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quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Bitcoin: A moeda dos que não têm moeda?

Nos últimos cinco anos o kwanza angolano perdeu 75% do seu valor relativamente ao dólar norte-americano, o peso argentino 85%, a lira turca dois terços e o real brasileiro metade do seu valor. Entretanto, nesse período a bitcoin (BTC) multiplicou o seu valor por 100, de 660 dólares em outubro de 2016 para os atuais 66 mil dólares.

Perante estes números, não é de estranhar uma gradual preferência e adoção da BTC pelas populações dos países de fronteira, e mesmo de algumas economias emergentes, em detrimento das suas moedas locais. A desconfiança de muito povos africanos, latino-americanos e asiáticos nos seus governos e instituições é, talvez, maior do que o receio nos algoritmos da BTC. Apesar do curso forçado da moeda local, a procura por uma moeda estrangeira robusta, como o dólar, para proteção contra as suas moedas inflacionistas é uma realidade há muitas décadas e, atualmente, a moeda norte-americana tem a rivalidade da BTC. Países com baixos índices de desenvolvimento humano, caracterizados por aparelhos produtivos desestruturados e baixos níveis de educação, procuram meios de pagamento alternativos que facilitem as trocas e preservem o valor. A subida exponencial da BTC desperta o interesse de muitos, e apesar da elevada volatilidade afastar, eventualmente, as populações das economias avançadas, não será, talvez, um problema para as pessoas dos países subdesenvolvidos.

Mesmo as principais moedas mundiais têm sido penalizadas na última década pelas musculadas políticas monetárias expansionistas encetadas pelos seus bancos centrais. A descida das taxas juro para níveis próximos de zero, ou mesmo negativos, parece não ter sido suficiente para estimular o crescimento económico. Por conseguinte, o Banco do Japão e a Reserva Federal dos EUA (Fed), em primeiro lugar, seguidos depois pelo Banco Central Europeu, compram há anos títulos de dívida pública, e outros ativos, financiando indiretamente e monetizando as crescentes dívidas públicas dos seus governos, no intuito de promoverem o crescimento e segurarem a secular hegemonia económica global. Esta postura descredibiliza as principais moedas mundiais e beneficia a BTC, uma criptomoeda deflacionista. Nos últimos meses, cresce o receio de estagflação, mas o ouro, uma reserva de valor milenar, mantém-se estável e não corrobora essa preocupação, todavia a BTC valorizou mais de 100% desde os mínimos de meados de julho e alcança novos máximos históricos. Será a BTC percecionada, atualmente, como uma cabal reserva de valor e mais importante do que o ouro? Em março do ano passado, início do confinamento ditado pela pandemia, diante da incerteza e da volatilidade, a BTC perdeu 50% e o ouro caiu 14%, no entanto o dólar valorizou. Em momentos críticos, a preferência por liquidez recai sobre a moeda norte-americana que continua a dominar.

Tentar restaurar a credibilidade das moedas fiduciárias, mediante a retirada dos estímulos monetários e aumento de juros pelos bancos centrais, poderá desencadear instabilidade no sistema financeiro (queda de ações, obrigações, imobiliário, problemas com hipotecas e serviço da dívida pública mais elevado) e espoletar uma nova ronda de estímulos monetários. Será um ciclo vicioso? Nada fazer descredibiliza as principias moedas fiduciárias e fomenta as criptomoedas. Em 2018 a Fed tentou reverter a política monetária, mas desistiu, após 20 meses, devido à desaceleração económica. No entanto, nesse ano a BTC perdeu mais de 70%.

A mineração de BTC, validação fundamental das transações, tem custos substanciais com energia, refrigeração, computadores e mão de obra, mas garante a segurança do sistema. Quanto mais elevada for a cotação da BTC, mais mineiros serão atraídos e menos vulnerável será o sistema. A queda significativa da BTC pode significar prejuízos para muitas ASICs (supercomputadores utilizados para calcular o ‘hash’/código certo na mineração de um bloco e o adiciona à blockchain a cada 10 minutos, em média, validando assim as transações), afastando as máquinas mais poderosas e aumentando a vulnerabilidade do sistema que ficará entregue a computadores mais vulgares. Neste cenário, um ataque informático bem-sucedido aumenta consideravelmente, mas o baixo ‘market cap’ poderá afastar os melhores ‘hakers’. Aparentemente, é um sistema que se autorregula.

A BTC tem um ‘market cap’ de 1,1 biliões de dólares e a capitalização do ouro é de 11,4 biliões de dólares. Procuram os entusiastas da BTC alcançar o ‘market cap’ da BTC e ser uma cabal reserva de valor? Atualmente, o ‘market cap’ de todas as criptomoedas é de 2,5 biliões de dólares, quase 3% do PIB mundial. É, provavelmente, um montante já considerável e que espoletaria uma crise financeira se se volatilizasse…

O consumo de eletricidade médio anual na mineração da BTC é, atualmente, de 112 TWh, ou seja, mais do dobro da eletricidade consumida em Portugal em 2019. Mas a mineração de ouro gasta anualmente 131 TWh, segundo o índice de Cambridge, e a banca tradicional 139 TWh, de acordo com a IYOPS. O consumo total anual de energia dos bancos tradicionais é de cerca de 26 TWh em servidores e computadores em execução, 26 TWh em caixas eletrónicas e 87 TWh é uma estimativa para o funcionamento de mais de 600 mil agências bancárias em todo o mundo.

Os mineiros suportam custos na expectativa de uma potencial recompensa futura. O risco de não receberem a recompensa pela mineração de um bloco, após trabalho executado, incentiva os mineiros a seguirem as regras. Numa alusão à teoria dos jogos, os mineiros ganham mais em cooperar do que em defraudar os outros mineiros.

Na semana passada, foi lançado nos EUA, e com a anuência da SEC, o primeiro ETF cujo subjacente é a BTC. É crescente a entrada de entidades credíveis na comunidade bitcoin, como forma de diversificar a carteira e aproveitar as subidas das criptomoedas. A volatilidade da BTC, a crescente concorrência e os avanços tecnológicos são talvez as principais ameaças à BTC. Não há barreiras à entrada de novas criptomoedas.

No entanto, a BTC é uma moeda digital mercadoria que não permite impressão pelos bancos centrais para debelar uma crise financeira.

A importância de uma moeda depende do número de agentes económicos que a adotam, referenciam, suportam ou dão o benefício da dúvida. Cerca de 53% da população mundial não tem conta bancária, porque não quer, não preenche os requisitos ou por debilidades dos sistemas bancários e são os principais potenciais utilizadores de criptomoedas de sucesso.  

Será a BTC talvez mais uma moda do que uma moeda? Em boa verdade, aqueles que não se reveem na sua atual moeda e confiam nos algoritmos da BTC, como cabal reserva de valor e facilitadora das transações, são potenciais impulsionadores desta criptomoeda. O mundo não é preto e branco, há cinzentos mais claros ou mais escuros, há prós e contras.

A independência de uma autoridade central poderá ser uma vantagem para muitos, mas a ausência de regulamentação governamental será uma desvantagem para outros tantos que se reveem mais num ordoliberalismo.

Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 29 de outubro de 2021




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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.