais industriais, impulsionarão a produção das economias avançadas (com aparelhos produtivos estruturados e excesso de capacidade produtiva instalada), respondendo mais facilmente às encomendas e à procura dos consumidores, culminando numa considerável queda da inflação. Mas a guerra na Ucrânia e a política “covid zero” chinesa teimam em dificultar as cadeias de abastecimento globais, entraves ao abrandamento da inflação.

Nos EUA, a reunião da Fed deverá mostrar uma melhoria do dot plot. Atualmente o mercado prevê uma taxa terminal de 5%, refletida numa alta de 50 pb a 14 de dezembro, 25 pb em fevereiro e 25 pb em março, recuando no 2º semestre de 2023 para 4,5%, com dois cortes de 25 pb. Entretanto, cresce o receio de recessão. O outlook trimestral da Fed deve mostrar uma maior desaceleração do PIB em 2023, de 1,2% em setembro, últimas perspetivas, para um número próximo de zero. No entanto, poderemos ver alguma melhoria na inflação medida pelo PCE core (em setembro foi de 2,8% a previsão para 2023). Tal como o BCE, também a Fed, devido ao receio da inflação, pode acelerar o seu QT, procurando impulsionar novamente as yields das treasuries depois das quedas nas últimas semanas, aumentando as taxas de juro de longo prazo e desacelerando as de curto prazo. Mas acelerar o QT pressiona ainda mais o já depauperado mercado de dívida, retirando-lhe liquidez. Entretanto, nos EUA a inflação abrandou no mês de novembro, sinalizando uma eventual desaceleração dos preços não só nos EUA mas também na Zona Euro nos próximos meses. Estes números penalizam ainda mais o dólar, diminuindo a inflação importada na Zona Euro, e afastando uma crise cambial do euro. Nota: Texto escrito antes das reuniões da Fed e do BCE.

PMR In VE 13 dezembro 2022




segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Globalização tende a recuar em recessão



Centrado na maior integração e interdependência das economias de todo o mundo, o nível de globalização económica tem crescido a um ritmo considerável nas últimas quatro décadas, impulsionado pela significativa redução dos custos de transporte, sobretudo com o aparecimento do avião e dos voos comerciais, e pelos consideráveis avanços das telecomunicações, nomeadamente da internet nos últimos anos, corroborando assim o conceito de aldeia global. Já Adam Smith no século XVIII, teoria das vantagens absolutas, e David Ricardo no início do século XIX, teoria das vantagens comparadas, haviam realçado os benefícios do comércio internacional. A teoria das vantagens comparadas de Ricardo representa um forte argumento a favor do livre comércio e da especialização entre os países.

Mas nos últimos anos muito se tem falado da reversão desta tendência, sobretudo desde 2016, aquando do Brexit. Também a política comercial do presidente norte-americano Donald Trump a partir de 2017, iniciando uma guerra comercial e tecnológica com a China, e a ascensão dos nacionalismos regionais em 2018 continuaram a ameaçar o grau de globalização. No entanto, seria o confinamento generalizado na primavera de 2020 ditado pela pandemia, culminando numa recessão económica, que inverteria o nível de globalização. Contudo, a reversão foi efémera e a tendência de globalização viria a ser retomada em 2021 com a gradual reabertura da economia mundial. Entretanto, a guerra na Ucrânia em 2022 ameaça novamente a inversão desta trajetória de maior integração económica mundial, ressurgindo os receios de maior protecionismo, nomeadamente de segurança energética e alimentar, sobretudo dos países europeus. Na realidade, a “desglobalização” só tem existido em períodos de recessão económica mundial, determinada pela queda da procura global em alturas de crise económica, penalizando as exportações e importações. Por exemplo, desde o início do milénio apenas em três momentos existiu reversão da tendência de globalização, foram eles na recessão que seguiu à bolha das “dotcoms” em 2001, na grande recessão em 2008-09 e na recessão forçada pela pandemia de covid-19 em 2020. Todavia, após as recessões seguem-se períodos de retoma e de crescimento económico, regressando também o nível de integração económica global e o comércio mundial alcança sucessivamente novos máximos históricos, tal como refletem os números da Organização Mundial do Comércio.

A globalização é tendencialmente um conceito económico, tal como constatado nos últimos 40 anos, mas, mais recentemente, os interesses políticos emergiram. Separar a política da economia é importante para entender o quão pouco relevante tem sido o impacto da “desglobalização” nos portefólios dos investidores. Certo é que a política tem tido pouco impacto no comércio internacional, apesar das notícias e dos alertas das autoridades e de algumas instituições financeiras, não sendo um cabal motivo para os investidores “desglobalizarem” os seus investimentos. Apesar de uma relativa divergência política, os EUA e a China permanecem fortemente interligados economicamente. Mesmo a Rússia que parecia ter sido desterrada ao isolamento e a vários anos de autarcia devido à invasão da Ucrânia, continua a exportar, sobretudo petróleo e gás natural, com algum rearranjo de geografias de destino dos seus produtos. Em suma, apesar da “desglobalização” política, não há um aumento visível de construção de novas fábricas domésticas para permitir a “desglobalização” económica. De facto, a ideia de globalização económica baseada em mão de obra barata está ultrapassada com os avanços da robótica e de outras tecnologias de produção. Se antes os bens representavam a maior parte do comércio internacional, hoje os serviços como software, videojogos e música podem ser produzidos e distribuídos virtualmente em qualquer lugar. A economia digital impulsiona a globalização. As multinacionais veem cada habitante do planeta como um potencial cliente ou parceiro de negócio, sendo as suas vendas e lucros cada vez mais diversificados geograficamente, impulsionados pelo crescimento do investimento direto estrangeiro de empresas chinesas, japonesas, sul coreanas, alemãs, francesas, norte-americanas. Porém, a “desglobalização” política pode implicar algum “reshoring” em setores considerados essenciais, sobretudo empresas ligadas à segurança nacional, como atualmente a indústria de “chips”. Entretanto, o volume do comércio mundial de mercadorias pode abrandar ou mesmo cair em 2023, se as incertezas quanto ao crescimento económico no próximo ano se materializarem, devido à política monetária restritiva nas economias avançadas e à natureza imprevisível da Guerra na Ucrânia. Recessão económica é sinónimo de recuo do comércio internacional, mas a “desglobalização” é conjuntural, sendo a globalização estrutural.

PMR In VE 7 dezembro 2022






terça-feira, 29 de novembro de 2022

Da Grande Recessão à Guerra na Ucrânia

A Grande Recessão de 2008 e 2009, ditada pela crise do imobiliário nos EUA, conhecida como crise do “subprime” devido aos seus contornos, marcou a maior contração da economia norte-americana desde a Grande Depressão de 1929. A dimensão da economia dos EUA, a maior do mundo, e a venda de ativos relacionados com o imobiliário norte-americano a muitas instituições financeiras globais estendeu a crise ao resto do mundo. A crescente instabilidade financeira a nível global espoletou várias crises latentes, desde a crise imobiliária no Dubai à crise das dívidas soberanas na Zona Euro. Portugal foi um dos países mais afetados, penalizado pela sua elevada dívida pública e falta de competitividade, acabando resgatado pela “Troika” (FMI, BCE e União Europeia) em abril de 2011. Os bancos centrais encetaram políticas monetárias significativamente expansionistas para mitigaram os efeitos da crise financeira de 2008, adotando em muitos casos ferramentas não convencionais, tais como o “Quantitative Easing” (QE). A Reserva Federal dos EUA iniciou oficialmente o seu QE em março de 2009, instrumento também adotado pelo BCE, mas mais tarde, no início de 2015. Inicialmente, o banco central da Zona Euro, uma instituição mais conservadora, tentou debelar não só a crise financeira, mas também a crise das dívidas soberanas na Zona Euro, munindo-se de uma política monetária expansionista focada em empréstimos de longo prazo (LTRO), fornecendo a liquidez necessária ao sistema financeiro e salvaguardando o euro e a coesão da União Europeia. O BCE juntar-se-ia a vários outros bancos centrais na adoção de um QE, em 22 de janeiro de 2015, devido às crescentes preocupações com uma inflação demasiadamente baixa. O Banco Nacional da Suíça (BNS), antecipando esta nova postura inflacionista do BCE, surpreendeu os mercados no dia 15 de janeiro de 2015 com o abandono do câmbio fixo de 1,20 francos suíços por cada euro. O BNS mantinha esta política há vários anos para travar a valorização da sua moeda e manter a sua competitividade cambial via preço, comprando euros e vendendo francos suíços, impedindo a apreciação da moeda helvética, mas resultando num considerável aumento do seu balanço, multiplicando cerca de cinco vezes desde 2008, causador de um crescente desconforto nas autoridades monetárias suíças. É a tríade impossível, não sendo possível em livre circulação de capitais deter em simultâneo controlo sobre o câmbio [fixo] e sobre a política monetária.

Estas políticas expansionistas foram sendo gradualmente revertidas. A Fed nos EUA iniciou uma postura restritiva em dezembro de 2015 com uma subida da taxa de juro em 25 pontos base e um “
Quantitative Tightening” (QT) em outubro de 2017. Entretanto, o ano de 2018 foi negativo para os mercados financeiros, o S&P 500 desvalorizou 6,24%. O desconforto dos mercados com a política contracionista era cada vez mais evidente. A desaceleração económica era uma realidade, apesar de a taxa de desemprego se manter resiliente, alcançando o pleno emprego de 3,5% em 2019, mas mesmo assim a Fed optou por terminar o QT em julho e descer a taxa de juro no dia 1 de agosto pela primeira vez desde 2008. No verão de 2019 a inclinação da curva de rendimentos norte-americana passou a ser negativa, indiciando uma recessão. As dificuldades de liquidez eram visíveis no mercado de “repos”, sobretudo no dia 17 de setembro. As taxas de juro dos bilhetes do tesouro a 3 meses dos EUA eram superiores às dos rendimentos do tesouro a 10 anos, bitola utilizada pela Fed para prever recessões, indicando uma recessão com uma probabilidade de 40% a 12 meses de vista. Recessão essa que viria mesmo a acontecer, ainda que por uma razão desconhecida em 2019, na primavera de 2020 e imposta pela pandemia de covid-19. As bolsas desvalorizaram acentuadamente em março, tendo os bancos centrais fornecido a liquidez necessária à economia e aos mercados, penalizados pelo confinamento geral e pela paralisação da atividade. Taxas de juro próximas de zero e um regresso dos QE impulsionaram novamente os mercados financeiros, nomeadamente as cotações das ações e das obrigações, dando lugar ao fator TINA e ao FOMO, favorecendo também o imobiliário e os criptoativos. As grandes tecnológicas norte-americanas, mais sensíveis às taxas de juro, beneficiando também do teletrabalho e do ensino à distância, lideraram os ganhos, que seriam reforçados pela descoberta de uma vacina contra a covid-19 em novembro de 2020. Todavia, a par da gradual reabertura da economia em 2021, surgiram também dificuldades nas cadeias de abastecimento, desde os normais “bottlenecks” ditados pela paralisação aos açambarcamentos, agravadas também pela crescente crise energética. A inflação apareceu ainda em 2021 e ameaçou generalizar-se, mas viria a ser a invasão russa da Ucrânia a determinar o surgimento da inflação mais elevada das últimas três ou quatro décadas.


PMR In VE 29 novembro 2022



sexta-feira, 25 de novembro de 2022

“Água o deu, água o levou”, as FAAMG

FAAMG é uma abreviação cunhada pela Goldman Sachs para as ações das grandes empresas tecnológicas norte-americanas: Facebook, Apple, Amazon, Microsoft e Google. Estas cinco empresas representam cerca de 50% do valor do Nasdaq 100 (índice com 100 empresas) e pesam à volta de 20% no S&P 500 (índice composto por 500 empresas). Quanto maior forem as alterações nas cotações destas ações, muito sensíveis às taxas de juro e ao dólar norte-americano, maior será a volatilidade do Nasdaq 100 e do S&P 500. Como multinacionais têm uma parte dos seus lucros fora dos EUA, logo a conciliação de todos os seus resultados em dólares (receitas e lucros) é influenciada pela cotação da moeda norte-americana. Um dólar mais forte diminuirá as receitas vindas do exterior e vice-versa. Quanto à maior sensibilidade às taxas de juro por parte das FAAMG, é importante referir que à medida que a taxa de juro aumenta os cash flows futuros valem cada vez menos e quanto mais longínquos menos valem. As empresas tecnológicas são estilo crescimento (growth), cujos lucros esperados são mais elevados para os períodos mais afastados, em contraposição às empresas de valor (value), menos sensíveis aos juros. As empresas tecnológicas têm mais duration, ou seja, são mais sensíveis ao juros. A duration é um termo utilizado na negociação no mercado obrigacionista e descreve a sensibilidade da cotação de uma obrigação a uma alteração dos juros, e as empresas tecnológicas têm em média mais duration do que as restantes empresas. As obrigações com datas de vencimento mais longas têm uma duration mais elevada.

Sobretudo na segunda metade de 2020 e em 2021, as FAAMG foram impulsionadas pela enérgica postura expansionista da Reserva Federal dos EUA, política monetária refletida por taxas de juro de quase zero e duplicação do balanço do banco central dos EUA, bem como pelo work/learning at home ditado pela pandemia. Grande parte do trabalho em casa e do ensino à distância foi suportado pelas tecnologias fornecidas pelas FAAMG. Em quase dois anos as FAAMG valorizaram 100% e ajudaram o S&P 500 a ganhar 50% nesse mesmo período. Todavia, com o fim da pandemia e com o regresso ao trabalho e ao ensino presencial, terminou também grande parte do work/learning at home. Para travar a elevada inflação impulsionada pela reabertura da economia, pela crise energética, pelo aumento dos preços dos produtos agrícolas e dos metais industriais, pela política expansionista da Fed em 2020 e 2021, pelos acréscimos de poupanças e pelas dificuldades nas cadeias de abastecimento (desde açambarcamentos às cartelizações), a Reserva Federal dos EUA subiu significativamente as taxas de juro. Atualmente o rendimento da obrigação do tesouro dos EUA a 2 anos (yield US a 2 anos) é de 4,50%. A subida dos juros além de ter penalizado as projeções para os cash flows futuros das FAAMG, impulsionou também o dólar, contribuindo para a fraca performance das grandes tecnológicas. Entretanto, as FAAMG perderam tudo o que ganharam desde o início de 2020, mas a aproximação de uma taxa de juro terminal da Fed, permitindo novamente exposição a duration, bem como a potencial reversão da tendência de alta do dólar, o futuro da computação em nuvem e o crescente teletrabalho, podem voltar a impulsionar as FAAMG. Todavia, as FAAMG devido à sua crescente dimensão viverão sempre sob a ameaça de um desmembramento, à semelhança do que aconteceu à indústria petrolífera de Rockfeller em 1911. Em suma, atualmente há os índices com FAAMG e os índices sem FAAMG, estes últimos com melhor desempenho desde o início de outubro. Por exemplo, a correlação entre o Dow Jones e o S&P 500 tinha sido quase 'perfeita' nos últimos 12 meses, mas descorrelacionou há mês e meio, mais acentuadamente depois dos resultados desfavoráveis das FAAMG no final de outubro. Entretanto, qualquer melhoria impulsionará os mercados. Qualquer surpresa positiva, quanto a uma desaceleração dos juros, vinda dos números 
da inflação norte-americana ou do emprego dos EUA em dezembro, bem como de uma postura menos hawkish da Fed, poderão impulsionar novamente as FAAMG.

PMR in JdN 24 novembro 2022




O dilema emprego/inflação. Como resolvê-lo?

Considerando que a propensão marginal ao consumo diminui à medida que os rendimentos aumentam, também a inflação tende a ser cada vez menos influenciada pelos rendimentos à medida que estes vão aumentando. A inflação é determinada pelos rendimentos que procuram os bens e serviços que compõe o cabaz subjacente ao índice de preços no consumidor. Esse cabaz é flexível, ou seja, quando os seus bens e serviços ficam mais caros são habitualmente substituídos por sucedâneos sempre que possível. E os sucedâneos não são procurados pelos rendimentos mais elevados. Além de que as pessoas com rendimentos altos são poucas, logo insuficientes para influenciarem os preços. Portanto a inflação não é determinada pelos rendimentos elevados, quer eles sejam salários, juros, rendas ou lucros.


Na ciência económica existe um “trade-off”, nomeadamente no curto prazo, entre desemprego e inflação, evidenciado em vários estudos, sobretudo na curva de Phillips. As políticas económicas expansionistas, orçamentais ou monetárias, adotadas pelas autoridades, aumentam a procura agregada e diminuem o desemprego, mas tendencialmente à custa de uma inflação mais alta. Por outro lado, se as autoridades implementarem políticas económicas restritivas, contraindo a procura agregada, tal como acontece atualmente, a inflação tende a diminuir, mas à custa de uma taxa de desemprego temporariamente mais elevada.

O dilema persiste e penaliza mais a população assalariada e com vínculos laborais mais precários, bem como pequenas empresas familiares, cujos negócios estejam mais dependentes do ciclo económico e mais focados em bens discricionários ou na prestação de serviços menos essenciais e sem “princing power” (poder de fixação de preços). A inflação diminui o rendimento real de todas as famílias, sendo uma das variáveis macroeconómicas mais adversas. Todavia, o aumento da taxa de desemprego, para travar a elevada inflação, não afeta todos equitativamente, penalizando mais os trabalhadores jovens, sobretudo na Europa onde a antiguidade é relevante, cujos vínculos laborais sejam mais precários ou que trabalhem em setores mais afetados pelo ciclo económico, penalizando também empresas que produzam bens e serviços menos essenciais.

A situação da maior parte da população já é difícil diante da elevada inflação, mas é mais grave ainda para as famílias que contraíram empréstimos, nomeadamente crédito à habitação, devido ao aumento dos juros pelos bancos centrais, subida essa dos juros que poderá culminar numa recessão, aumentando o desemprego. O BCE penaliza a dívida, mas esta, desde que equilibrada, é importante no impulso da atividade económica, permitindo o financiamento de bons projetos e impedindo que investimentos interessantes fiquem na gaveta, promovendo os avanços tecnológicos e o crescimento económico. Voltando aos que têm vínculos laborais mais precários, muitas vezes os mais jovens e que contraíram empréstimos, são eles os mais afetados pela elevada inflação, sendo penalizados pela alta dos preços, pela subida dos juros e pelo aumento do desemprego. Isto porque os bancos centrais procuram ajustar a procura agregada à menor oferta agregada. Não poderia ser diferente? Um maior empenho no aumento da oferta agregada, uma cabal investigação dos açambarcamentos, muitas vezes na origem dos “bottlenecks”, uma política fiscal mais eficiente no início da cadeia de valor capaz de mitigar ou anular a generalização da inflação, uma maior fiscalização da cartelização, uma promoção do comércio internacional, um aumento das competências do capital humano, uma maior independência energética. Não nos limitarmos apenas a esperar pela atuação dos estabilizadores automáticos em caso de recessão.

Antes da pandemia, a economia estava em equilíbrio no ponto A. Entretanto, as dificuldades nas cadeias de abastecimento, durante e depois da pandemia, diminuíram a oferta, penalizando o crescimento económico, deslocando a curva da oferta agregada para a esquerda (de AS1 para AS2), sendo o novo equilíbrio no ponto B, um crescimento menor e uma inflação mais elevada. Entretanto, as políticas monetárias recessivas dos bancos centrais, espelhadas em significativos aumentos das taxas de juro, que procuram travar a elevada inflação, prometem desacelerar acentuadamente o crescimento económico e aumentar a probabilidade de recessão. Estas políticas dos bancos centrais travam o consumo, deslocando a curva da procura agregada para esquerda (de AD1 para AD2), do ponto B para o ponto C. Ao atual cenário de potencial recessão poder-se-á seguir uma recessão refletida no ponto C, uma inflação mais baixa, mas à custa do aumento do desemprego e de um crescimento menor.

Os juros mais elevados penalizam tanto o consumo como o investimento, existindo também em vários países uma consolidação orçamental e uma redução do rácio da dívida pública face ao PIB nominal, aproveitando a elevada inflação. Tem sido insuficiente a política fiscal no início da cadeia de valor, mitigando muito pouco a elevada inflação, maioritariamente do lado da oferta, energética e importada. Os impostos deveriam ser visivelmente mais baixos a montante da cadeia de valor. O que existe atualmente é uma relativa transferência de riqueza do setor privado para o setor público, um claro efeito crowding-out que penaliza o crescimento económico. Se as políticas recessivas das autoridades monetária e orçamental fossem mais moderadas, estimulando-se também a oferta agregada e controlando-se os açambarcamentos e as cartelizações, o ponto A poderia ser recuperado novamente. Ou seja, ao cenário inicial no ponto A, e ao seguinte no ponto B devido à pandemia, seguir-se-ia o ponto C, idêntico ao ponto A. A procura agregada manter-se-ia a mesma (AD1) e a oferta agregada também (depois de ser ter deslocado do ponto A para o B e por último para o ponto C, regressando novamente ao ponto A).    

PMR in VE 23 novembro 2022






terça-feira, 22 de novembro de 2022

Quando a energia sobe, tudo aumenta, mas alguns lucram

As dificuldades nas cadeias de abastecimento e a transição energética impulsionaram os preços do gás natural e da eletricidade no último trimestre de 2021, subida essa que acelerou bastante mais com a guerra na Ucrânia. O conflito no leste da Europa aumentou significativamente os preços dos combustíveis fósseis, nomeadamente do petróleo e do gás natural, e também os preços dos alimentos. A crise energética está na génese da atual elevada inflação europeia. Os preços da energia respondem na Europa por cerca de metade do aumento da inflação. É, deste modo, uma inflação sobretudo do lado da oferta, refletida numa inflação importada, impulsionada pela dependência energética da Europa. E, no entanto, a frágil confiança do consumidor europeu impediu que a inflação fosse mais elevada, estimulada pelo lado da procura.

Em Portugal a inflação tem contornos semelhantes. No início começou por ser uma inflação predominantemente do lado da oferta e impulsionada pela dependência energética portuguesa do exterior. Entretanto, os açambarcamentos agravaram ainda mais as dificuldades nas cadeias de abastecimento e as poupanças ditadas pelo menor consumo, durante os confinamentos impostos pela pandemia, permitiram manter uma procura relativamente resiliente face à menor oferta, impulsionando os preços dos bens e serviços.

O aumento dos preços a montante da cadeia de valor, ou seja, no início da atividade económica nos setores primário e extrativo, desde os combustíveis fósseis aos metais industriais e aos produtos agrícolas, tem pressionado gradualmente todos os restantes preços de bens e serviços a jusante da cadeia de valor, generalizando a inflação. Esta alta dos índices de preços é cada vez mais persistente e tem sido alimentada também pela resiliência do consumo, suportado pelas poupanças proporcionadas pelo confinamento ditado pela pandemia, numa fase inicial, e pelo crédito ao consumo nesta fase atual e final. Assim sendo, a inflação estará muito perto do seu ponto de inflexão em Portugal, devendo abrandar à medida que o dinheiro das famílias escasseia, a procura diminui e, consequentemente, as empresas apresentem maior dificuldade em repassar os seus custos aos clientes. Na realidade, os preços dos combustíveis fósseis respondem por cerca de metade do aumento da inflação na Europa, mas indiretamente a alta dos preços do petróleo, do gás natural e da eletricidade são “inputs” e custos de todos os bens e serviços de uma economia. Assim, a inflação generaliza-se e é cada vez mais “core”, ou seja, propaga-se a todos os bens e serviços para lá da energia e dos alimentos. Alguns agentes económicos procuram lucrar com ela, por vezes através de hábeis e nefastos açambarcamentos, conseguindo manter o aumento de preços enquanto existir poder de compra que os sustente. Os governos também têm aproveitado a elevada inflação para diminuírem o rácio da dívida pública face ao PIB nominal.

No entanto, a elevada inflação nas economias avançadas é habitualmente conjuntural e tende a ser passageira, sobretudo devido ao excesso de capacidade instalada que permite excedentes da oferta, apenas limitados por eventuais dificuldades nas cadeias de abastecimento, açambarcamentos, dependência energética do exterior e escassez de matérias-primas essenciais à produção, mas estas variáveis tendem a regularizar-se mais cedo ou mais tarde. Todavia, os bancos centrais não esperam por essa regularização e adotam uma postura de aumento das taxas de juro sempre que a inflação aumenta acima dos níveis desejados e se torna persistente, mas o insucesso dessa política será tanto maior, quanto mais do lado da oferta for essa mesma inflação e vice-versa. Combater uma inflação que na Europa, e em Portugal, é eminentemente do lado da oferta e é inflação importada, culminará provavelmente numa forte desaceleração da economia ou mesmo numa recessão. Mas nada fazer, no caso do BCE, também penalizaria o euro, diante de uma política decididamente restritiva da Reserva Federal dos EUA.

A atual inflação na Europa, e em Portugal, é um problema de menor oferta e deveria ser necessariamente também desse lado que as políticas deveriam incidir e não se limitarem apenas à política monetária e à destruição da procura. As autoridades responsáveis dever-se-iam preocupar em aumentar a oferta. Aliás, as taxas de juro mais elevadas prometem não só diminuir a procura agregada, ajustando o já frágil consumo à menor oferta, mas penalizar também o investimento das empresas, limitando ainda mais a oferta. Todo este contexto alimentará menores oferta e procura agregadas, culminando muito provavelmente numa recessão. No entanto, os países exportadores de petróleo registam robustos crescimentos do PIB e… quem açambarcou, lucrou.

PMR in VE 18 novembro 2022



A importância da escala logarítmica num gráfico

Num estudo ou análise de um gráfico, quanto maior é o período de tempo, a volatilidade ou a taxa de crescimento de determinado ativo financeiro ou indicador económico, sobretudo o PIB, maior é a necessidade de se utilizar um gráfico corrigido pela função logarítmica. É importante usar um gráfico com uma escala logarítmica, em vez de linear, melhorando, assim, a perceção da realidade, nomeadamente das cotações de ações de empresas bastante voláteis ou que apresentem crescimentos acentuados, como é o caso das ações de empresas tecnológicas, ou no estudo da evolução do PIB de um país, sobretudo no longo prazo e que exiba taxas de crescimento elevadas.

Por exemplo, na análise dos crescimentos económicos dos últimos 50 anos nos EUA ou na China, países que apresentam consideráveis ritmos de crescimento do PIB, nomeadamente o país asiático, num gráfico normal, isto é, de escala linear, os valores dos primeiros anos são muito pouco percetíveis, aparentando mesmo uma economia estagnada, mas os últimos anos mostram crescimentos económicos cada vez mais robustos. No longo prazo e perante rápidos crescimentos, a configuração de um gráfico linear apresenta-se exponencial, estando a base sempre a aumentar, caso da evolução de um PIB de uma economia robusta, excetuando períodos de recessão.  

O PIB real chinês de 15,8 biliões de dólares em 2021 é dobro dos 7,55 biliões em 2010, logo o atual crescimento económico de 5% representa um acréscimo de riqueza de 10% em 2010. Em suma, atualmente a China precisa de crescer apenas metade do que crescia em 2010, para ter o mesmo acréscimo de bens e serviços. O PIB real dos EUA (ano base 2012) quadruplicou desde o início da década de 1970 até ao final de 2021, de 5 biliões para 20 biliões de dólares. Nesse mesmo período, o PIB real da China (ano base 2015) aumentou 81 vezes, de 194,5 mil milhões para 15,8 biliões de dólares, ou seja, a produção de bens e serviços na China aumentou 81 vezes.
Este crescimento é muito maior em termos nominais, calculado a partir dos preços e valores de determinado produto ou serviço, isto é, incluindo a inflação. O PIB nominal dos EUA aumentou 23 vezes de 1970 a 2021, de 1 bilião de dólares para 23 biliões. Nesse mesmo período, o PIB nominal chinês aumentou 221 vezes, de 79,7 mil milhões de dólares para 17,73 biliões, mais visível e acentuado após a chegada de Deng Xiaoping ao poder em 1978 e com a entrada da China no OMC em 2001.

O PIB nominal, ou seja, a preços correntes, tem em conta a inflação, sendo determinado pelos preços de todos os bens e serviços produzidos. O PIB real, ou seja, a preços constantes, não considera o efeito da inflação, representando o volume físico de todos os bens e serviços produzidos num ano. Se a função logarítmica ajuda muito na interpretação de um gráfico do PIB real, muito mais auxilia num gráfico ainda mais inclinado como o do PIB nominal.

E os índices acionistas são nominais, ou seja, incluem também a inflação, representando alguns o PIB da sua região, ainda que de forma insuficiente, como o S&P 500 nos EUA, onde uma análise com um gráfico logarítmico é mais fiável. Os gráficos logarítmicos diferem das escalas de preços lineares porque exibem pontos percentuais e não aumentos de preços por ação ou pontos no caso de um índice. Por exemplo, um aumento de €100 para €200 é igual a uma subida de €200 para €400 em termos percentuais, uma alta de 100%. Se as receitas de uma empresa duplicam anualmente, então essas mesmas receitas quadruplicam em dois anos. As receitas da Apple aumentaram 28 vezes desde 2005, os lucros e a cotação subiram ambos 75 vezes nesse mesmo período. Então, é mais percetível a visualização da evolução das cotações num gráfico logarítmico. 


PMR In Jornal de Negócios 18 novembro 2022




quarta-feira, 9 de novembro de 2022

O investimento em ações não é um jogo


Em Portugal é comumente aceite a afirmação de que os mercados acionistas são um jogo. É certo de que no curto prazo poderá parecer para muitos um jogo, devido à volatilidade ditada pela inúmera informação divulgada, por vezes disfarçada de contra informação, que precisa de ser selecionada e esmiuçada, mas é uma perceção totalmente incorreta, sobretudo no longo prazo. É a errada perceção do “jogar na bolsa”, sendo provável que um investidor inexperiente veja a bolsa como um jogo e, por isso, adote uma postura de jogador. Eventualmente, a sorte poderá protegê-lo no curto prazo, mas no longo prazo a probabilidade de sucesso é reduzida, a não ser que nunca aposte contra o mercado ou contra a tendência económica. E à falta de experiência e de conhecimentos económicos e financeiros, o investidor deve socorrer-se de profissionais habilitados. Em suma, no longo prazo é impossível vencer o mercado, tal como é impossível vencer os casinos (os lucros destes são perdas dos clientes).  

O imobiliário é um investimento clássico dos portugueses, que nunca o apelidaram de jogo, mas um índice acionista é também uma opção credível. No longo prazo, o risco dos índices acionistas mais amplos das economias mais avançadas é talvez semelhante ao das obrigações soberanas de elevada classificação (AAA) e em média uma carteira de ações diversificada, quer geográfica quer sectorialmente, oferece retornos interessantes no longo prazo. A compra de um desses índices acionistas é um investimento diversificado na economia. E se as economias dos EUA ou da Europa falhassem estruturalmente, então a consequente deterioração do nível de vida das famílias, ditada pela subida estrutural da taxa de desemprego e diminuição do rendimento, seria tão ou mais grave que as perdas que se verificariam em índices como o S&P 500 ou o Stoxx 600. Por exemplo, se um investidor no início de outubro, e depois das quedas significativas verificadas em setembro, acreditasse na melhoria dos resultados das empresas no terceiro trimestre relativamente ao esperado e numa desaceleração dos aumentos das taxas de juro pelos bancos centrais, refletido num tom menos “hawkish”, adotaria uma posição compradora no mercado e beneficiaria, no caso da aquisição de um ETF sobre o índice acionista Dow Jones, do melhor outubro de sempre, uma alta de quase 14%. Todavia, o comportamento das FAAMG e a reunião da Reserva Federal dos EUA no passado dia 2 de novembro travaram algum do entusiasmo dos investidores, impulsionando os rendimentos do tesouro norte-americano (“yield” a 2 anos atingiu valores de abril de 2007 nos 4,74%). O futuro não é óbvio e os investidores traçam expetativas, umas serão bem-sucedidas e outras não. Os que desconhecem o funcionamento dos mercados apelidam de especulação, num sentido negativo e depreciativo, as expetativas relativas à evolução das ações e das obrigações. Muitos referem que na realidade os especuladores são os grandes investidores institucionais com liquidez suficiente para manipularem e definirem o curso do mercado. No entanto, quem dita o rumo do mercado, nomeadamente o acionista, é a interação de todos os agentes económicos, desde empresas, famílias e Estado, determinando a oferta, o consumo, a evolução da atividade económica e consequentemente o andamento dos índices acionistas.

A venda a descoberto de ações de uma empresa ou índice acionista, denominada de short-selling, é vista como algo negativo para o funcionamento dos mercados e que deve ser afastado na maior parte das vezes. Todavia, a venda a descoberto permite corrigir as ineficiências do mercado, quanto há ausência de vendedores capazes de o fazer. Esta estratégia especulativa, de vender para comprar mais abaixo, surge apenas porque a empresa está sobreavaliada relativamente aos seus fundamentais. Os especuladores estabilizam o mercado e protegem os investidores mais incautos de comprarem mais caro. Os especuladores também só vendem dívida portuguesa, e de outros países, nomeadamente periféricos, se as contas públicas se deteriorarem ou percecionarem menor coesão europeia. O arrojado pacote orçamental expansionista de Liz Truss no final de setembro determinou a desvalorização da libra esterlina e desestabilizou os fundos de pensões britânicos. Os culpados não foram os especuladores, mas a guerra na Ucrânia, a elevada inflação e os efeitos negativos do brexit.  Por exemplo, manter uma moeda atrelada ao dólar com diferentes fundamentais macroeconómicos aos norte-americanos, está sujeita à ação dos especuladores que procuram ganhar com as ineficiências do mercado.

Quando alguém refere que se deve evitar a exposição do fundo de pensões português a ações, e apelida esse investimento de jogo, mostra o seu completo desconhecimento sobre o funcionamento dos mercados acionistas. 

PMR In VE 9 novembro 2022




terça-feira, 8 de novembro de 2022

A especulação e os mercados acionistas

 Quando alguém refere que se deve evitar a exposição do fundo de pensões português a ações, apelidando esse investimento de jogo e abominando também o papel dos especuladores nas bolsas, mostra o seu completo desconhecimento sobre o funcionamento dos mercados acionistas. Desde sempre que os especuladores são vistos pela generalidade dos agentes económicos como personas non gratas, entidades que ganham dinheiro desestabilizando os mercados. Todavia, é impossível ganhar dinheiro nos mercados acionistas e ao mesmo tempo ser desestabilizador. É um trade-off. Um especulador é alguém que procura lucrar com as ineficiências do mercado, nomeadamente avaliações incorretas de empresas, comprando empresas que estão abaixo do seu valor fundamental e vendendo ações que estão sobreavaliadas, estabilizando desta forma o mercado. É certo que um arbitragista também tenta capitalizar com as ineficiências do mercado, mas essas ineficiências são refletidas muitas vezes por distintas cotações de determinada ação em diferentes bolsas. Atualmente, o papel dos arbitragistas é cada vez mais realizado por algoritmos que procuram ineficiências pontuais de alguns minutos, segundos ou milésimos de segundo.


Os mercados não são eficientes, sobretudo no curto prazo, e os preços das ações nem sempre refletem os fundamentais das empresas. No dia a dia o mercado reage desproporcionalmente à divulgação dos dados macro e microeconómicos, existindo sempre oportunidades para os especuladores e arbitragistas, ambos estabilizadores dos mercados acionistas. Especular é delinear várias hipóteses quanto ao futuro, de acordo com expetativas para os fundamentais das empresas.

O papel do especulador resume-se grosso modo a aproveitar as ineficiências do mercado. É uma estratégia relativamente diferente àquela em que um investidor compra determinada ação de uma empresa que considera de elevada qualidade e com potencial de valorização no longo prazo, esperando que o seu investimento dê lucros no longo prazo, adotando por vezes uma postura mais passiva. O especulador é provavelmente mais ativo, um investidor mais de curto prazo, procurando oportunidades onde existem movimentos significativos de preços, devido à volatilidade e incerteza de curto prazo, comprando ações que ficam baratas em termos fundamentais e vendendo títulos que estão mais caros. Há ainda mais uma vantagem na atividade especulativa, o aumento de liquidez que os especuladores proporcionam ao mercado acionista devido à sua postura ativa, permitindo aos investidores que pretendam investir ou desinvestir no mercado o façam a preços mais favoráveis. Os especuladores nos mercados acionistas protegem os investidores mais incautos de comprarem mais caro. No longo prazo os preços das ações tendem para o seu real valor. Um mercado de ações no longo prazo tende a ser eficiente, nomeadamente um índice acionista mais amplo, refletindo a evolução da economia. Os índices acionistas mais amplos geográfica e sectorialmente das economias avançadas são uma opção tão válida quanto a compra de obrigações soberanas de qualidade “AAA”, com a vantagem de entregarem melhores retornos. Em boa verdade, poderemos, isso sim, considerar nefasta especulação o açambarcamento de mercadorias que agrava ainda mais o fenómeno inflacionista.

Em suma, os especuladores de ações que ganham dinheiro com a sua estratégia estabilizam o mercado. Se perderam dinheiro é porque a sua análise relativa aos fundamentais da empresa estava errada. No final os mercados e a economia têm sempre razão e os especuladores que perderam dinheiro tendem a ser afastados.

PMR In Jornal de Negócios 7/11/2022




sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Ciclo económico e correlação entre ações e obrigações

Há uma perceção generalizada de que quando o valor das obrigações sobe, as ações normalmente desvalorizam e vice-versa. No entanto, uma correlação positiva ou uma relação inversa entre a evolução dos preços das ações e das obrigações depende muito da fase do ciclo económico, refletida quer pelo grau de crescimento económico, quer pelo nível de inflação. Poderemos, então, definir quatro diferentes fases.


Atualmente, a economia encontra-se numa fase inflacionista e de fraco crescimento económico, ou seja, um cenário de quase estagflação, afastado apenas pela taxa de desemprego baixa e pela resiliência do mercado de trabalho. Nesta fase os bancos centrais aumentam as taxas de juro, tentando travar a elevada inflação. As obrigações são penalizadas pela alta dos juros e as ações, sobretudo aquelas mais sensíveis às taxas de juro, apresentam também um desempenho desfavorável, refletindo, assim, a atual correlação positiva e direta entre a evolução das obrigações e das ações. Desde o início do ano as obrigações e ações desvalorizam significativamente, apresentando em conjunto um dos piores desempenhos dos últimos 50 anos.


Uma outra fase é definida pelo forte crescimento e pela elevada inflação. Neste estágio, a tendência de alta das taxas de juro, para refrear as pressões inflacionistas, penaliza as obrigações, mas as ações tendem a refletir um desempenho favorável diante da robusta atividade económica e das perspetivas de melhores receitas e lucros para as empresas. Por isso, numa fase com estas características, a correlação entre a ações e obrigações é habitualmente negativa.


Numa terceira fase, marcada pelo fraco crescimento económico e pela inflação baixa, as obrigações tendem a mostrar-se resilientes e a valorizar, nomeadamente as soberanas, devido à postura monetária expansionista dos bancos centrais, refletida na redução das taxas de juro para impulsionar a atividade económica. Todavia, as ações tendem a ser penalizadas pela fraca atividade económica ou mesmo recessão, prejudicando também as obrigações das empresas.


Numa quarta e última fase, caracterizada por baixa inflação e forte crescimento económico, as ações tendem a registar um desempenho melhor, espelhando uma atividade económica mais robusta. No entanto, a baixa inflação é acompanhada pela manutenção das taxas de juro em níveis baixos, penalizando as obrigações com risco taxa de juro. Contudo, poder-se-á observar alguma valorização das obrigações, ganhos mais concentrados nas obrigações de empresas, devido ao menor risco de crédito determinado pelo crescimento económico e melhor ambiente para a atividade das empresas. Esta conjuntura de baixa inflação e de elevado crescimento é das mais favoráveis para as ações.


Em momentos de incerteza e volatilidade nos mercados acionistas, as obrigações tendem a ser um porto seguro e a correlação negativa é uma realidade, dando lugar à valorização das obrigações e queda dos preços das ações, fenómeno conhecido por ”flight-to-quality”. No entanto, se a incerteza e a volatilidade nos mercados financeiros forem extremas, como aconteceu em outubro de 2008 e em março de 2020, então a desvalorização em simultâneo de ações e obrigações, bem como de metais e de produtos agrícolas, é uma realidade, apresentando-se o dólar americano como um dos poucos ativos de refúgio, caracterizado pela preferência por liquidez. 


É importante olhar de forma desagregada para cada classe de ativos. Por exemplo, ações de crescimento e de valor tendem a apresentar desempenhos diferentes em cada fase do ciclo económico. Também nas obrigações deveremos olhar de maneira diferente para o soberano e para o “corporate”, bem como para os “ratings” melhores ou mais fracos (“investiment grade” ou “high yield”), risco de crédito, risco de taxa de juro e risco de liquidez.


Em suma, e regressando ao momento atual da economia, uma descida da inflação nos próximos meses reduziria o risco de taxa de juro e impulsionaria as obrigações, mais as soberanas com melhores “ratings”, mas também as obrigações de empresas de qualidade. As ações também tenderiam a registar um desempenho melhor, diante de uma menor inflação, sobretudo aquelas mais sensíveis às taxas de juro. Ou seja, com a diminuição da inflação e consequente baixa dos juros, os títulos com maior “duration”, mais sensíveis aos juros, tendem a registar um comportamento positivo. Mais crescimento económico seria positivo para as ações em geral e para as obrigações com risco de crédito.

PMR in VE 2/11/2022







quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Açambarcamentos, inflação, juros e BCE

Na Zona Euro a inflação é sobretudo do lado da oferta e tem sido predominantemente impulsionada pelo aumento acentuado dos preços da energia. Não é uma inflação estimulada pela procura, por vezes sinalizando um crescimento económico robusto, cujo aumento da procura está desfasado da resposta da oferta. Nas últimas décadas o crescimento económico foi caracterizado por baixa inflação, reflexo muitas vezes do excesso de capacidade instalada nas economias avançadas, validando a lei de Say, de que a oferta cria a sua própria procura. As empresas criam necessidades que os consumidores desconhecem, sobretudo no setor tecnológico, desde telemóveis e relógios inteligentes, às redes sociais e à computação em nuvem. Certo é que no último ano a oferta agregada na economia da Zona Euro tem desacelerado significativamente e o Banco Central Europeu (BCE) esforça-se nos últimos meses para ajustar a já frágil procura agregada à menor oferta. Esta firme postura monetária contracionista do BCE pressiona ainda mais a já vulnerável economia da Zona Euro, nomeadamente do centro da Europa, penalizada essencialmente pela elevada dependência do gás natural russo, aumentando a probabilidade de uma recessão em toda a área do euro.  

 

Caso a inflação persista elevada nos próximos trimestres e o BCE continue decidido em combatê-la com uma cada vez mais agressiva alta dos juros, a futura discursão deixará de ser se haverá ou não recessão em toda a Zona Euro, mas quão acentuada será essa mesma recessão em 2023. Caso os juros do BCE superem significativamente a taxa de juro natural da economia, na Zona Euro poderá andar entre os 1,5% e os 2%. É uma tarefa hercúlea, destinada talvez ao insucesso, combater com o aumento dos juros uma inflação maioritariamente do lado da oferta e determinada pela dependência externa da Zona Euro, nomeadamente dos combustíveis fósseis, culminando numa inflação importada. É certo que a guerra na Ucrânia acelerou ainda mais a inflação energética e agravou os preços dos alimentos, mas efetivamente a indesejável inflação na Zona Euro está cada vez mais generalizada e os preços dos serviços vêm também acompanhando este contínuo aumento de preços. Diante da potencial reposição de algum poder de compra, após uma quebra significativa do rendimento disponível das famílias, nomeadamente das assalariadas, cresce também a probabilidade de uma espiral salários/inflação, aumentando a possibilidade de um cenário de estagflação à semelhança do da década de 1970.   

 

Mas como é que a inflação persiste em economias com excesso de capacidade instalada? Os problemas nas cadeias de abastecimento, espoletados pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, não explicam tudo. O açambarcamento também faz parte dessa equação, existindo agentes económicos que procuram lucrar com a alta dos preços. Alguma da inflação existente do lado da oferta estará, provavelmente, a ser impulsionada também pelos nefastos açambarcamentos, agudizando as dificuldades nas cadeias de abastecimento, um dos fenómenos que mais agrava a inflação. A aquisição de quantidades de bens superiores às necessidades de abastecimento normal dos respetivos compradores, agudiza ainda mais a escassez e impulsiona a inflação, penalizando a economia e acentuando as desigualdades na distribuição do rendimento. O açambarcamento é realizado por agentes económicos que compram mercadorias, recorrendo até por vezes a empréstimos, armazenando-as para revendê-las mais tarde a preços mais elevados, intensificando ainda mais o atual episódio inflacionista. Há um estímulo acrescido a esta prática lesiva da economia sempre que a inflação é substancialmente superior às taxas de juro. Todavia, este fenómeno tende a reverter para uma trajetória deflacionista se a alta dos juros travar a procura e as mercadorias precisarem rapidamente de compradores.

Os “pellets”, biomassa para aquecimento e para fornos industriais, triplicaram de preço nos últimos dois anos e são, talvez, um exemplo paradigmático na compreensão de alguns dos problemas nas cadeias de abastecimento. Em 2020 um saco de “pellets” de 15 kg custava pouco mais de 3 euros e hoje o preço ronda os 10 euros. A procura tem sido elevada na Europa e há consumidores em Portugal que compraram quantidades significativas o ano passado, antecipando escassez e subida de preços, alimentando uma espiral de alta de preços. Mas os consumidores são racionais e, à medida que os preços sobem, substituem gradualmente a caldeira a “pellets” por ar condicionado ou bomba de calor, uma vez que o preço da eletricidade no mercado regulado não teve subidas significativas. Esta postura diminuirá o preços dos “pellets” e se o inverno for menos rigoroso do que antecipado, a descida pode acelerar ainda mais. No que concerne também à energia, o preço do gás natural tem descido e assiste-se já a excesso de oferta. Ainda esta semana, o gás natural holandês, o TTF, e o do Texas, o “permian”, para entrega imediata foram negociados a preços negativos, refletindo as limitações de armazenagem. Se o açambarcamento é inflacionista, a sua reversão é deflacionista.   

PMR In VE 26 outubro 2022





quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Touros e ursos intensificam luta

Os principais índices acionistas norte-americanos e europeus descem há três trimestres consecutivos e o S&P 500 teve o pior setembro desde 2002. Tendencialmente, o mercado acionista, nomeadamente o índice S&P 500, tem-se mostrado resiliente junto à média móvel de 200 semanas, atualmente nos 3600 pontos, e pelo menos nos últimos 60 anos apenas quebrou essa fasquia em períodos de recessão económica. Foi assim nas recessões de 1970, 1974-75, também nas de 1980 e 1981-82, nestas duas a visibilidade foi menor, mas existiu, nas de 1990-91, 2001, 2008-09 e 2020.

No entanto, não se perspetiva uma recessão nos EUA este ano, apesar da contração do PIB no primeiro semestre. O mercado de trabalho norte-americano mantem-se robusto e a melhoria das contas externas dos EUA é uma realidade. O défice comercial tem diminuído consecutivamente desde os mínimos de março e deverá contribuir, em parte, para um crescimento do PIB no terceiro trimestre, que o GDP Now da Fed de Atlanta estima que se fixe em 2,8%. Para 2023, a Reserva Federal dos EUA (Fed) espera um ligeiro crescimento económico de 1,2%, mas na atual conjuntura as incertezas a vários trimestres de vista são muito elevadas.

As notícias não têm sido favoráveis. Desde a instabilidade das políticas orçamental e monetária no Reino Unido que tem ditado uma relativa anarquia no mercado obrigacionista britânico, à crescente crise energética na Europa com a aproximação do inverno e ao abrandamento económico na China refletido cada vez mais pela política “zero covid” e pela crise imobiliária. A inflação norte-americana, excetuando energia e alimentação, alcançou os 6,6% em setembro, o valor mais elevado desde agosto de 1982, penalizada pelas rendas de casa e equivalentes (“shelter”) e cuidados de saúde. Há também a perceção de uma escalada nas tensões geopolíticas globais. Joe Biden impôs um corte no fornecimento de chips à China por parte das empresas norte-americanas e, do outro lado, a postura de Xi Jinping de concentração de poder na sua pessoa, revertendo as principais medidas de Deng Xiaoping, ressuscita os fantasmas de uma China ao modo de Mao Tsé-Tung. Estes comportamentos apenas agravam o processo de globalização, traduzindo-se num mundo com menor crescimento e mais inflacionista, bem como mais perigoso em termos geopolíticos, como temos observado desde o início da invasão russa da Ucrânia.

O número de notícias desfavoráveis são mais do que suficientes para preocuparem até mesmo os investidores mais propensos ao risco. Nos últimos dias, as posições curtas (vendidas) abertas em opções sobre ações pelos investidores de retalho superaram em três vezes, pela primeira vez, as posições longas (compradas), refletindo o nervosismo dos pequenos investidores. A volatilidade do S&P 500 medida pelo VIX está acima dos 30 pontos, máximo dos últimos dois anos, corroborando os receios dos investidores, mas também refletindo um mercado “sobrevendido” e que procura algum alívio. Se porventura os números da inflação de outubro e novembro melhorarem, sobretudo o IPC “core” nos EUA, e os resultados das empresas no terceiro trimestre forem na generalidade acima do esperado e os “profit warnings” limitados, então as probabilidades de um quarto trimestre positivo para o S&P 500 são uma realidade plausível. A um mês ou um trimestre de vista esta hipótese é aceitável. Na recuperação do mercado acionista no passado verão, o S&P 500 alcançou os 4300 pontos em meados de agosto, precisamente a média móvel de 200 dias nessa altura. Atualmente, a média móvel está nos 4153 pontos.

A mais de um trimestre de vista a incerteza é a maior certeza. A enérgica e rápida subida dos juros pela Fed, visando ajustar a procura à oferta, no combate à inflação mais elevada dos últimos 40 anos, terá provavelmente um substancial impacto na economia. As projeções atuais antecipam que o topo dos juros da Fed seja alcançado na primeira reunião de 2023, em 1 de fevereiro, no intervalo de 4,75% a 5%, uma probabilidade de 80% de acordo com os futuros negociados na bolsa de derivados de Chicago. Entretanto, são aguardadas duas altas de 75 pontos nas próximas reuniões da Fed, em 2 de novembro e em 14 de dezembro. A atual flexibilidade da economia, adormecida e habituada a juros bastante baixos, é muito reduzida, após um longo período de mais de 10 anos de taxas de juro médias muito próximas de zero. Um erro do banco central dos EUA é uma probabilidade crescente, podendo existir um eventual excesso de zelo. Após a atual fase inflacionista e diante da agressiva postura da Fed, a possibilidade de um período deflacionista não é de descartar.

Mas em caso de um aumento do “risk-on” no presente trimestre, a força do dólar tenderia a diminuir, aliviando muitas multinacionais norte-americanas. Também qualquer ligeira reversão em baixa nas expetativas da inflação poderia atenuar as perdas do mercado obrigacionista, nomeadamente o soberano. Entretanto, a luta entre touros e ursos intensifica-se e os investidores procuram um rumo, acertando no “bullseye” do mercado.

PMR in VE 19/10/2022








sexta-feira, 14 de outubro de 2022

A inflação, as Euribor e o crédito à habitação

  

A política monetária do Banco Central Europeu (BCE), influenciada pelas expectativas quanto à evolução futura da inflação, determina geralmente as taxas de juro nos diferentes prazos e é a principal razão para as divergências que existem entre as várias taxas Euribor, nomeadamente as dos prazos a 3, 6 e 12 meses, as mais utilizadas como indexantes no crédito à habitação.


Habitualmente, a taxa de juro de um determinado prazo reflete a taxa de juro de um prazo inferior, acrescida das expectativas para a evolução da taxa de juro nesse mesmo período. Por exemplo, no dia 30 de setembro a taxa de juro diária da Zona Euro, a taxa “overnight” denominada de €STR, determinada pelo BCE de acordo com os relatórios estatísticos do mercado monetário do Eurosistema, fixou-se nos 0,642% e a Euribor a 3 meses nos 1,176%. O diferencial entre estas duas taxas representa as expectativas quanto à evolução das taxas de juro nos próximos 3 meses, de acordo com as perspetivas para a evolução da inflação nesse mesmo período. Quanto mais elevadas forem as expetativas para a inflação, mais elevadas serão também as probabilidades de os bancos centrais aumentarem as suas taxas de juro num horizonte temporal muito próximo.    

 

Na maioria das vezes, as taxas Euribor tendem a subir à medida que os prazos aumentam, nomeadamente quando se espera uma subida da inflação. Atualmente a diferença entre os prazos mais curtos e os mais longos tende a ser ainda mais visível e acentuada, refletindo as elevadas expetativas para a inflação na Zona Euro. A Euribor a 6 meses cotou no dia 30 de setembro a 1,809% e a Euribor a 12 meses bastante mais acima nos 2,556%, porque as expetativas para a inflação são elevadas, bem como se espera que o BCE acelere a sua política monetária contracionista de alta dos juros nos próximos meses para travar essa mesma inflação indesejável.  

 

A diferença das Euribor para outros indexantes de outras geografias fora da Zona Euro reflete, além das diferentes perspetivas para a inflação e evolução dos juros pelos diferentes bancos centrais, o risco subjacente a cada região.

 

Nos diferentes prazos da Euribor, a 3, a 6 e a 12 meses, qual seria a escolha mais acertada num crédito à habitação? Em boa verdade, tudo depende da evolução da inflação nos próximos meses, nos trimestres que se avizinham. Por exemplo, uma Euribor a 3 meses tem um juro subjacente bastante mais barato do que a 12 meses, mas esse mesmo juro, associado a um crédito à habitação, será renovado trimestralmente e as condições poderão ser muito diferentes diante da elevada incerteza, sobretudo nos próximos meses. Quando se realizar o novo acerto para Euribor a 12 meses, já a Euribor a 3 meses teve quatro revisões. Se a inflação tiver um pico de alta no próximo inverno e se ajustar gradualmente em baixa a seguir à primavera de 2023, a Euribor a 12 meses poderia ser mais vantajosa. Todavia, se a inflação se mantiver bem ancorada em alta, se se mantiver persistente, os juros tenderão a subir ainda mais e a penalizar provavelmente mais a Euribor a 12 meses. É uma questão de perspetivas para a inflação e consequentes respostas do BCE.

Em suma, quem tem por exemplo um crédito à habitação indexado a uma Euribor a 3 meses está a fixar o seu custo a 3 meses. Quem tem Euribor a 12 meses, fixa o seu custo a 12 meses.

 

As perspetivas quanto à evolução da Euribor dependem não só das expectativas para a inflação, mas também da postura do BCE e da evolução do dólar, cuja alta tem aumentado a inflação importada na Zona Euro, pressionando o banco central da área do euro a uma postura cada vez mais agressiva, refletida na expectativa de aumentos significativos dos juros para manter a atratividade da moeda única europeia diante da subida do dólar americano.

 

A evolução da guerra na Ucrânia, uma potencial intensificação da crise energética na Europa no próximo inverno e uma cada vez mais provável recessão na Zona Euro ditarão a evolução das Euribor nos próximos meses. A postura gradualmente mais agressiva do BCE, refletida na alta acentuada dos juros, acelera ainda mais as perspetivas de recessão já de si penalizadas pela agudização da crise energética. Caso a economia da Zona Euro entre numa recessão mais acentuada do que a esperada, a inflação tenderá a abrandar e o BCE poderá mesmo reverter a sua política de alta dos juros, possibilidade que aliviaria, ou inverteria mesmo, a atual tendência de revisão em alta das prestações relativas aos créditos à habitação de muitos portugueses.  

 

Todavia, a incerteza é a única certeza que temos quanto ao futuro das Euribor nos próximos trimestres.  

PMR In VE 4 outubro 2022



Balanço económico global do terceiro trimestre

 

A economia global continua a enfrentar consideráveis desafios, materializados sobretudo nos efeitos persistentes de três importantes forças: a invasão da Ucrânia pela Rússia, a crise do custo de vida determinada pelas crescentes e generalizadas pressões inflacionistas e a desaceleração da economia chinesa.

Os principais indicadores de atividade europeus, nomeadamente os germânicos Ifo e Zew, refletem uma economia em forte desaceleração e perspetivam uma recessão à medida que o inverno se aproxima e a crise energética se intensifica. A inflação ainda não deu sinais de abrandamento na Europa e atingiu os dois dígitos em algumas geografias, sendo esse fenómeno mais visível nas economias mais dependentes do gás natural russo. Em setembro a inflação homóloga alemã alcançou os 10%. Todavia, a elevada inflação tem permitido consolidar as contas públicas de algumas economias europeias, criando “almofadas” capazes de responderem a um eventual agravamento da crise económica nos próximos trimestres. As contas externas continuam a deteriorar-se, fortemente atingidas pela dependência externa europeia dos combustíveis fósseis. No entanto, o mercado de trabalho mantém-se relativamente resiliente. A taxa de desemprego na Alemanha subiu apenas 0,1 pontos percentuais no terceiro trimestre para os 5,5% em setembro. Mas os indicadores de atividade medidos pelos PMI e o sentimento do consumidor continuam a degradar-se na Europa, corroborando um cenário de recessão ainda este ano ou em 2023. A par da crise energética na Europa, a intensificação da postura agressiva do Banco Central Europeu (BCE) tem aumentado também o risco de uma recessão.

Nos EUA, apesar de um ligeiro abrandamento da inflação, em resultado da diminuição dos preços dos combustíveis fósseis, os números do Índice de Preços no Consumidor, excluindo alimentação e energia, persistem elevados e junto aos máximos dos últimos 40 anos. Mas o mercado de trabalho mantém-se resiliente e a taxa de desemprego baixou para os 3,5% em setembro. As ofertas de emprego permanecem elevadas e superam 1,7 vezes o número de desempregados norte-americanos, sustentando a alta dos salários e reforçando o comportamento contracionista da política monetária da Reserva Federal dos EUA (Fed), concorrendo para uma desaceleração económica que poderá culminar numa recessão. No entanto, o crescimento da massa salarial desacelerou para 5% em termos homólogos em setembro.
O défice da balança dos EUA tem melhorado e as contas externas deverão contribuir para uma recuperação do produto no terceiro trimestre, após uma contração da economia no primeiro semestre. O GDP Now da Fed de Atlanta antecipa um crescimento do PIB dos EUA de 2,9% no terceiro trimestre.
Os futuros associados à evolução das taxas de juro da Fed, negociados na bolsa de derivados de Chicago, anteveem uma alta de 75 pontos base na próxima reunião no dia 2 de novembro, cuja probabilidade é de 80%, e uma subida de pelo menos mais 50 pontos base, cuja probabilidade é de 91%, na última reunião no dia 14 de dezembro, encerrando o ano no intervalo de 4,25% a 4,50%.

Na China, os sucessivos confinamentos localizados, ditados pela política “zero covid”, têm penalizado a segunda maior economia do mundo, especialmente no segundo trimestre de 2022. Além disso, o setor imobiliário, representando cerca de um quinto da atividade económica chinesa, tem abrandado significativamente. Assim sendo, e dada a significativa dimensão da economia chinesa, cerca de 18% do PIB mundial em 2021, e sua importância para as cadeias de abastecimento globais, o comércio internacional tem sido penalizado e o ritmo de globalização tende a desacelerar, realidade crescente desde o primeiro confinamento pandémico na primavera de 2020, acelerada pela guerra na Ucrânia. Em boa verdade, a pandemia e a guerra na Ucrânia têm moldado substancialmente o mundo e a economia.    

O FMI estima que mais de um terço da economia global entre em recessão este ano ou no próximo, enquanto as três maiores economias, EUA, União Europeia e China, continuarão a desacelerar. O FMI refere no seu relatório de outubro que “o pior ainda está por vir, e para muitos pessoas 2023 parecerá uma recessão.”

PMR In VE 14 outubro 2022



quarta-feira, 28 de setembro de 2022

As expectativas para a inflação e a curva de Phillips


A curva de Phillips representa a relação inversa entre inflação e desemprego, ou seja, quando o emprego aumenta, a inflação tende a aumentar também. E essa correlação será tanto mais significativa quanto mais peso tiverem os salários na estrutura de custos de uma empresa e, em termos mais generalizados, na economia como um todo. Nos EUA o peso dos salários corresponde atualmente a cerca de 45% do PIB e os juros, rendas e lucros respondem pelo remanescente. Certo é que são os rendimentos do trabalho, ou seja, os salários que mais influenciam a procura, a evolução do consumo e por conseguinte os índices de preços no consumidor e respetiva inflação.

A maioria da população é assalariada e geralmente tem apenas esse rendimento. Quem usufrui de outros rendimentos como juros, rendas e lucros, além dos salários, tem habitualmente um património financeiro considerável e não são oscilações do mesmo que influenciam a sua postura mais ou menos consumista. Além de que a propensão marginal ao consumo tende a diminuir à medida que o rendimento aumenta, logo rendimentos elevados são quase irrelevantes na evolução da inflação. É mais dinheiro na mão de muitas pessoas, e não mais dinheiro na mão de poucas pessoas, que perseguem mais produtos e impulsionam os preços do cabaz de bens e serviços que serve de referência à taxa de inflação.

Sendo assim, é a grande maioria das pessoas assalariadas, excluindo os que usufruem de remunerações mais elevadas, juntamente também com os rendimentos daqueles que auferem montantes menos relevantes de juros, rendas e lucros (mais nos EUA onde as pessoas têm parte do seu património em bolsa), que influenciam a evolução dos preços dos alimentos, do vestuário, da educação, da saúde, das telecomunicações, dos carros e o valor das rendas de casa que pesam um terço no índice de preços no consumidor dos EUA.

Posto isto, a curva de Phillips, grosso modo, é a relação direta entre salários e desemprego. Se o custo da mão de obra subir, as empresas terão mais dificuldade em contratar trabalhadores, a não ser que existam ganhos relevantes de produtividade. Tal como se a taxa de desemprego aumentar, os trabalhadores estarão disponíveis para trabalhar mais barato e vice-versa.

Apesar de a curva de Phillips ser muito útil e válida numa perspetiva de curto prazo, ela perde grande parte da sua racionalidade no longo prazo. No curto prazo, as expectativas para inflação estão ancoradas habitualmente em níveis baixos, muito devido às perceções nominais dos agentes económicos (ilusão monetária de Keynes), mantendo válido o trade-off entre a taxa de desemprego e a taxa de inflação. Mas tudo muda numa perspetiva de longo prazo. Imaginemos que um governo num período pré-eleitoral opta por uma política económica expansionista, promovendo o aumento do emprego e a construção de estradas, pontes, escolas e hospitais. Diante dos estímulos orçamentais, as empresas vão contratar mais trabalhadores, a taxa de desemprego desce e a taxa de inflação sobe, encontrando um novo ponto de equilíbrio mais à esquerda na curva de Phillips. Se os estímulos monetários, os créditos baratos e os orçamentos despesistas permanecerem durante algum tempo, os trabalhadores começam gradualmente a associar essas mesmas políticas expansionistas à inflação que, entretanto, surgiu e vão reivindicar salários mais elevados. Perante uma inflação ancorada agora em níveis mais altos, as perceções nominais de curto prazo dos agentes económicos passam a ser gradualmente perceções reais. O aumento do custo da mão de obra desincentiva as empresas a contratarem e a produção diminui novamente para o ponto inicial, mas agora a uma taxa de inflação mais elevada. Ou seja, perante a dinâmica das expetativas adaptativas, um crescimento mais rápido dos preços, portanto, quase certamente leva a um crescimento mais rápido dos salários. Da mesma forma, o crescimento salarial mais rápido aumenta o custo de produção e este é repassado aos preços sempre que possível, caso contrário os lucos descem e a probabilidade de falência aumenta, e toda este processo ocorre em crescente círculo vicioso. Este fenómeno tende a ser substancialmente agravado se existir um choque externo, uma crise energética como a da década de 1970, culminando numa forte subida da inflação importada e expectativas mais elevadas para a inflação, tal como é atualmente observado, nomeadamente na Europa. Por isso, no longo prazo, a inflação tem pouco efeito sobre o desemprego e vice-versa e a curva de Philips tende a ser vertical, a denominada NAIRU (Non Accelerating Inflation of Rate Unemployment), ou seja, a taxa de desemprego que não “acelera” a inflação, significando que a taxa de desemprego acima da NAIRU não gera inflação, mas apenas abaixo.

A Fed precisa desesperadamente de manter as expectativas de inflação o mais baixo possível, especialmente as expectativas de curto prazo, que podem ser incorporadas aos salários nominais e ao crescimento dos preços. O argumento mais convincente para uma perspetiva de inflação benigna é que as expectativas de inflação de longo prazo permaneceram ancoradas onde os bancos centrais precisam que elas estejam, ou seja, nas economias avançadas nos 2%. Por exemplo, o duplo mandato da Fed de pleno emprego sustentável e estabilidade de preços manteve-se nos últimos 10 anos, refletindo uma curva de Phillips quase horizontal, praticamente achatada. E os economistas ocidentais, nomeadamente os norte-americanos, consciencializaram-se de que a economia pode sustentar um desemprego muito menor do que pensavam sem níveis preocupantes de inflação, mas os fatores deflacionistas nas últimas décadas como os avanços tecnológicos e a globalização, sobretudo com a entrada da China na Organização Mundial do Comércio, contribuíram consideravelmente para a baixa inflação nas economias avançadas, associada a baixo desemprego. Por isso, convém sublinhar que a curva de Phillips não implica que o crescimento causa inflação. Bem pelo contrário, o aumento do crescimento, tudo o mais constante, reduzirá a inflação no longo prazo. A inflação é sempre, e em toda parte, um fenómeno monetário.

Por último, de acordo com os dados da Reserva Federal de Nova Iorque e da Universidade de Michigan, as expetativas para a inflação norte-americana “a 12 meses” desancoraram-se no final do primeiro semestre de 2021, quando superaram os 4%. Esta superação foi também observada em 1990, 2008 e 2011, mas durante apenas alguns meses. Nas últimas quatro décadas, as expetativas para a inflação a 12 meses andaram normalmente centradas entre os 2,5% e os 3,5%. À volta dos 3,5% nas décadas de 1980 e 1990 e em torno dos 2,5% nas últimas duas décadas de 2000 e 2010. Atualmente, as expetativas para inflação estão desancoradas, ou seja, acima do que seria desejável, há cerca de um ano e meio, mas têm diminuído nos últimos meses, de 5,4% em abril para 4,6% em setembro, a de Michigan, e de 6,8% em junho para 5,7% em agosto, a de Nova Iorque. Se as expetativas para a inflação continuarem a desacelerar nos próximos meses impulsionadas pela descida do preço da gasolina, pela queda das rendas de casa e abrandamento da alta dos salários, a atual postura da Fed de não esperar para ver os resultados da subida dos juros poderá pecar por excesso de zelo.


PMR In VE 28 setembro 2022




quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Petróleo e gás natural, armas estratégicas de dois mundos

Em resultado do choque petrolífero de 1973-1974, o preço do barril de petróleo quase quadruplicou em menos de um ano. Esta crise energética teve início com o embargo de várias nações árabes produtoras de petróleo, lideradas pela Arábia Saudita, aos países que apoiaram Israel na guerra do Yom Kippur, de 6 a 25 de outubro de 1973, conflito travado entre Israel e uma coligação de países árabes encabeçados pelo Egito e pela Síria. As nações inicialmente visadas pelo bloqueio foram o Canadá, o Japão, a Holanda, o Reino Unido e os EUA, embora o embargo se tenha estendido mais tarde a Portugal e outros países.

À semelhança do respaldo a Israel na guerra israelo-árabe em 1973, também atualmente o ocidente e demais democracias apoiam a Ucrânia no conflito no leste europeu. A este apoio a Rússia responde com um embargo de gás natural, designadamente à Europa, postura que muito provavelmente redundará numa recessão económica na Alemanha no próximo inverno, uma das economias mais vulneráveis e dependentes dos combustíveis fósseis russos. À medida que a crise energética se agrava e se alastra, outras economias ocidentais deverão entrar em recessão, tal como aconteceu em 1974 e 1975.

Mas se na década de 1970 a produção de petróleo dos EUA garantia apenas cerca de metade das necessidades de consumo do país, hoje os norte-americanos estão mais bem preparados, são autossuficientes em petróleo, são o maior produtor mundial de gás natural e o segundo maior exportador global deste hidrocarboneto, logo a seguir à Rússia. Na última década, e graças ao “shale oil”, os EUA ascenderam também a maior produtor global de petróleo, cuja produção contribuiu para estabilizar os preços desta matéria-prima energética em níveis mais baixos nos últimos 12 anos, dificultando a política de preços dos países da OPEP que responderam com a criação da OPEP+ em 2017, novo cartel que passou a integrar grandes produtores de petróleo, tais como a Rússia, o México e o Cazaquistão. É a partir deste ano que o “shale oil” perde gradualmente poder de fixação de preços, perda essa acelerada nos últimos dois anos pela pandemia e pelo desinvestimento em novas prospeções, em parte resultado do aumento das remunerações dos acionistas das empresas de “Shale oil” depois de décadas de muitos investimentos e poucos retornos.

Uma segunda crise energética surgiu em 1979, após a revolução iraniana e a queda do Xá do Irão, e mais uma vez redundou numa recessão global impulsionada pelo aumento do preço do petróleo, cuja cotação do barril triplicou em menos de um ano.

Os choques energéticos de 1973 e 1979 elevaram em simultâneo a taxa de inflação e a taxa de desemprego, invalidando os pressupostos da curva de Phillips, um fenómeno económico novo que foi apelidado de estagflação. A subida dos salários, que já existia incipientemente antes do choque petrolífero de 1973, tornou-se uma realidade nos anos seguintes com os trabalhadores a procurarem manter o seu poder de compra, culminando numa espiral salários/inflação. Também hoje em dia, apesar do menor poder sindical, a alta dos salários nos EUA de 5,2% em agosto, relativamente ao mês homólogo do ano passado, ainda que menor que na década de 1970, despertou de novo os receios dessa espiral.

Paul Volcker, nomeado presidente da Reserva Federal dos EUA (Fed) em 1979, cargo que ocuparia até 1987, muniu-se de uma política monetária energicamente contracionista para baixar as expetativas da inflação enraizadas nos agentes económicos norte-americanos. Por exemplo, as taxas de juro da Fed alcançaram quase 20% em janeiro de 1981. Esta postura desancorou as elevadas expetativas da inflação, mas redundou numa acentuada recessão entre meados de 1981 e o outono de 1982. É certo que as expectativas da inflação baixaram gradualmente ao longo da década de 1980, mas a entrada da China no comércio mundial, após a chegada de Deng Xiaoping ao poder em 1978, bem como o aumento da produção de petróleo, a aceleração da produção de energia nuclear e a descida da intensidade energética (rácio entre o consumo de energia de um país e o seu PIB), foram também variáveis deflacionistas muito importantes para o abrandamento dos preços. A inflação depende não só da interação entre a oferta e procura de moeda, mas também da oferta e da procura de bens e serviços, e um banco central apenas controla uma parte minoritária dessa oferta de moeda, mais especificamente a base monetária.

Tal como o racionamento de energia nos EUA em 1974 e 1975, desde o limite de velocidade à extensão de dois anos do horário de verão, atualmente a Europa quer impor poupanças energéticas no próximo inverno, diminuindo o consumo de eletricidade e de gás. Várias leis foram aprovadas em meados da década de 1970 para reforçar a produção norte-americana de petróleo. É em 1975 que são criadas as reservas estratégicas de petróleo nos EUA para superarem as dificuldades em situações de emergência. Muito provavelmente, é nesta altura que surgem as primeiras consciências ambientais. Na procura de uma maior independência energética, a energia nuclear nos EUA e na Europa acelerou significativamente na década de 1970. Portugal procurou instalar uma central nuclear em Ferrel, concelho de Peniche, em 1976, mas a população de Ferrel manifestou-se contra em 15 de março desse mesmo ano, no primeiro protesto antinuclear no país. A central de Ferrel nunca saiu do papel.


PMR In VE 21/09/2022




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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.