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segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Globalização tende a recuar em recessão



Centrado na maior integração e interdependência das economias de todo o mundo, o nível de globalização económica tem crescido a um ritmo considerável nas últimas quatro décadas, impulsionado pela significativa redução dos custos de transporte, sobretudo com o aparecimento do avião e dos voos comerciais, e pelos consideráveis avanços das telecomunicações, nomeadamente da internet nos últimos anos, corroborando assim o conceito de aldeia global. Já Adam Smith no século XVIII, teoria das vantagens absolutas, e David Ricardo no início do século XIX, teoria das vantagens comparadas, haviam realçado os benefícios do comércio internacional. A teoria das vantagens comparadas de Ricardo representa um forte argumento a favor do livre comércio e da especialização entre os países.

Mas nos últimos anos muito se tem falado da reversão desta tendência, sobretudo desde 2016, aquando do Brexit. Também a política comercial do presidente norte-americano Donald Trump a partir de 2017, iniciando uma guerra comercial e tecnológica com a China, e a ascensão dos nacionalismos regionais em 2018 continuaram a ameaçar o grau de globalização. No entanto, seria o confinamento generalizado na primavera de 2020 ditado pela pandemia, culminando numa recessão económica, que inverteria o nível de globalização. Contudo, a reversão foi efémera e a tendência de globalização viria a ser retomada em 2021 com a gradual reabertura da economia mundial. Entretanto, a guerra na Ucrânia em 2022 ameaça novamente a inversão desta trajetória de maior integração económica mundial, ressurgindo os receios de maior protecionismo, nomeadamente de segurança energética e alimentar, sobretudo dos países europeus. Na realidade, a “desglobalização” só tem existido em períodos de recessão económica mundial, determinada pela queda da procura global em alturas de crise económica, penalizando as exportações e importações. Por exemplo, desde o início do milénio apenas em três momentos existiu reversão da tendência de globalização, foram eles na recessão que seguiu à bolha das “dotcoms” em 2001, na grande recessão em 2008-09 e na recessão forçada pela pandemia de covid-19 em 2020. Todavia, após as recessões seguem-se períodos de retoma e de crescimento económico, regressando também o nível de integração económica global e o comércio mundial alcança sucessivamente novos máximos históricos, tal como refletem os números da Organização Mundial do Comércio.

A globalização é tendencialmente um conceito económico, tal como constatado nos últimos 40 anos, mas, mais recentemente, os interesses políticos emergiram. Separar a política da economia é importante para entender o quão pouco relevante tem sido o impacto da “desglobalização” nos portefólios dos investidores. Certo é que a política tem tido pouco impacto no comércio internacional, apesar das notícias e dos alertas das autoridades e de algumas instituições financeiras, não sendo um cabal motivo para os investidores “desglobalizarem” os seus investimentos. Apesar de uma relativa divergência política, os EUA e a China permanecem fortemente interligados economicamente. Mesmo a Rússia que parecia ter sido desterrada ao isolamento e a vários anos de autarcia devido à invasão da Ucrânia, continua a exportar, sobretudo petróleo e gás natural, com algum rearranjo de geografias de destino dos seus produtos. Em suma, apesar da “desglobalização” política, não há um aumento visível de construção de novas fábricas domésticas para permitir a “desglobalização” económica. De facto, a ideia de globalização económica baseada em mão de obra barata está ultrapassada com os avanços da robótica e de outras tecnologias de produção. Se antes os bens representavam a maior parte do comércio internacional, hoje os serviços como software, videojogos e música podem ser produzidos e distribuídos virtualmente em qualquer lugar. A economia digital impulsiona a globalização. As multinacionais veem cada habitante do planeta como um potencial cliente ou parceiro de negócio, sendo as suas vendas e lucros cada vez mais diversificados geograficamente, impulsionados pelo crescimento do investimento direto estrangeiro de empresas chinesas, japonesas, sul coreanas, alemãs, francesas, norte-americanas. Porém, a “desglobalização” política pode implicar algum “reshoring” em setores considerados essenciais, sobretudo empresas ligadas à segurança nacional, como atualmente a indústria de “chips”. Entretanto, o volume do comércio mundial de mercadorias pode abrandar ou mesmo cair em 2023, se as incertezas quanto ao crescimento económico no próximo ano se materializarem, devido à política monetária restritiva nas economias avançadas e à natureza imprevisível da Guerra na Ucrânia. Recessão económica é sinónimo de recuo do comércio internacional, mas a “desglobalização” é conjuntural, sendo a globalização estrutural.

PMR In VE 7 dezembro 2022






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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.