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sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

O comércio externo e a inflação

VIDA ECONÓMICA   | 11-12-2020 | PAG 37

PAULO ROSA

Economista Sénior do Banco Carregosa

A balança corrente é composta pela balança de bens (as transações de mercadorias), a balança de serviços (viagens, serviços comerciais, turismo, royalties ou licenciamentos), a balança de rendimentos (remessas de emigrantes, juros de depósitos, rendas e lucros) e a balança de transferências correntes. São as transações que têm um carácter regular com o resto do mundo, como as exportações, as importações e os rendimentos dos fatores produtivos. Qualquer défice na balança corrente é compensado e anulado por um superávite de igual montante na balança de capital, e vice-versa, e a balança de pagamentos será sempre nula.

 Os bens de consumo são os responsáveis pelo défice comercial norte-americano, já a balança de serviços é excedentária. O comércio externo de veículos, peças e motores automóveis representa um défice à volta de 250 biliões de dólares, quase metade do total do saldo negativo da balança comercial dos EUA. Todavia, gradualmente, desde 2008, a balança do petróleo dos EUA, que correspondia a metade do défice comercial norte-americano, passou de um défice histórico de 452 biliões de dólares no terceiro trimestre, desse ano, para o primeiro excedente comercial em 2020, corroborado, até ao momento, pelos superávites verificados em todos os meses de aproximadamente 2 biliões de dólares mensais. O défice comercial norte-americano, que persiste há várias décadas, não é mais devido à dependência das importações de petróleo, mas penalizado por outros bens de consumo e de capital.

 Os EUA são a única grande economia com défice crónico da balança corrente. A Alemanha, o Japão e a China têm excedentes. Uma empresa não sobreviverá a muitos exercícios com uma situação líquida negativa (capitais próprios negativos), mas um país com significativa pujança económica poderá suportar por muito mais tempo contas externas deficitárias, mas não indefinidamente, e a sua solvabilidade depende da capacidade e robustez da economia em causa para pagar impostos e sustentar esses défices. Se a economia enfraquecer, a capacidade para pagar impostos desce ea credibilidade perante os credores externos diminui até ao limite em que ninguém mais empresta dinheiro ou investe no país em causa.

Sucessivos défices da balança corrente significam gradual perda de soberania. Esses défices implicam que sejam compensados por superávites na balança de capital através do investimento direto estrangeiro (IDE), de empréstimos e de investimentos em portfólio, como sejam compra de ações e obrigações, nomeadamente do tesouro. Os EUA financiam o seu défice com um pujante mercado de capitais, Wall Street é o seu centro nevrálgico e o número de ofertas públicas de venda (IPO) são procurados por todos os investidores do mundo. As empresas norte-americanas vão passando para mãos estrangeiras e o Governo dos EUA é, em parte, financiado pelos estrangeiros.

 O dólar é a principal moeda de reserva do mundo e tem quase o exclusivo do comércio mundial, com mais de 80%. A moeda norte-americana representa cerca de 60% dos ativos de reserva dos bancos centrais. Quase 40% da dívida mundial é emitida em dólares. A força da economia dos EUA suporta o valor do dólar e torna-o a moeda mais poderosa. A força do dólar é a razão pela qual os governos estão dispostos a mantê-lo em reservas cambiais. Os EUA suportam o seu défice comercial com a emissão de moeda e, grosso modo, a principal “exportação” norte-americana são dólares.

 Perante os défices comerciais e orçamentais dos EUA, o maior risco é se o fluxo de capital de investimento estrangeiro não está a financiar o capital físico de longo prazo das empresas, mas portfólios de curto prazo como títulos do governo e ações. Défices externos dos ÈUA redundam em menor procura da moeda norte-americana. Se subsistirem os défices, e a expansão monetária da FED, a depreciação do dólar, desde junho, poderá continuar e resultar em inflação importada.

E a inflação é o pior inimigo da credibilidade de uma moeda.





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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.