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sexta-feira, 15 de maio de 2020

O euro e o Tribunal de Karlsruhe

A moeda única, o Banco Central Europeu (BCE) e a sua política monetária foram desenhados à semelhança do marco alemão e do rigor monetário do Bundesbank.

Como resposta à crise do subprime e, mais tarde, das dívidas soberanas, o BCE iniciou uma série de empréstimos à banca com maturidade de 3 anos, designados por LTRO (LongTerm Refinancing Operations), que se mostraram relativamente ineficazes na retoma da economia da Zona Euro. Por isso, em 2015, o BCE decidiu implementar pela primeira vez o QE (Quantitative Easing), uma política não convencional e já adotada anos antes pela Fed, BoE e BoJ, originando algum desconforto no Norte da Europa, nomeadamente no seio de alguns cidadãos alemães que decidiram colocar em tribunal o QE do BCE.

Na terça-feira, o veredito do Tribunal Constitucional Alemão decidiu que o Bundesbank deve parar de comprar títulos do Governo, no âmbito do atual QE do BCE, dentro de três meses, a menos que possa provar que essas compras são necessárias.

Esta decisão pode contribuir para o aumento das tensões nos mercados de títulos (aumento dos spreads relativamente à Bund alemã) e para um risco renovado de rutura da zona do euro.

No entanto, a decisão dos juizes de Karlsruhe não se aplica ao mais recente programa do BCE de combate à pandemia, de 750 mil milhões de euros.

O BCE adquire obrigações soberanas da Zona Euro em mercado secundário, financiando indiretamente os Estados, existindo grosso modo monetização da dívida pública.

Mas nunca o BCE comprou dívida em mercado primário, prática que lhe está vedada porque implicaria financiamento direto do Banco Central da Zona Euro aos seus Estados Membros.

De facto, há diferenças entre o LTRO ouTLTRO (com Target definido) e o QE. Enquanto no LTRO o balanço do BCE aumenta devido à liquidez injetada como contrapartida dos ativos dados como garantia ao BCE pelos bancos comerciais, com o QE o balanço aumenta devido à liquidez injetada como contrapartida das compras efetuadas pelo BCE de ativos do balanço dos bancos, nomeadamente títulos da dívida pública. Para o BCE o QE é, talvez, mais arriscado em caso de incumprimento do ativo que ele comprou, enquanto no LTRO somente sofrerá uma perda se o dinheiro emprestado contra essa garantia não for devolvido ou o valor da garantia perder valor ou entrar em incumprimento.

Se o objetivo é satisfazer a procura de liquidez, devido a uma crise de confiança, os empréstimos do Banco Central aos bancos comerciais, por exemplo sob a forma de LTRO, poderão ser a melhor opção, porque fornecem a liquidez necessária e podem ser reembolsados rapidamente.

Em boa verdade, o Banco Central substitui-se aos bancos no Mercado Monetário Interbancário (MMI), quando existe renitência em emprestarem entre si. E, grosso modo, há também uma certa esterilização monetária, ainda que deferida no tempo, porque o balanço do Banco Central regressa ao ponto inicial à medida que os empréstimos vão sendo amortizados. No final de 2011, início do LTRO a 3 anos, o balanço do BCE correspondia a dois biliões de euros, atingiu quase os 3,2 biliões em 2013 e no final de 2014 tinha voltado aos dois biliões de euros.

Se o objetivo é a flexibilização quantitativa, as compras de ativos são mais eficazes, porque dão ao banco central o controlo do tamanho e da velocidade da expansão monetária.

Nas circunstâncias atuais, onde não há pânico no mercado como nos anos de 2011 e 2012, o LTRO provavelmente seria ineficaz devido à falta de procura, e é por isso que o BCE precisa de recorrer a compras, ao QE. O Quantitative Easing teve início na Zona Euro a 22 de janeiro de 2015 e terminou em dezembro de 2018, e no final o balanço do BCE tinha aumentado 2,5 biliões de euros de 2,2 para 4,7 biliões de euros. Para alguns cidadãos alemães, o mandato do BCE é bastante claro, a estabilidade de preços, e receiam que o significativo aumento da massa monetária através do QE possa redundar em inflação dos preços no consumidor...
PAULO ROSA

Economista Sénior do Banco Carregosa  8 de maio de 2020







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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.