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sexta-feira, 15 de maio de 2020

Inflação, emprego e moeda

A Teoria Quantitativa da Moeda (TQM) refere que a multiplicação da quantidade de moeda, M, pela velocidade, V, é igual ao PIB, ou seja, à produção multiplicada pelos preços. A velocidade, dada pelo rácio entre o PIB e o agregado monetário M2, sempre foi considerada academicamente como constante. No entanto, nos EUA desceu gradualmente dos níveis mais elevados de sempre nos 2, em 2007, para apenas 1,42 no final de 2019, um PIB de 21,7 triliões de dólares e M2 de 15,2 triliões de dólares. No 1º trimestre de 2020 o número preliminar, e anualizado, do PIB  norte-americano caiu para 21,57 triliões e o M2 subiu para 16,66 triliões de dólares, e o rácio da velocidade da moeda diminuiu para 1,29. É provável que desça abaixo de 1, valor nunca alcançado. Neste período, ou seja nos últimos 13 anos, o balanço da FED quintuplicou.

De relembrar que os Bancos Centrais (BC) não estão abertos ao público, e o seu dinheiro só chega aos agentes económicos através das instituições monetárias (bancos), estando dependente da análise de crédito. Todavia, a compra de ativos pelos BC impulsiona as cotações destes, e origina a inflação dos títulos financeiros e ativos imobiliários. 

Em 2020 o balanço da FED já aumentou 65%, e espera-se que a velocidade da circulação de moeda desça devido à contração económica causada pelo confinamento, e não haja pressões inflacionistas, apesar do significativo fluxo de dinheiro, em simultâneo, dos principais BC.

A famosa curva de Phillips representa uma relação inversa,
um "trade-off", entre inflação e desemprego, eixo das coordenadas e abscissas respetivamente, no curto prazo. Segundo esta teoria, uma menor taxa de desemprego leva a um aumento da inflação, via salários, por conseguinte é uma função negativa.
Mais tarde, a inflação na equação original foi substituída pela análise das expectativas adaptativas, porque, numa perspetiva de longo prazo, seria mais relevante a variação da taxa de inflação que a taxa de inflação em si mesma. Segundo esta última teoria de Milton Friedman e Edmund Phelps, curva de Phillips aceleracionista, para que se mantenha a taxa de desemprego a níveis inferiores ao da taxa de desemprego natural, o que importa não é a taxa de inflação, mas a sua variação, necessitando-se de taxas de inflação cada vez maiores para manter o pleno emprego. No longo prazo a inflação observada tornar-se-ia igual à esperada, e não seria verificada nenhuma relação entre a inflação e o desemprego, a curva passaria a ser vertical.

Porém, há muitos anos, a curva de Phillips está cada vez mais achatada, e, na realidade, é horizontal em boa parte dos países desenvolvidos. EUA, Reino Unido, Japão e Suíça têm pleno emprego há décadas, apesar de a taxa de inflação permanecer muito perto de zero. A economia dos EUA passou de uma taxa de pleno emprego, espelhada numa taxa de desemprego de 4,6%, em 2007, para 10% no final de 2009 e foi recuperando até aos 3,5% no início de 2020. Mas a taxa de inflação tem permanecido estável abaixo dos 2%, pontualmente acima com subida momentânea do preço do petróleo. A taxa de desemprego no Japão e na Suíça é estável há mais de 20 anos, em torno dos 4% e dos 3%. No Reino Unido de 3,8% no final de 2019, mas, obviamente, irá subir significativamente devido à Covid-19, ao confinamento e consequentes danos na economia. Porém, a inflação nestas geografias tem permanecido à volta de zero.

De 1970 a 2008, o nível de globalização duplicou, dos 27% para os 60%, quando medido pelo grau de abertura da economia mundial (comércio internacional global em relação ao PIB mundial), e estabilizou nos últimos 12 anos. Nesse mesmo período, a inflação desceu de níveis acima dos 5% nos países desenvolvidos para valores persistentemente abaixo dos 2% e em torno de zero. Em alguns países emergentes estabilizou, a título de exemplo na China em redor dos 2%, e,
atualmente, na Coreia do Sul à volta de 1%. Nas últimas décadas há uma crescente deslocalização da produção dos países desenvolvidos para os países emergentes, e consequente diminuição da pressão dos salários, apesar do crescente pleno emprego no Ocidente, que, em boa verdade, foi transferida para a mão-de-obra dos países emergentes. Os bens são mais baratos, culminando em deflação importada. No longo prazo, o impacto da Covid-19 será mais profundo no setor dos serviços, e não reduzirá significativamente o comércio de "trade goods".

Os BC já percecionaram que a Curva Phillips mais plana é uma característica estrutural das economias avançadas, e estão mais tolerantes no controlo da inflação. A FED tem como objetivo o pleno emprego e a estabilidade de preços, mas é cada vez mais evidente que a maior preocupação é o emprego. A nova teoria da política monetária (MMT, "Modern MoneyTheory") refere que o principal é manter o pleno emprego e não nos devemos preocupar com o montante da dívida, e a sua monetização, enquanto não aparecer inflação.

Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 15 de maio de 2020





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