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sexta-feira, 19 de março de 2021

Bitcoin relança discussão monetária

As criptomoedas relançaram a secular discussão entre qual é a melhor alternativa para o sistema monetário mundial: moeda-mercadoria ou moeda fiduciária. Este debate reaparece pela mão da Bitcoin (BTC) durante a grande recessão de 2008-09 como resposta ao atual sistema de reservas fracionárias no qual assenta a moeda fiduciária. A Bitcoin é uma mercadoria (digital) e o dinheiro, atualmente, é dívida. É um debate de economia política entre os benefícios de mais ou menos liberalismo económico e mais ou menos intervenção do Estado.


A moeda fiduciária não tem valor intrínseco, não é garantida por nenhum metal e o seu valor resume-se à confiança das pessoas e ao seu curso forçado. Todavia, a moeda fiduciária estimula mais crescimento económico via endividamento, mas há uma probabilidade acrescida de aparecimento de inflação indesejável. A moeda mercadoria não permite criação de moeda pelos bancos centrais, porque não podem “imprimir” ouro ou gerarem mais moeda digital, e a inflação estará sempre controlada do lado da oferta monetária, mas uma crise financeira provavelmente será mais difícil de ultrapassar. Os detentores de moeda mercadoria podem recusar-se a ceder crédito, e, consequentemente, projetos de interesse relevante, espelhados em mais trabalho produtivo e bens e serviços de crescente utilidade, podem ficar para trás, implicando menos crescimento económico e menor maximização do bem-estar da população.

Atualmente, na resolução de uma crise financeira, a criação de dinheiro pelos bancos centrais tem bastante mais anestesia do que uma intervenção direta das autoridades, de dimensões monetárias provavelmente semelhantes, mas que passasse pela cobrança de mais impostos para suportar um fragilizado sistema financeiro. Uma reabilitação do sistema financeiro através de nacionalizações assumiria proporções ainda mais gravosas para a credibilidade do país, interna e externamente, e afastaria muitos investidores. Por isso, muitos economistas defendem a moeda fiduciária para impulsionar a atividade económica.

Hoje em dia, os défices orçamentais são gradualmente monetizados pelos bancos centrais e a independência destes é cada vez menor. No Japão, há mais de 20 anos que o governo acumula uma dívida pública crescente em resultado dos sucessivos défices orçamentais. Na União Europeia, os Estados assumem cada vez mais os gastos na economia e nos EUA os sucessivos pacotes orçamentais de estímulo à economia penalizada pela pandemia corroboram esta tendência.
Recentemente, a Teoria Monetária Moderna (MMT) reavivou o tema do financiamento direto do Estado através da criação de dinheiro e reforçou a política despesista dos Estados, cujo limite para incorrer em crescentes défices orçamentais é determinado apenas pelo aparecimento de inflação indesejável. Esta teoria implica a perda total da independência dos bancos centrais e relança o debate entre quem gere melhor o dinheiro: os tecnocratas dos bancos centrais ou os responsáveis governamentais eleitos de 4 em 4 anos.

O criador da BTC talvez tivesse o propósito de uma moeda-mercadoria digital, descentralizada dos bancos centrais, para afastar a moeda fiduciária keynesiana que rege o sistema bancário há 50 anos, desde a queda do padrão ouro em 1971, com o final do sistema de Bretton Woods. Os bancos centrais enfrentam um dilema: se por um lado querem responder à crescente concorrência da BTC, e outras altcoins, a adoção de uma moeda digital (CBDC) implica abdicar do poder de impulsionar e reequilibrar a atividade económica e de resolução das crises.

Será uma moeda cripto descentralizada capaz de cativar mais que uma moeda cripto suportada por uma economia pujante? Os entusiastas das criptos liberais acham que sim.
Uma hipotética deterioração das moedas fiduciárias nos próximos anos, penalizadas pela enérgica criação de dinheiro e crescente monetização das dívidas públicas, pode reforçar uma moeda-mercadoria, agora digital, como nova referência mundial. O e-dólar, o e-euro e o e-yuan são os grandes candidatos, a par da BTC. A crise pandémica relançou a discussão sobre o regresso ao padrão-ouro. Nos EUA, os republicanos trazem este tema à colação de vez em quando…

Paulo Monteiro Rosa, 19 de março de 2021 In Vida Económica


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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.