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sábado, 5 de dezembro de 2020

Os gastos dos governos e a inflação

Desde março que a Reserva Federal dos EUA (FED) reforçou os mercados com mais dinheiro na sua batalha contra a deflação. Apesar do balanço da FED ter aumentado, em apenas dois meses, à volta de 3 triliões de dólares, cerca de metade dessa subida deveu-se ao aumento de quase 1.5 triliões de dólares na conta geral do Tesouro dos EUA junto da FED. Nem tudo é moeda, porque apesar do passivo de um banco central refletir a base monetária de uma economia, porém, essa igualdade é referente apenas ao passivo com outras instituições monetárias (OIM), como sejam as reservas bancárias, e a moeda em circulação, ou seja, a conta de depósito do Estado, apesar de estar no passivo da FED, não faz parte do circuito monetário e bancário. Por que o Tesouro tem tanto dinheiro na FED, e quais são as implicações? Desde meados de 2015, que coincide grosso modo com a redução do balanço da FED (tapering), o Tesouro passou a ter como objetivo manter um nível de dinheiro suficiente para cobrir despesas semanais e sujeito a um saldo mínimo de 150 biliões de dólares. Como resultado das inúmeras políticas económicas adotadas desde meados de março, em resposta à pandemia, as saídas diárias do Tesouro são, sem surpresa, muito maiores agora do que eram anteriormente. Atualmente, com o agravamento da pandemia, espera-se um montante acrescido de estímulos fiscais, logo o sucessivo levantamento de dinheiro pelo Tesouro poderá  pressionar em alta as taxas de juro através do efeito “crowding out”.

A Lei CARES, promulgada a 27 de março, foi criada para suportar o desemprego, através de subsídios, e aumentar o rendimento das pessoas para manter a procura agregada. 
Os riscos de inflação elevada só existirão se o dinheiro criado pela FED acelerar sustentadamente a atividade económica e resulte um excesso da procura em relação à capacidade produtiva. O aumento da oferta monetária pode-se dissipar à medida que os bancos reduzem os empréstimos às empresas, as famílias gastarem parte das poupanças depositadas e o governo terminar os programas de apoio ao rendimento. Essa redução do crescimento monetário ocorreria mesmo com a ininterrupta flexibilização monetária. Todavia, a segunda vaga de pandemia pressionará o governo dos EUA a gastar mais e, gradualmente, o setor público, nos próximos anos, tomará o lugar do setor privado e assumirá a despesa na economia, por exemplo através de infraestruturas, realidade crescente desde a crise financeira de 2008. Os EUA estão a começar a trilhar o mesmo caminho que o Japão iniciou há 25 anos. Após a crise financeira no começo da década de 90, a despesa na economia nipónica inverteu-se, passando o Estado a ser cada vez mais preponderante e deficitário e o setor privado excedentário. A taxa de poupança nos EUA atingiu máximos históricos nos 33% durante o confinamento. As economias desenvolvidas estão a padecer de um crescente aumento da poupança privada, e a Alemanha é um caso paradigmático. 

A velocidade do agregado monetário MZM (Money Zero Maturity, dinheiro com vencimento zero) habitualmente utilizado pela FED desde que o M3 foi descontinuado em 2006, mede a frequência com que uma unidade de moeda é usada para comprar bens e serviços produzidos internamente e caiu para mínimos históricos de 1 no segundo trimestre de 2020. É um sinal deflacionário, mas é importante que os investidores entendam que a inflação ainda é uma ameaça nos próximos anos.

A inflação via custos diminuiu com o regresso da oferta agregada de bens e serviços a níveis quase pré-covid. A inflação via aumento da procura agregada (famílias, empresas, Estado e exterior) não é atualmente um problema. Há aumento da procura de moeda, mais um fator deflacionário, espelhada na elevada taxa de poupança. A crescente quarta revolução industrial e a consecutiva descida do peso dos salários do PIB, hoje de apenas 43%.
  

Paulo Monteiro Rosa, Vida Económica, 20 de novembro 2020



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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.