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terça-feira, 22 de novembro de 2022

Quando a energia sobe, tudo aumenta, mas alguns lucram

As dificuldades nas cadeias de abastecimento e a transição energética impulsionaram os preços do gás natural e da eletricidade no último trimestre de 2021, subida essa que acelerou bastante mais com a guerra na Ucrânia. O conflito no leste da Europa aumentou significativamente os preços dos combustíveis fósseis, nomeadamente do petróleo e do gás natural, e também os preços dos alimentos. A crise energética está na génese da atual elevada inflação europeia. Os preços da energia respondem na Europa por cerca de metade do aumento da inflação. É, deste modo, uma inflação sobretudo do lado da oferta, refletida numa inflação importada, impulsionada pela dependência energética da Europa. E, no entanto, a frágil confiança do consumidor europeu impediu que a inflação fosse mais elevada, estimulada pelo lado da procura.

Em Portugal a inflação tem contornos semelhantes. No início começou por ser uma inflação predominantemente do lado da oferta e impulsionada pela dependência energética portuguesa do exterior. Entretanto, os açambarcamentos agravaram ainda mais as dificuldades nas cadeias de abastecimento e as poupanças ditadas pelo menor consumo, durante os confinamentos impostos pela pandemia, permitiram manter uma procura relativamente resiliente face à menor oferta, impulsionando os preços dos bens e serviços.

O aumento dos preços a montante da cadeia de valor, ou seja, no início da atividade económica nos setores primário e extrativo, desde os combustíveis fósseis aos metais industriais e aos produtos agrícolas, tem pressionado gradualmente todos os restantes preços de bens e serviços a jusante da cadeia de valor, generalizando a inflação. Esta alta dos índices de preços é cada vez mais persistente e tem sido alimentada também pela resiliência do consumo, suportado pelas poupanças proporcionadas pelo confinamento ditado pela pandemia, numa fase inicial, e pelo crédito ao consumo nesta fase atual e final. Assim sendo, a inflação estará muito perto do seu ponto de inflexão em Portugal, devendo abrandar à medida que o dinheiro das famílias escasseia, a procura diminui e, consequentemente, as empresas apresentem maior dificuldade em repassar os seus custos aos clientes. Na realidade, os preços dos combustíveis fósseis respondem por cerca de metade do aumento da inflação na Europa, mas indiretamente a alta dos preços do petróleo, do gás natural e da eletricidade são “inputs” e custos de todos os bens e serviços de uma economia. Assim, a inflação generaliza-se e é cada vez mais “core”, ou seja, propaga-se a todos os bens e serviços para lá da energia e dos alimentos. Alguns agentes económicos procuram lucrar com ela, por vezes através de hábeis e nefastos açambarcamentos, conseguindo manter o aumento de preços enquanto existir poder de compra que os sustente. Os governos também têm aproveitado a elevada inflação para diminuírem o rácio da dívida pública face ao PIB nominal.

No entanto, a elevada inflação nas economias avançadas é habitualmente conjuntural e tende a ser passageira, sobretudo devido ao excesso de capacidade instalada que permite excedentes da oferta, apenas limitados por eventuais dificuldades nas cadeias de abastecimento, açambarcamentos, dependência energética do exterior e escassez de matérias-primas essenciais à produção, mas estas variáveis tendem a regularizar-se mais cedo ou mais tarde. Todavia, os bancos centrais não esperam por essa regularização e adotam uma postura de aumento das taxas de juro sempre que a inflação aumenta acima dos níveis desejados e se torna persistente, mas o insucesso dessa política será tanto maior, quanto mais do lado da oferta for essa mesma inflação e vice-versa. Combater uma inflação que na Europa, e em Portugal, é eminentemente do lado da oferta e é inflação importada, culminará provavelmente numa forte desaceleração da economia ou mesmo numa recessão. Mas nada fazer, no caso do BCE, também penalizaria o euro, diante de uma política decididamente restritiva da Reserva Federal dos EUA.

A atual inflação na Europa, e em Portugal, é um problema de menor oferta e deveria ser necessariamente também desse lado que as políticas deveriam incidir e não se limitarem apenas à política monetária e à destruição da procura. As autoridades responsáveis dever-se-iam preocupar em aumentar a oferta. Aliás, as taxas de juro mais elevadas prometem não só diminuir a procura agregada, ajustando o já frágil consumo à menor oferta, mas penalizar também o investimento das empresas, limitando ainda mais a oferta. Todo este contexto alimentará menores oferta e procura agregadas, culminando muito provavelmente numa recessão. No entanto, os países exportadores de petróleo registam robustos crescimentos do PIB e… quem açambarcou, lucrou.

PMR in VE 18 novembro 2022



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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.