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quarta-feira, 9 de novembro de 2022

O investimento em ações não é um jogo


Em Portugal é comumente aceite a afirmação de que os mercados acionistas são um jogo. É certo de que no curto prazo poderá parecer para muitos um jogo, devido à volatilidade ditada pela inúmera informação divulgada, por vezes disfarçada de contra informação, que precisa de ser selecionada e esmiuçada, mas é uma perceção totalmente incorreta, sobretudo no longo prazo. É a errada perceção do “jogar na bolsa”, sendo provável que um investidor inexperiente veja a bolsa como um jogo e, por isso, adote uma postura de jogador. Eventualmente, a sorte poderá protegê-lo no curto prazo, mas no longo prazo a probabilidade de sucesso é reduzida, a não ser que nunca aposte contra o mercado ou contra a tendência económica. E à falta de experiência e de conhecimentos económicos e financeiros, o investidor deve socorrer-se de profissionais habilitados. Em suma, no longo prazo é impossível vencer o mercado, tal como é impossível vencer os casinos (os lucros destes são perdas dos clientes).  

O imobiliário é um investimento clássico dos portugueses, que nunca o apelidaram de jogo, mas um índice acionista é também uma opção credível. No longo prazo, o risco dos índices acionistas mais amplos das economias mais avançadas é talvez semelhante ao das obrigações soberanas de elevada classificação (AAA) e em média uma carteira de ações diversificada, quer geográfica quer sectorialmente, oferece retornos interessantes no longo prazo. A compra de um desses índices acionistas é um investimento diversificado na economia. E se as economias dos EUA ou da Europa falhassem estruturalmente, então a consequente deterioração do nível de vida das famílias, ditada pela subida estrutural da taxa de desemprego e diminuição do rendimento, seria tão ou mais grave que as perdas que se verificariam em índices como o S&P 500 ou o Stoxx 600. Por exemplo, se um investidor no início de outubro, e depois das quedas significativas verificadas em setembro, acreditasse na melhoria dos resultados das empresas no terceiro trimestre relativamente ao esperado e numa desaceleração dos aumentos das taxas de juro pelos bancos centrais, refletido num tom menos “hawkish”, adotaria uma posição compradora no mercado e beneficiaria, no caso da aquisição de um ETF sobre o índice acionista Dow Jones, do melhor outubro de sempre, uma alta de quase 14%. Todavia, o comportamento das FAAMG e a reunião da Reserva Federal dos EUA no passado dia 2 de novembro travaram algum do entusiasmo dos investidores, impulsionando os rendimentos do tesouro norte-americano (“yield” a 2 anos atingiu valores de abril de 2007 nos 4,74%). O futuro não é óbvio e os investidores traçam expetativas, umas serão bem-sucedidas e outras não. Os que desconhecem o funcionamento dos mercados apelidam de especulação, num sentido negativo e depreciativo, as expetativas relativas à evolução das ações e das obrigações. Muitos referem que na realidade os especuladores são os grandes investidores institucionais com liquidez suficiente para manipularem e definirem o curso do mercado. No entanto, quem dita o rumo do mercado, nomeadamente o acionista, é a interação de todos os agentes económicos, desde empresas, famílias e Estado, determinando a oferta, o consumo, a evolução da atividade económica e consequentemente o andamento dos índices acionistas.

A venda a descoberto de ações de uma empresa ou índice acionista, denominada de short-selling, é vista como algo negativo para o funcionamento dos mercados e que deve ser afastado na maior parte das vezes. Todavia, a venda a descoberto permite corrigir as ineficiências do mercado, quanto há ausência de vendedores capazes de o fazer. Esta estratégia especulativa, de vender para comprar mais abaixo, surge apenas porque a empresa está sobreavaliada relativamente aos seus fundamentais. Os especuladores estabilizam o mercado e protegem os investidores mais incautos de comprarem mais caro. Os especuladores também só vendem dívida portuguesa, e de outros países, nomeadamente periféricos, se as contas públicas se deteriorarem ou percecionarem menor coesão europeia. O arrojado pacote orçamental expansionista de Liz Truss no final de setembro determinou a desvalorização da libra esterlina e desestabilizou os fundos de pensões britânicos. Os culpados não foram os especuladores, mas a guerra na Ucrânia, a elevada inflação e os efeitos negativos do brexit.  Por exemplo, manter uma moeda atrelada ao dólar com diferentes fundamentais macroeconómicos aos norte-americanos, está sujeita à ação dos especuladores que procuram ganhar com as ineficiências do mercado.

Quando alguém refere que se deve evitar a exposição do fundo de pensões português a ações, e apelida esse investimento de jogo, mostra o seu completo desconhecimento sobre o funcionamento dos mercados acionistas. 

PMR In VE 9 novembro 2022




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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.