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sábado, 5 de dezembro de 2020

A incerteza é deflacionista

O acentuado crescimento, superior a 20%, do agregado monetário M2 norte-americano facilmente apontaria para uma inflação crescente, mas, até ao momento, a incerteza e o medo resultou numa acumulação de dinheiro pelos agentes económicos e o índice de preços no consumidor permanece estável. Os aumentos do M1 e do M2, desde março, refletem mais a aversão ao risco e o impacto das iniciativas fiscais do governo dos EUA do que a política monetária da Reserva Federal (FED).

No início de março, as empresas tornaram-se extremamente avessas ao risco em antecipação à propagação da pandemia, aos confinamentos e paralisações ditadas pelos governos que impactariam, certamente, os fluxos de caixa. Muitas empresas temeram que os bancos cortassem as suas linhas de crédito, e tomaram esses empréstimos não utilizados e a maior parte dos rendimentos nas suas contas bancárias para quaisquer eventualidades. Os depósitos bancários, o principal componente do M1, dispararam como resultado da acumulação de dinheiro por parte das empresas e das famílias avessas ao risco. Além dos programas fiscais do governo dos EUA, que suportaram o rendimento das famílias, um avultado número de empréstimos e subsídios para empresas aumentaram também os depósitos bancários.

Atualmente, o total do M2 nos EUA é pouco mais de 19 triliões de dólares, dos quais os depósitos de poupança correspondem a 11.9 triliões, os depósitos à ordem a 3.8 triliões, os depósitos a prazo a 1.5 triliões e a moeda em circulação a 2 triliões de dólares. A significativa subida dos depósitos, e dos agregados monetários, é justificada pelo Programa de Proteção ao Cheque de Pagamento (PPP), que reflete o esforço do governo de 660 biliões de dólares para apoiar pequenas empresas, através de empréstimos, a manterem a força de trabalho empregada durante a pandemia. Também a utilização de linhas de crédito por empresas como a Hilton, a Ford e a Boeing, que só em março e abril levantaram mais de 201 biliões de dólares em capacidade financeira para garantir acesso a liquidez, explicam a subida dos depósitos, bem como o aumento da poupança das famílias perante a incerteza da pandemia.

As pessoas consomem mais se o futuro for mais previsível, se houver mais emprego e maior previsibilidade quanto a rendimentos futuros. Um substancial acréscimo no consumo que impacte consideravelmente a inflação passa necessariamente, mas não é uma condição suficiente, por um robusto crescimento económico. Os indicadores de confiança do consumidor estão em mínimos de novembro de 2016 e são fundamentais para aferir a propensão das famílias ao consumo e o impacto na inflação. A confiança das empresas é também importante para estimar o quão disponíveis estão para gastar e investir e, fundamentalmente, para contratar, criando mais postos de trabalho que poderão impulsionar o consumo e a inflação.

No mundo pós-covid, com a reabertura das economias e a melhoria da confiança, as famílias gastarão parte das suas poupanças acumuladas face à incerteza da pandemia, estimulando o consumo, e as empresas reduzirão os depósitos para financiar operações e saldar as suas linhas de crédito bancário ativadas durante a pandemia. Os valores mais elevados do M1 e do M2 serão revertidos, no entanto, atualmente, ainda se mantêm em máximos a espelhar a contínua incerteza em virtude da segunda vaga da pandemia.

Os riscos de uma inflação alta indesejada só se materializarão se o dinheiro criado pela FED gerar uma aceleração sustentada da atividade económica que resulte num excesso de procura em relação à capacidade produtiva instalada, e esta, no entanto, continua a estar sobredimensionada, uma característica das economias desenvolvidas. Este risco deve ser monitorizado de perto, mas, talvez, não seja uma das principais preocupações quanto à subida da inflação. Todavia, se combinada com um aumento sem precedentes na despesa pública, com o objetivo de estimular a economia, os riscos de inflação serão reais. Após a crise financeira de 2008, o enérgico QE da FED resultou em excesso de reservas no sistema bancário, mas não gerou uma aceleração sustentada do PIB nominal e, consequentemente, a inflação permanece firmemente baixa há 12 anos.

Paulo Monteiro Rosa, Vida Económica, 27 de novembro de 2020




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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.