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sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Quem ganha com inflação elevada?

A inflação de preços no consumidor aumenta à medida que a procura supera a oferta de bens e serviços. Os aparelhos produtivos desestruturados dos países subdesenvolvidos, acompanhados pela desconfiança nas instituições e por baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), refletidos em défices educacionais e sanitários, culminam numa significativa insuficiência de oferta de bens e serviços incapazes de colmatar a procura das populações. Muitas vezes a inflação aumenta significativamente e dá lugar a hiperinflação que, em boa verdade, atua como uma taxa moderadora que afasta do consumo os mais desfavorecidos, ou seja, grande parte da população e agrava consideravelmente o bem-estar.

Atualmente, as economias avançadas têm níveis de inflação manifestamente elevados, mas os principais bancos centrais continuam a referir o seu caráter temporário. O excesso de capacidade instalada nas economias avançadas é uma das principais razões para considerarmos a atual subida de preços como transitória. Há décadas que a capacidade produtiva das empresas das economias mais desenvolvidas suporta facilmente a procura de bens e serviços e, deste modo, mantém a inflação baixa, a par dos avanços tecnológicos e da contribuição da globalização.

Ora, a pandemia ditou o encerramento de parte da capacidade instalada nos países desenvolvidos e, consequentemente, forte diminuição dos ‘stocks’ nos meses de confinamento. Seguiu-se a gradual retoma da atividade económica, que teve desde sempre à sua disposição a plena capacidade instalada, mas os ‘stocks’ tiveram que ser paulatinamente repostos. Consequentemente, a produção e oferta de bens e serviços não tem conseguido acompanhar a crescente procura reprimida durante o confinamento, resultando numa subida considerável da inflação. Além do mais, o confinamento desestruturou grande parte das cadeias de abastecimento mundiais e a subida dos preços tem sido também agravada pela crescente política de descarbonização.

Em suma, a capacidade instalada existe e permite responder cabalmente à procura das populações, mas as atuais deficiências nas cadeias de abastecimento dificultam a entrega às empresas, nomeadamente às fábricas, das matérias-primas necessárias à sua produção. A subida da energia e a falta de mão de obra concorrem adicionalmente para a subida dos preços.

De nada vale uma eficiente capacidade instalada se faltarem ‘inputs’. A inflação mais elevada poderá permanecer enquanto as cadeias de abastecimento não forem restabelecidas, a OPEP+ não repuser os seus cortes de produção, o ‘Shale Oil’ nos EUA não retomar a sua plena atividade e as pessoas não regressarem aos seus empregos. Quando parte destas variáveis se alinharem, os preços provavelmente deixarão de aumentar ao atual ritmo. Todavia, a economia chinesa tende a abrandar e dificilmente contribuirá para a deflação das economias avançadas tal como no passado e a descarbonização tem custos refletidos em preços da energia mais caros.

Enquanto isso, inflação mais elevada penaliza aforradores e pensionistas e beneficia devedores. Quem aforra deseja baixa inflação e juros mais elevados, ou seja, taxas de juros reais significativamente elevadas e quem tem dívidas ambiciona, obviamente, o contrário, isto é, juros mais baixos e inflação mais alta. No longo prazo estas varáveis estão correlacionadas positivamente (o nível de inflação define a taxa de juro) e os seus valores tendem a ser semelhantes, sendo a taxa de juro habitualmente superior à inflação.  

O crescimento económico é impulsionado geralmente por projetos inovadores. Existem muitos agentes económicos com boas ideias, mas nem todos têm capitais próprios para financiá-las. Apenas adequados mercados financeiros permitem financiar projetos, através de empréstimos, capazes de suportar boas ideias de negócio que de outro modo ficariam na gaveta. No entanto, os aforradores podem em momentos de incerteza travar o acesso a fundos por parte dos empreendedores e dificultar o crescimento económico. É também nestas alturas que os bancos centrais adotam políticas monetárias inflacionistas, assumindo uma postura ativa nos mercados monetários e fornecendo toda a liquidez necessária para que a economia não desacelere ou regresse ao crescimento. Mas esta política poderá redundar em inflação indesejável, financiar e suportar empresas ‘zombies’, inviabilizar novos projetos e atrasar a renovação do tecido empresarial.    

Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 26 de novembro de 2021




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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.