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sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Os bens e serviços e a inflação

O balanço da Reserva Federal norte-americana (FED) subiu quase 70% entre março e maio do ano passado e os agregados monetários M1 e M2 aumentaram 67% e 24%, respetivamente, nos últimos 9 meses de 2020. Esta considerável criação de moeda pela FED para mitigar a crise económica ditada pela pandemia, e sustentar o crescimento e a retoma, despertou os receios de alguns analistas e investidores quanto ao aparecimento de inflação de preços. Mas os preços no consumidor têm-se mantido estáveis e a FED espera que o PCE Core seja de 1,8%, 1,9% e 2% em 2021, 2022 e 2023, respetivamente, mas os preços dos ativos financeiros e do mercado imobiliário espelham uma relevante subida.

O mercado acionista, nomeadamente o S&P500, valorizou mais de 70% desde o mínimo de 23 de março do ano passado, e regista máximos históricos consecutivos. Os títulos do tesouro também ganharam com a descida das taxas de juro e o mercado imobiliário regista recordes históricos, impulsionado pela crescente procura de habitações mais amplas para satisfazer as acrescidas necessidades de teletrabalho e uma maior vivência familiar ditada pelo distanciamento social.

A estrutura da procura de bens e serviços tem-se alterado nos últimos meses, e o peso dos bens cresceu relativamente à diminuição da importância dos serviços no cabaz personalizado do consumidor. Alguns americanos, impedidos pela pandemia de frequentarem ginásios, procuram improvisá-los em casa com a aquisição de grande parte dos bens que permitem criar uma sala desportiva na sua habitação, substituindo os serviços do ginásio tendencialmente mais caros, numa perspetiva de consumo de longo prazo, por bens tendencialmente mais baratos, muitas vezes importados, e com uma elevada componente tecnológica.

Os bens transacionados internacionalmente, os “trade goods”, tendem a ter um preço semelhante a nível mundial e são frequentemente fabricados nos países de mão de obra barata, enquanto os bens não transacionáveis internacionalmente, os “no trade goods”, tendem a ser mais caros nos países desenvolvidos devido aos salários mais elevados. Os serviços que satisfazem as necessidades quotidianas das famílias tendem a ser mais caros nas economias desenvolvidas em relação às economias emergentes, mas nenhum norte-americano ou alemão vai importar um corte de cabelo ou um jantar no restaurante habitual.

Todavia, num mundo cada vez mais globalizado [e veremos se esta tendência é para continuar após a pandemia] o comércio internacional tem cada vez mais serviços disponíveis para transacionar, sobretudo aqueles que não implicam consumo de bens e em que a presença física não é essencial, como uma consulta médica de rotina ou um “personal trainer”. Este tipo de serviços pode ser facilmente importado através de uma ligação remota desde que o rácio custo benefício compense determinado consumidor. A pandemia acelerou a importação destes serviços com a crescente utilização de videoconferências.

Jerome Powell disse em dezembro: “A Reserva Federal não pode conceder dinheiro a beneficiários específicos. O Governo e o Congresso é que têm o poder de tributar, gastar e de tomar decisões sobre para onde vamos, como sociedade, e como devemos direcionar os nossos recursos coletivos. ”. Em boa verdade, a moeda criada pela FED não é neutra, tal como refere o efeito de Cantillon, cria desigualdades tal como é admitido pelo presidente da FED, referindo que cabe aos políticos o papel redistributivo.

Em suma, apesar de a enérgica criação de moeda pela FED sugerir um potencial de subida à inflação de preços no consumidor, a gradual substituição do consumo de serviços por bens tem algum impacto na estabilização dos preços. Os avanços tecnológicos, o peso cada vez menor dos salários na economia, o excesso de capacidade instalada e a globalização são outros fatores que refreiam a inflação no consumidor. A única inflação visível éa do imobiliário e dos preços dos ativos financeiros.

 PAULO ROSA  Economista Sénior do Banco Carregosa

 Vida Económica   | 22-01-2021 | PAG 29



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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.