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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Nihil novi: O Panzer Germânico, o Tigre Celta e o Puro Lusitano.

Os investidores por vezes são irracionais? Não. Desde a fundação do euro até 2008, os investidores valorizavam de modo quase idêntico a dívida pública alemã e a de outros países como Portugal. Por partilharem a mesma moeda consideravam igual o risco, menosprezando as diferentes variáveis macroeconómicas. Mas a principal variável, que veio baralhar e elucidar os investidores, surge em 2008 e refere-se à percepção de reversão no processo de integração europeu.
A Alemanha apresenta os melhores dados económicos dos últimos 19 anos ao nível do desemprego, crescimento económico e confiança empresarial, medida pelo instituto económico IFO. É credor externo líquido e tem a dívida pública controlada. A moderação salarial manteve a competitividade e o peso da indústria quase idêntico aos serviços, permite há muitos anos ser o maior exportador mundial de bens, com cerca de um bilião de euros (25% do PIB), só alcançada pela China o ano passado e ultrapassada pelos EUA quando se trata da exportação de bens e serviços. A diversificação e transversalidade dos produtos alemães justificam esta hegemonia, desde a indústria automóvel (Daimler, BMW, Volkswagen, Porsche), indústria pesada (Siemens, TyssenKrupp), passando pela indústria farmacêutica (Bayer). A Alemanha tem sempre força suplementar para “renascer das cinzas”. Após a reunificação em 1991. Depois da 2ª grande guerra a Alemanha e com a ajuda do Plano Marshall (o mundo não iria cometer o erro da 1ª Guerra. As indemnizações a pagar aos países destruídos levou a um endividamento colossal, uma hiperinflação e falência do país). Muitos factores estarão na origem desta propensão para o trabalho organizado e para criação de riqueza na Alemanha e países que a rodeiam, como a Áustria, Suíça, Holanda, Escandinávia, um dos fundamentais passa pelo luteranismo implementado no século XVI que incentivava as pessoas a ler a Bíblia e levou à alfabetização da população. Pessoas letradas é sinónimo de conhecimento, impulsiona o progresso de uma sociedade ao nível económico, social e cultural.

A educação, a saúde e a redistribuição do rendimento são pilares fundamentais para o progresso de uma sociedade que o conduzem a um país mais competitivo, chave do crescimento económico. Portugal peca por defeito em todas estas frentes. A democratização da educação surge na década de 80, no entanto há licenciaturas a mais em certas áreas e défice noutras. A saúde é um sector que ombreia com a Europa setentrional há muitas décadas, mas podia aspirar à excelência se não fossem os entraves corporativistas. A redistribuição do rendimento fica aquém dos padrões europeus, com um coeficiente de Gini de 40, a Europa central e do norte posiciona-se no intervalo 25 a 30 e os países da América Latina têm acima dos 50. O indicador de Gini mede a desigualdade na distribuição do rendimento, quanto mais alto maior a desigualdade (se for 100 uma pessoa possui toda a riqueza do país, se for 1 todos os habitantes auferem rendimentos iguais). A crise financeira internacional só veio amadurecer a crise do endividamento, a economia não cresce há 10 anos e o endividamento no mesmo período teve uma subida extraordinária – Gráfico 1. Desde 1974 só há registo de défices públicos. Os primeiros fazem sentido, existia folga, a dívida pública era de 15% do PIB (a dívida não é má, tudo depende do esforço para honrar essa dívida e a sua utilização criteriosa). Não existe progresso sem boas vias de comunicação e as IP (Itinerário Principal), poderiam ter sido auto-estradas, estávamos bastante abaixo dos rácios que põe em causa os compromisso com os credores. Teríamos poupado o país e muitas famílias do flagelo e dos avultados prejuízos em face dos inúmeros acidentes nas IP.

A República da Irlanda tem uma bolha imobiliária que precisa ser corrigida e um sector financeiro que necessita ser capitalizado sob pena de falir. Tem um problema conjuntural, financeiro, provocado pelo nocaute dos “activos tóxicos” norte-americanos. Para impedir a falência do Irish Bank foram injectados pelo governo irlandês 35 mil milhões de euros, mais de 25% do PIB irlandês (a banca portuguesa vale menos de 1/3). O sector financeiro irlandês é gigantesco, a Irlanda tem uma dívida externa bruta de 1000% do PIB. Mas o Tigre Celta não tem os fundamentos económicos tão depauperados quando analisados à lupa. Teve superavit das contas públicas de 2004 a 2008. Em 2008 a dívida pública era de 35% do PIB, este ano será de cerca de 90%, uma subida extraordinária consequência do resgate da banca irlandesa. Passou em poucos anos de um rendimento 105% da média europeia para quase 150%. Índice de Gini de 30. As grandes empresas americanas têm a sua sede na Irlanda. A estrutura dos sectores de actividade é semelhante à alemã, chinesa e japonesa, países exportadores por excelência. Agricultura 5%, indústria 45% e serviços 50%. Na Espanha, Itália, Grécia e Portugal é de cerca de 75% o peso dos serviços.

A Irlanda tem um problema conjuntural, enquanto Portugal tem um problema estrutural. A dívida externa bruta irlandesa é 1000% do PIB, a portuguesa é de 250% do PIB. O facto de ser tão elevada na Irlanda prende-se com o elevado peso do sector financeiro. Por exemplo se um estrangeiro fizer um depósito num banco irlandês fica com um crédito sobre a Irlanda, no entanto os bancos depois aplicam esse dinheiro através de empréstimos, compra de activos, a maior parte no estrangeiro e ficam credores sobre o exterior. O fundamental é saber a dívida externa líquida. Num balanço de uma empresa, o activo (activos sobre o estrangeiro, dos quais se recebe juros, rendas e lucros), o passivo (o que se deve ao estrangeiro, a dívida externa bruta sobre a qual pagamos juros, dividendos e rendas) e a situação líquida ou capitais próprios (dívida externa líquida ou crédito externo líquido). A dívida externa luxemburguesa representa 4000% do PIB, quase 2 biliões de euros, 13 vezes o PIB português, mas em termos líquidos é um país credor, justificação para a riqueza do Luxemburgo. A Suíça é semelhante, tem uma dívida externa bruta de 400% do PIB, mas em termos líquidos é credor em quase 100% do PIB. Estes países têm ratings de crédito AAA e estáveis. O Japão é credor líquido externo, mas tem uma dívida pública das mais elevadas do mundo, 200% do PIB (os gastos públicos são elevados para compensar a falta de consumo das famílias e investimento empresas,) apesar de detida por residentes tem um rating de crédito de AA-. A perda de competitividade da economia portuguesa é o calcanhar de Aquiles e é mais grave que a dívida que acumulámos, porque sem competitividade não se cresce, não se paga a dívida. A nossa dívida externa bruta é de 250% do PIB, em termos líquidos é de cerca de 100%. Se por absurdo algumas das pessoas mais ricas do mundo (Bill Gates, Warren Buffet, Carlos Slim) passassem a residir em Portugal a nossa dívida externa em termos contabilísticos desaparecia e passávamos a credores líquidos, no entanto o nosso problema de competitividade não estava resolvido, mas provavelmente se criariam condições para a melhoria da nossa produtividade. Uma dívida líquida ligeiramente superior à irlandesa, com uma dívida pública e um défice público mais controlado que o irlandês, pode-se afirmar que Portugal em termos financeiros está melhor que a Irlanda, mas a economia irlandesa está a passar por um problema conjuntural, mantêm a taxa de IRC nos 12.5% e poderá alcançar um crescimento económico em 2012 já acima de 2%. Quando é que Portugal irá crescer acima dos 2%? Provavelmente Portugal trocaria o seu lugar com a Irlanda.

Paulo Rosa, economista, Dezembro 2010.

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.