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quinta-feira, 5 de junho de 2014

A reunião do BCE no dia 5 de junho e as suas implicações financeiras e económicas



Após a reunião de hoje do Banco Central Europeu (BCE) ficámos a saber que a taxa de referência cai de 0.25% para 0.15%, a taxa de depósito de Zero para -0.1% (Ou seja, os bancos que depositarem dinheiro no BCE, a partir de agora têm que pagar) e a taxa de cedência de liquidez (taxa a que o BCE empresta dinheiro aos bancos) desce de 0.75% para 0.4%. A Euro Overnight Index Average (EONIA) variará no intervalo [-0.1%;0.4%].
O BCE fará mais dois empréstimos de longo prazo (LTRO - Long Term Refinancing Operations), um em setembro e outro em dezembro no montante de 400 mil milhões de euros com maturidades que podem chegar aos 4 anos e condicionados à concessão de crédito à economia real. Os bancos que se financiarem nestes leilões não podem usar o dinheiro para conceder empréstimos ao governo e, também, está vedado o crédito à habitação.
Foi definida a suspensão da esterilização semanal da compra de obrigações (liquidez injectada ao abrigo do Securities Markets Programme).
O BCE vai começar os trabalhos para iniciar um programa de compra de títulos de dívida titularizados (ABS - Asset Backed Securities), que tenham como activos subjacentes empréstimos a empresas e famílias.
Mário Draghi reviu em baixa o crescimento para a Zona Euro em 2014 de 1.2% para 1%. A previsão para 2015 sobe de 1.5% para 1.7%.

O “Quantitative Easing” aguardado por alguns investidores, economistas e agentes económicos, só deverá ser utilizado caso a economia da Zona Euro entre em deflação de preços. Apesar de ser um instrumento não convencional, nunca utilizado e bastante criticado pelo Bundesbank, Draghi argumenta que tem toda a legitimidade para usar todas as ferramentas à sua disposição para manter a estabilidade de preços nos 2%, porque, segundo o presidente do BCE, é para isso que ele foi mandatado e é o objectivo final da existência do BCE. No entanto, Draghi parece esquecer que existem várias definições para deflação:

a) Há a deflação de preços originada por uma política monetária expansionista, que não é mais que a correção dessa mesma política, através da diminuição dos preços do imobiliário e das empresas à sua volta, da correcção das cotações dos valores mobiliários em bolsa, acções e obrigações. Por conseguinte, verifica-se a descida do rendimento disponível, logo a procura é menor e os preços baixam. Esta deflação de preços não queremos, é indesejável, mas é uma consequência que tem como causa uma política monetária inflacionista. É um ajustamento inevitável...
 b) Depois há a normal deflação de preços, de uma economia saudável. Com crescimento alicerçado nos avanços tecnológicos e não nas estéreis políticas monetárias. Esta deflação de preços é muito bem vinda.
 c) Por último existe a deflação monetária, que se traduz na contracção da massa monetária.

Grande parte destas decisões não surpreendem e provavelmente já estão, em parte, descontadas pelo mercado. Os últimos empréstimos de Longo Prazo (LTRO) nos finais de 2011 não tiveram qualquer impacto positivo na economia, nem na subida da inflação para a casa dos 2%, e apenas serviram para a Banca ganhar algum fôlego, com algumas janelas de oportunidade, bem como um impulso ao mercado acionista e obrigacionista
De forma semelhante, estas novas medidas poderão ser um catalisador para a subida das ações, mas pouco significativa, não podemos esquecer que os empréstimos só podem ser utilizados na economia e não na compra de activos financeiros. No que respeita às obrigações, poderemos ainda assistir a algum incremento, no entanto elas já se encontram bastante valorizadas, principalmente pelas compras do BCE nos últimos anos. Ou seja, o upside estará limitado…

Estamos perante a criação de bolhas especulativas em todas as frentes. Os bancos centrais, desde o Banco de Inglaterra (BoE) à Reserva Federal dos Estados Unidos, passando pelo BCE e pelo Banco do Japão (BoJ). Em Nova Iorque já se negoceiam táxis acima de um milhão de dólares, quando há 3 anos atrás se compravam alvarás por meio milhão de dólares e em 2005 por 350 mil dólares. Fenómenos semelhantes à “mania das tulipas” são recorrentes quando existe dinheiro fácil. Os principais índices acionistas dos EUA, como o SP500, registam
actualmente subidas de quase 100% em apenas 3 anos, e muitos investidores ao alienarem as suas acções ficam com cash que não rende dinheiro. Que fazer então? Comprar táxis! Quando existe dinheiro fácil abundantemente, uma bolha especulativa será formada. Quanto maior é a árvore, maior é a queda. Quanto mais tempo durar a subida, maior será a correcção da bolha. É uma questão de tempo, a caixa de Pandora foi aberta, ou melhor, ela é sempre aberta quando existem políticas monetárias inflacionistas...

A actividade dos bancos é idêntica a outro negócio qualquer. Se um empresário, após vários estudos técnicos, chegar à conclusão que determinado investimento, expansão das instalações, aposta num novo produto não compensa o risco, se inferir que terá custos superiores às receitas esperadas, então abandonará esse projecto. De igual modo, se num determinado banco o custo marginal superar a receita marginal, não será concedido crédito. Para medir o custo entra-se em linha de conta com o risco, obviamente. E o risco é proporcional ao retorno, logo se for muito elevado o banco só emprestará com uma taxa alta, provavelmente de 2 dígitos, que pode não compensar o empreendimento do tomador do empréstimo. Os bancos, com consciência do que o seu negócio representa, tentam rentabilizar o dinheiro depositado junto de si com o máximo de frugalidade: podem fazê-lo através da sua carteira própria, com a aquisição de activos financeiros, de empresas, de imobiliário e/ou  emprestar a terceiros. Os bancos bem geridos só emprestam, como qualquer pessoa sóbria, a quem der garantias, desde a hipoteca do bem, até ao pedido de fiadores e avalistas.  

A política monetária inflacionista encetada pelo BCE, deveria estar a ser tomada pelos Estados através da consolidação orçamental. Os países da Zona Euro não têm excedentes Orçamentais… O Banco Central Europeu, através dos bancos comerciais - instituições de crédito - da Zona Euro, não se deve substituir aos governos. Este pacote de medidas do BCE pode ser pernicioso porque os governos irão relaxar no que concerne à consolidação dos défices públicos e diminuição das dívidas públicas. O BCE, com esta política, condiciona o papel que é dos Estados, ou seja realizar reformas estruturais de modo a que as contas públicas passem a ter excedentes orçamentais sustentáveis. Com dinheiro fácil a chegar à economia, os Estados têm acesso a crédito mais fácil e a custos mais baixos, o que é positivo, mas não deve ser motivo para se desviarem do seu caminho... 

Outra medida é a suspensão da esterilização dos empréstimos de longo prazo (LTRO) do BCE aos bancos. Ou seja, a partir de agora o empréstimo, que aumenta a base monetária, deixa de ser esterilizado, deixa de ter uma absorção de liquidez, por parte do BCE, noutra parte da economia. Não será estéril em termos de massa monetária.
Com esterilização a massa monetária não aumenta, por isso se apelida de política estéril. No entanto, a esterilização que era realizada até agora pelo BCE jamais foi cabalmente eficaz, não o era na sua plenitude. Se a Base Monetária aumentava, a Massa Monetária aumentava forçosamente e também se verificou nos últimos 3 anos um aumento de quase 10% da moeda em circulação. E, se o objectivo era ceder liquidez à economia, isso dificilmente se faz sem aumento do total da moeda, do agregado monetário M1 (Base Monetária que é resultado das moedas e notas em poder do público e dos bancos, acrescido das reservas bancárias junto do BCE, ou seja o passivo do Banco Central e adicionada dos depósitos à ordem;  M1 = Base Monetária + Depósitos à Ordem).

A descida da taxa de referência para 0.15% e da facilidade de depósitos para -0.1%, bem como a manutenção dos financiamentos de longo prazo (LTRO – Long term refinancing Operations), o estudo da compra de activos (ASB –
Asset Backed Securities) e caso estas medidas não resultem numa melhoria do crescimento económico e do aumento da inflação, a utilização de uma versão europeia do QE (Quantitative Easing) da Reserva Federal norte-americana, podem todos estes instrumentos ser infrutíferos na concessão de liquidez às empresas e famílias, porque isso depende do risco que cada negócio apresenta e não do dinheiro barato. No entanto, como a Base Monetária irá aumentar e por sua vez a Massa Monetária medida pelo M1, existe sempre algum dinheiro que chegará às famílias via distorção da percepção da poupança real pelos agentes económicos, que podem encetar investimentos que não realizariam antes e, também, porque a remuneração da sua poupança será menor. Bem como novos investimentos de empresas, com classificação elevada e assim elegíveis junto dos bancos, através de empréstimos mais baratos. Se o segredo fosse a emissão de dinheiro pelo banco central e este resolvesse os problemas económicos, não haveria países pobres, nem pobreza no mundo.


Paulo Monteiro Rosa, economista, 5 de junho de 2014

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.