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sexta-feira, 22 de julho de 2022

Espada de Dâmocles paira sobre o BCE

 



O Banco Central Europeu (BCE) está preocupado com a recente fraqueza do euro, mas a sua capacidade em oferecer um cabal suporte à moeda única europeia continua a ser limitada. Uma arrojada subida das taxa de juro permitiria a sustentabilidade do euro, mas aceleraria uma eventual recessão e poderia espoletar um aumento ainda maior dos ‘spreads’ entre a dívida ‘core’ da Zona Euro, nomeadamente os rendimentos soberanos alemães, e as ‘yields’ da dívida pública da periferia, especificamente Itália, Espanha, Portugal e Grécia. O BCE não pode errar e sobre a sua ‘cabeça’ pende uma espada de Dâmocles. Se um eficaz mecanismo ‘anti fragmentação’ afasta o perigo, o inverno que se avizinha nos próximos meses e uma crise no fornecimento de gás natural acentua novamente a ameaça. Em defesa do euro, o BCE tem uma tarefa hercúlea.  

Um euro fraco agrava a inflação da Zona Euro via importações, sobretudo de combustíveis fósseis, refletindo a dependência energética do exterior, cuja elasticidade da procura de petróleo e gás natural é muito rígida devido à sua importância na atividade económica. Uma subida significativa dos juros poderia travar a inflação e a queda do euro, mas poria em causa o financiamento e a sustentabilidade das dívidas públicas dos países mais endividados da Zona Euro, sobretudo de Itália, e, consequentemente, a coesão europeia.    

A fraqueza do euro não é apenas em relação ao dólar, mas também relativamente às principais moedas mundiais, com exceção do iene japonês. Apesar da inflação estar controlada no Japão, a economia nipónica padece de algumas fragilidades idênticas às da Zona Euro: um agravamento das contas externas, em resultado de uma considerável dependência energética do exterior, nomeadamente de combustíveis fósseis, e uma política monetária expansionista. O BCE inicia, agora, as primeiras subidas de juros desde 2011, mas o Banco Central do Japão mantem os seus juros inalterados, postura que pressiona a moeda nipónica (o iene desvaloriza cerca de 7% em relação ao euro desde o início do ano).

As recentes posturas mais ‘hawkish’ do discurso do BCE, no entanto, falharam em oferecer um suporte ao euro, e uma linguagem prospetiva mais agressiva do que o esperado pode não ser suficiente para suportar o euro. A sustentabilidade da moeda única europeia viria provavelmente de uma audaciosa política ‘anti fragmentação’, tal como aconteceu há 10 anos com Mario Draghi, mas nessa altura não existia inflação, permitindo que países como a Alemanha corroborassem a enérgica flexibilização monetária adotada pelo BCE (Quantitative Easing europeu) que manteve coesa a União Europeia. Mais recentemente, a incerteza política em Itália aumentou ainda mais o problema para o BCE.

O tamanho e a duração de um novo esquema de compra de títulos pelo BCE deve ser capaz de aumentar a confiança no compromisso do banco central da Zona Euro em combater os chamados riscos de fragmentação, mas a deceção dos investidores pode ocorrer se o tamanho for exíguo. Quanto mais resiliente for o instrumento ‘anti fragmentação’, menor será o risco de ser testado pelos mercados. Muito provavelmente, o sucesso do programa ‘anti fragmentação’ depende do comprometimento da Alemanha com o mesmo, mas a elevada inflação é um entrave ao pleno envolvimento germânico. Além disso, a economia alemã tem, atualmente, os seus próprios problemas e perde força a cada dia que passa com o adensar da crise energética e o aproximar do inverno. Pela primeira vez desde 1991, a balança comercial alemã foi deficitária em maio. Atualmente, não são só os italianos que têm problemas, o coração da economia europeia, a Alemanha, debate-se também com sérias contrariedades e desta vez a União Europeia dificilmente poderá contar com o suporte e a força da economia germânica.        

As perspetivas económicas europeias deterioram-se. A inflação ainda está acelerar e o crescimento abranda acentuadamente. A estagflação e uma crise energética são cada vez mais uma realidade. O ‘trade-off’ que o BCE enfrenta é mais grave do que qualquer um dos outros grandes bancos centrais (maior mesmo que o do Banco Central do Japão, onde não há inflação e a potencial crise cambial pode ser mitigada com uma cabal subida dos juros).

Nota: Texto escrito em 20 de julho de 2022, PMR In VE


 

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.