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terça-feira, 30 de março de 2021

O imobiliário e a inflação

A crescente diminuição de habitações para venda e a sólida procura alimentada pelos baixos custos dos empréstimos, fruto da política energicamente expansionista da Reserva Federal dos EUA (FED), deram aos vendedores mais argumentos para subirem os preços. O mês de novembro não dececionou e o Índice de Preços de Casas Familiares nas principais 20 Cidades dos EUA, medido pelo “S&P/Case-Shiller 20-City Composite Home Price Index”, subiu 9,1% em relação ao mês homólogo de 2019, o ritmo mais rápido desde maio de 2014. As compras da FED de 120 mil milhões de dólares mensais de títulos do tesouro e títulos garantidos por hipotecas não conseguem gerar inflação acima dos 2%, mas os preços médios das casas subiram quatro vezes e meia acima desse valor.


Os preços das habitações não diminuíram, nem sequer abrandaram, quando a economia norte-americana entrou em recessão na primavera passada. Não se viu o padrão normal de queda dos preços do imobiliário durante períodos de contração económica, quando a combinação da fraca procura e do excesso de capacidade instalada resultam numa diminuição das pressões inflacionistas, tal como foi observado ao longo da grande recessão de 2008 e 2009. Porém, atualmente os preços do imobiliário continuam a subir, crescem a ritmos crescentes e a aceleração representa o aumento mais rápido desde 2014. Durante a recessão de 2001, o ritmo dos preços das casas abrandou cerca de um terço, enquanto na grande recessão de 2008 e 2009 os preços das casas registaram a maior queda no período pós-guerra, caindo 18,9% em janeiro de 2009 relativamente ao mês homólogo de janeiro de 2008.

Embora a história completa do impacto da pandemia sobre os preços das moradias ainda esteja para ser escrita, os dados dos últimos meses são consistentes com a visão de que a covid-19 encorajou os compradores a mudarem de apartamentos urbanos para residências suburbanas, incentivou os compradores a adquirirem casas maiores para responderem às crescentes tendências de teletrabalho, ensino à distância e acrescida vivência familiar.

O “arrendamento equivalente dos proprietários” calcula o valor da renda mensal que seria equivalente às despesas mensais de possuir um imóvel, de acordo com a pergunta: "Se alguém arrendasse a sua casa hoje, qual seria a renda mensal, sem mobília e sem serviços públicos?"
Desde o início da pandemia, em março do ano passado, o “equivalente a um arrendamento por parte de um proprietário de habitação própria”, que representa cerca de 25% do IPC dos EUA, e as rendas pagas pelos inquilinos, que pesam cerca de 7% no IPC norte-americano, têm crescido a ritmos decrescentes, como o mostra gráfico. Entre novembro de 2019 e novembro 2020, a renda subiu 2.44% e o “equivalente ou custo de deter uma casa” aumentou 2.27%, enquanto que os preços das casas valorizaram 9.1%. Desde maio de 2012, início da retoma do imobiliário, as habitações, as rendas e o “equivalente” subiram 71%, 32% e 27%, respetivamente. Em momentos de recessão, as rendas tendem a desacelerar devido ao menor poder económico das famílias, fruto do aumento do desemprego, e os custos de deter uma propriedade também abrandam por causa dos juros mais baixos, e por vezes redução dos impostos patrimoniais. Por isso, a subida dos preços das casas não gerou inflação no consumidor. Os custos mais baixos de deter uma casa, relativamente ao arrendamento, continuam a impulsionar o mercado imobiliário. 

Paulo Rosa, In Vida económica, 29 de janeiro de 2021



A economia do hidrogénio

O hidrogénio é o elemento mais abundante no universo e da sua combustão resulta apenas vapor de água, o principal argumento para a sua exploração e comercialização. Pode ser utilizado em setores da economia que têm sido difíceis de descarbonizar, como a siderurgia e o transporte marítimo. Também pode servir como meio de armazenamento de longo prazo no setor energético.

O hidrogénio, mais precisamente o H2 (os átomos de hidrogénio costumam movimentar-se em conjunto), fórmula de uma molécula de gás de hidrogénio é utilizado em células de combustível ou motores de combustão interna. Nos últimos um ou dois anos é crescente a discussão sobre a economia do hidrogénio. A cada dia que passa, há um grande player global a alterar a sua forma de produzir hidrogénio ea optar pelo hidrogénio verde.

O hidrogénio verde é aquele que é produzido sem emitir dióxido de carbono, ou seja, é obtido por meio de um processo químico conhecido como eletrólise que usa a corrente elétrica para separar o hidrogénio do oxigénio na água, e cuja eletricidade é proveniente de fontes renováveis. O hidrogénio azul é quando o gás natural é dividido em hidrogénio e dióxido de carbono, sendo o CO2 libertado no processo capturado e armazenado. O hidrogénio cinzento é produzido há muitos anos eé um processo semelhante ao hidrogénio azul, mas o CO2 não é capturado e é libertado na atmosfera. A medida que os gases de efeito de estufa são capturados, isso mitiga os impactos ambientais no planeta. O hidrogénio rosa é feito por eletrólise e usa a energia nuclear como fonte de energia.

A União Europeia (UE) é atualmente líder mundial na produção de células de combustível e no desenvolvimento da tecnologia de hidrogénio e as suas prioridades políticas centram-se nos esforços para construir uma economia baseada no hidrogénio verde, cujas emissões de carbono são zero. No entanto, a China está a alcançar rapidamente a UE, assim como o Japão, os EUA e o Canadá, mas as infraestruturas de gasodutos na UE colocam esta região numa posição de vantagem. AUE terá de reaproveitar os seus gasodutos, nomeadamente de gás natural, para transportar a energia para onde ela é precisa e facilitar o mercado de hidrogénio. No curto prazo, a produção de hidrogénio precisará de estar o mais próxima possível da procura. Por exemplo, a Alemanha ea Dinamarca têm o vento do Mar do Norte para gerar a energia que é transferida por meio de cabos de eletricidade subterrâneos para um eletrolisador. Isso produzirá hidrogénio e alimentará indústrias próximas à eletrólise. Portanto, há este conceito de clusters industriais e vales de hidrogénio, e existem vários consumidores diferentes localizados numa única área, como portos. Então, à medida que os volumes começam a aumentar, o transporte de hidrogénio de longa distância começa a ser uma realidade crescente. Mais de 70% do custo do hidrogénio depende do preço da eletricidade, por isso a Europa tem que minimizar os custos de produção “verde”e procurar zonas onde é possível produzir energia renovável de maneira barata, como a eólica no Norte ea solar no Sul.

Mais tarde, a UE terá de reaproveitar os seus gasodutos para transportar a energia para onde ela é necessária e facilitar o mercado do hidrogénio no espaço económico europeu.

Atualmente, uma das grandes barreiras ao investimento em hidrogénio renovável é o princípio da adicionalidade, uma diretiva da UE espelhada no “green deal” europeu, que exige que os produtores de hidrogénio renovável provem não só que a eletricidade que usam para a produção é proveniente de uma fonte adicional de eletricidade, ou seja, uma fonte renovável, mas também que “deve haver um elemento de adicionalidade, o que significa que os produtores de combustível de hidrogénio estão a adicionar a implantação e desenvolvimento renovável ou a financiar a produção de energia renovável”.

PAULO ROSA Economista Sénior do Banco Carregosa 26 de fevereiro 2021


A inflação é um risco? Para já, não...

Recentemente, a inflação regressou à mente dos investidores e alguns questionam-se como devem posicionar as suas carteiras para enfrentarem este potencial fenómeno de subida dos preços, ainda que temporariamente, como é atualmente esperado. Neste momento, há uma série de pressões inflacionistas que os investidores devem monitorizar.

O Presidente da Reserva Federal dos EUA (FED), Jerome Powell, tem minimizado as preocupações relativas à inflação, e refere mesmo que “os preços permanecem particularmente baixos”, mesmo para os setores que foram mais fortemente atingidos pela pandemia. Powell está correto. Quando medimos a inflação pelo indicador mais utilizado pelo Governo norte-americano, o índice de preços no consumidor (IPC), os preços subiram apenas 1,4% em janeiro, em termos anualizados, bem abaixo do objetivo da FED para a estabilidade de preços de 2%. Nos últimos 10 anos, a leitura mensal do IPC foi em média de 1,7%. Mesmo o indicador privilegiado pela FED para aferição da inflação, o PCE (despesas de consumo pessoal), nomeadamente o core, foi de 1,5%, ano a ano, em janeiro.

No entanto, há muitos preços que estão a aumentar a nível mundial, designadamente as commodities agrícolas, os metais industriais e o petróleo. De acordo com o índice de Preços de Alimentos da FAO, das Nações Unidas, o cabaz das commodities alimentares subiu pelo oitavo mês consecutivo em janeiro e registou a maior média mensal desde julho de 2014.

O aumento dos preços dos alimentos é, em grande parte, justificado pela considerável subida dos custos dos transportes internacionais. As sucessivas e crescentes interrupções nas cadeias de abastecimentos, quer pela falta de contentores quer pelo crescente congestionamento portuário, aumentaram o custo de envio de um contentor de 12 metros para mais de 4000 dólares, em comparação com os 1500 dólares há um ano. As taxas de frete do Extremo Oriente (China, Indochina e Japão) para a Europa foram as que mais subiram, em alguns casos cerca de 10 a 15 vezes. Todavia, estas pressões inflacionistas são estritamente riscos de curto prazo e muito pouco prováveis de persistirem durante um longo período de tempo. O mercado tende a reequilibrar-se, e a manutenção destes fretes nos atuais níveis incentiva as empresas a aumentarem o número de contentores ou a entrada de novas empresas no mercado.

Porém, o pacote de estímulos governamentais norte-americano de 1,9 biliões de dólares, de Joe Biden, é o segundo significativo incentivo nos últimos 12 meses, e não inclui os 900 mil milhões de dólares do final de dezembro de 2020. Estes estímulos podem empurrar o crescimento do PIB nos EUA, este ano, para níveis de há 40 anos, cerca de 7,5%, de acordo com os economistas Libby Cantrill e Tiffany Wilding da PIMCO. O GDPNow da Reserva Federal de Atlanta estima atualmente uma subida de 10% do PIB no primeiro trimestre. Poderemos ver inflação idêntica à da década de 1970? Dificilmente, em parte devido ao menor peso dos salários no PIB, ao excesso de capacidade, à crescente globalização e à entrada da China no comércio global. Todavia, provavelmente, a meta dos 2% da FED pode ser facilmente ultrapassada, mas a autoridade monetária norte-americana já o referiu, em agosto do ano passado, que pretende alcançar níveis de emprego mais elevados, nem que a inflação exceda temporariamente os 2%. Este ano, a nova secretária do tesouro, Janet Yellen, divulgou a intenção de alcançar o pleno emprego em 2022 e a FED está consciente, há mais de um mês, de uma subida dos preços na primavera.

Por fim, há a pretensão da subida do salário mínimo para 15 dólares/hora. Num estudo de 2017 realizado por economistas da FED de Boston, a um aumento de 10% no salário mínimo está associada uma taxa de inflação geral de 8 pontos base mais alta. Analogamente, baseados nas métricas do estudo da FED de Boston, a atual intenção de duplicar o salário mínimo aumentaria em 0,8 pontos percentuais a inflação.


PAULO ROSA Economista Sénior do Banco Carregosa 5 de março de 2021 Vida Económica



A Bitcoin, os EUA e a China

Esta semana, na cimeira do BIS, Powell referiu que as criptomoedas continuam a ser uma reserva de valor instável, não são suportadas por nada e, essencialmente, são um substituto para o ouro, não para o dólar. Nos últimos anos, a Reserva Federal dos EUA (FED) tem trabalhado no seu próprio sistema de pagamentos que facilite a transferência mais rápida de dinheiro, trabalho que poderá ser divulgado nos próximos dois anos, no entanto, a FED não tem pressa em apresentar uma concorrente à bitcoin (BTC). Powell adiantou que o Congresso provavelmente teria que aprovar legislação adequada e precisaria da adesão do executivo Biden, antes que a FED pudesse prosseguir com a sua própria moeda digital. Mas há interesse em acelerar o processo quando Powell refere que a pandemia evidenciou a importância de desenvolver melhores sistemas de pagamentos para que o dinheiro chegue rapidamente aos mais necessitados.


O Banco Popular da China (PBoC) está a unir esforços num projeto de moeda digital transfronteiriça com os bancos centrais dos Emirados Árabes Unidos, Tailândia e Hong Kong através de uma tecnologia baseada num livro-razão partilhado, denominado de distributed ledger technology (DLT). O PBoC está mais à frente na corrida à CBDC, pelo menos na versão doméstica. Nos últimos meses, a China distribuiu montantes avultados de yuan digital através de lotarias em algumas cidades, como Shenzhen e Chengdu. Todavia, o objetivo estratégico de longo prazo chinês é a internacionalização do renminbi.

Powell dá a entender que a BTC é uma ameaça apenas para o ouro, mas, para os mais atentos, os EUA têm uma crescente concorrência do e-renminbi ao nível das CBDC. Antes da pandemia, em 2019, a maioria das projeções apontavam 2035 como o ano em que a economia chinesa superaria a norte-americana, mas, atualmente, grande parte dos estudos indicam que é já nesta década que a China alcançará a hegemonia global, e muitos estudos referem 2028, não só economicamente, mas também militarmente. Uma economia chinesa mais forte e mais influente a nível global serão os alicerces para uma nova moeda mundial: o e-renminbi, a grande ameaça para o e-dólar.

No entanto, e de acordo com o comportamento dos bancos centrais, a verdadeira ameaça às autoridades monetárias são as criptomoedas, caso contrário não se justificaria uma corrida às moedas digitais mercadoria suportadas pelos bancos centrais que tanto penalizam as convencionais moedas fiduciárias e o atual sistema de cedência de liquidez aos mercados.

Em boa verdade, moeda digital já existe há alguns anos e algumas pessoas utilizam quase exclusivamente no seu dia a dia o homebanking, NFC e pagamentos online, mas com suporte das moedas fiduciárias e em última instância do balanço do seu banco comercial, e uma salvaguarda dos depósitos à ordem até 100.000 euros. As CBDC serão suportadas pelos balanços dos bancos centrais e a Bitcoin é garantida pela fidúcia nos seus algoritmos.

O Fórum Económico Mundial refere que 32% dos nigerianos possuem BTC para pagamentos ponto a ponto. Na Rússia, e Bielorrússia, a utilização da BTC é crescente.
A Universidade de Cambridge estima que o consumo anual de eletricidade da rede BTC é de 130 TW/H, quase o triplo de Portugal, e revelou que 39% da energia consumida pelas criptomoedas vem de fontes renováveis, em 2019 eram 28%. A pegada ambiental e o consumo de energia do ouro é superior à BTC. Todavia, a segurança da BTC depende dos “nós completos”  e está cada vez mais centralizada. Os mineradores são “nós completos” que adicionam blocos à rede, os validam e são remunerados, e se não existir incentivo aos mineradores não há validação de transações e a BTC nada vale. Os restantes “nós completos” que validam e verificam todas as transações não são remunerados. Também futuros computadores quânticos podem facilmente entrar na segurança do algoritmo criptográfico, o ECDSA, utilizado pela BTC. Os desenvolvedores têm alguma influência na comunidade BTC e capacidade de modificar o protocolo… Atualmente, Powell tem razão, a BTC é um ativo altamente especulativo.

Paulo Monteiro Rosa, 26 de março de 2021, In Vida Económica



sexta-feira, 19 de março de 2021

Bitcoin relança discussão monetária

As criptomoedas relançaram a secular discussão entre qual é a melhor alternativa para o sistema monetário mundial: moeda-mercadoria ou moeda fiduciária. Este debate reaparece pela mão da Bitcoin (BTC) durante a grande recessão de 2008-09 como resposta ao atual sistema de reservas fracionárias no qual assenta a moeda fiduciária. A Bitcoin é uma mercadoria (digital) e o dinheiro, atualmente, é dívida. É um debate de economia política entre os benefícios de mais ou menos liberalismo económico e mais ou menos intervenção do Estado.


A moeda fiduciária não tem valor intrínseco, não é garantida por nenhum metal e o seu valor resume-se à confiança das pessoas e ao seu curso forçado. Todavia, a moeda fiduciária estimula mais crescimento económico via endividamento, mas há uma probabilidade acrescida de aparecimento de inflação indesejável. A moeda mercadoria não permite criação de moeda pelos bancos centrais, porque não podem “imprimir” ouro ou gerarem mais moeda digital, e a inflação estará sempre controlada do lado da oferta monetária, mas uma crise financeira provavelmente será mais difícil de ultrapassar. Os detentores de moeda mercadoria podem recusar-se a ceder crédito, e, consequentemente, projetos de interesse relevante, espelhados em mais trabalho produtivo e bens e serviços de crescente utilidade, podem ficar para trás, implicando menos crescimento económico e menor maximização do bem-estar da população.

Atualmente, na resolução de uma crise financeira, a criação de dinheiro pelos bancos centrais tem bastante mais anestesia do que uma intervenção direta das autoridades, de dimensões monetárias provavelmente semelhantes, mas que passasse pela cobrança de mais impostos para suportar um fragilizado sistema financeiro. Uma reabilitação do sistema financeiro através de nacionalizações assumiria proporções ainda mais gravosas para a credibilidade do país, interna e externamente, e afastaria muitos investidores. Por isso, muitos economistas defendem a moeda fiduciária para impulsionar a atividade económica.

Hoje em dia, os défices orçamentais são gradualmente monetizados pelos bancos centrais e a independência destes é cada vez menor. No Japão, há mais de 20 anos que o governo acumula uma dívida pública crescente em resultado dos sucessivos défices orçamentais. Na União Europeia, os Estados assumem cada vez mais os gastos na economia e nos EUA os sucessivos pacotes orçamentais de estímulo à economia penalizada pela pandemia corroboram esta tendência.
Recentemente, a Teoria Monetária Moderna (MMT) reavivou o tema do financiamento direto do Estado através da criação de dinheiro e reforçou a política despesista dos Estados, cujo limite para incorrer em crescentes défices orçamentais é determinado apenas pelo aparecimento de inflação indesejável. Esta teoria implica a perda total da independência dos bancos centrais e relança o debate entre quem gere melhor o dinheiro: os tecnocratas dos bancos centrais ou os responsáveis governamentais eleitos de 4 em 4 anos.

O criador da BTC talvez tivesse o propósito de uma moeda-mercadoria digital, descentralizada dos bancos centrais, para afastar a moeda fiduciária keynesiana que rege o sistema bancário há 50 anos, desde a queda do padrão ouro em 1971, com o final do sistema de Bretton Woods. Os bancos centrais enfrentam um dilema: se por um lado querem responder à crescente concorrência da BTC, e outras altcoins, a adoção de uma moeda digital (CBDC) implica abdicar do poder de impulsionar e reequilibrar a atividade económica e de resolução das crises.

Será uma moeda cripto descentralizada capaz de cativar mais que uma moeda cripto suportada por uma economia pujante? Os entusiastas das criptos liberais acham que sim.
Uma hipotética deterioração das moedas fiduciárias nos próximos anos, penalizadas pela enérgica criação de dinheiro e crescente monetização das dívidas públicas, pode reforçar uma moeda-mercadoria, agora digital, como nova referência mundial. O e-dólar, o e-euro e o e-yuan são os grandes candidatos, a par da BTC. A crise pandémica relançou a discussão sobre o regresso ao padrão-ouro. Nos EUA, os republicanos trazem este tema à colação de vez em quando…

Paulo Monteiro Rosa, 19 de março de 2021 In Vida Económica


sexta-feira, 12 de março de 2021

As moedas digitais dos bancos centrais

Os bancos estudam a adoção de moedas digitais, as denominadas “Moedas Digitais do Banco Central” (CBDC), para responderem às necessidades crescentes dos agentes económicos e refletirem os avanços tecnológicos, mas também reagirem à crescente importância das moedas digitais descentralizadas como a Bitcoin ( BTC), à medida que estas tornam-se mais populares. No início da civilização, como moedas de ouro e prata serviram como principal meio de troca e reserva de valor. Há alguns séculos, como notas de banco, garantidas por depósitos em ouro, substituíram como moedas e facilitaram o transporte de valor e o pagamento de bens e serviços. Hoje em dia, e com os avanços tecnológicos, muitos pagamentos são efetuados sem o recurso ao papel-moeda, mas através de transferências bancárias online, multibanco, códigos QR, NFC através de um smartphone ou smartwatch.

Atualmente, a criação de novo dinheiro pela Reserva Federal dos EUA (FED) é quase exclusivamente efetuada por dígitos inscritos nos balanços da FED e dos bancos comerciais. Então, qual é a razão para os bancos centrais implementarem CBDC que concorrem diretamente com moedas fiduciárias pelos bancos comerciais, através do crédito e que fazem parte do perímetro do sistema financeiro das autoridades monetárias? Muito provavelmente, para enfrentarem a crescente importância das moedas descentralizadas que surgiram na última década, fruto quer dos avanços tecnológicos, quer da grande recessão de 2008-09, como criptomoedas, nomeadamente um BTC. No caso do e-yuan, o objetivo pode ser mais ambicioso e a intenção limitar-se-á ou mesmo acabar com a hegemonia do dólar a nível mundial.

Como o CBDC suportadas por economias robustas como norte-americana, chinesa ou europeia, serão as mais procuradas. Todavia, como CBDC fazem parte dos balanços dos bancos centrais, logo são suportadas pelos Estados, mas a moeda fiduciária assente nas reservas fracionárias é sustentada pelos balanços dos bancos comerciais. Racionalmente, os agentes económicos ganham guardar a moeda digital (por exemplo, euro digital, o e-euro) e pagar com moeda tradicional (notas, moedas e transferências das contas bancárias), corroborando a lei de Gresham. A moeda terá dois valores diferentes, sendo o e-euro sempre mais elevado, acentuando-se o diferencial durante as crises financeiras. Um limite de 3000 e-euros pode mitigar o diferencial, porque as contas bancárias têm uma garantia até 100.000 euros suportada pelo sistema e em última instância pelo Estado, e assumir uma cabal competição com um BTC. 

Para as economias emergentes e em desenvolvimento, essas soluções de CBDC podem ser uma ferramenta adequada para abordar o problema de uma grande parte das pessoas sem acesso a contas bancárias, mas com telemóveis e acesso à internet. Porém, como o CBDC deve competir do BTC, tem a vantagem de ser a primeira moeda digital do mundo. A capitalização atual do BTC é de um bilião de dólares e os seus defensores estimam um valor idêntico ao de ouro, de 11 bilhões de dólares, ainda assim aquém da base monetária de todos os bancos centrais a nível mundial que aumentou consideravelmente, devido à pandemia , para cerca de 24 bilhões de dólares. Atualmente, a mineração de ouro consome mais energia que a da BTC, além do maior impacto ambiental.

Os entusiastas das criptomoedas descentralizadas veem a BTC como ouro digital não confiscável, em teoria, e não censurável, no sentido de que é impossível bloquear uma transação. Mas a volatilidade penaliza um BTC. Quem quer contrair um empréstimo numa moeda que pode decuplicar? Ou poupar se pode descer bastante? Num futuro não muito longínquo, poderemos assistir a nível mundial a um crescente sistema monetário mundial tripartido em concorrência simultânea: 1. O atual sistema de reservas fracionárias, centralizado, no qual a banca comercial é o veículo financeiro dos bancos centrais para colocar a nova moeda central junto dos agentes económicos, ou seja, empresas e famílias. 2. Como CBDC, ou seja, moeda digital emitida pelas bancos centrais e colocada diretamente junto do público, este também um sistema centralizado. 3. As moedas digitais denominadas por criptomoedas e o ouro, ambas reservas de valor descentralizadas.

 

Vida Económica 12 de março 2021, PAULO ROSA Economista Sénior do Banco Carregosa


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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.