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sexta-feira, 7 de maio de 2021

Utilidade marginal, Ethereum, NFTs e… tulipas

Em março do ano passado a criptomoeda Ethereum (ETH) cotava nos 100 dólares e esta semana ultrapassou os 3500 dólares, superando os 400 mil milhões de dólares de valor de mercado, cerca de 40% do ‘market cap’ da Bitcoin (BTC). O que justifica o desempenho quatro vezes superior do ETH em relação à BTC nos últimos 12 meses? A maior parte da arte NFT (Non-fungible token), como ‘Beeple's Everydays’, é negociada em ETH e as chaves criptográficas são armazenadas na blockchain do ETH.

É uma ideia inovadora e inteligente. Os crescentes números de criptomoedas e montantes disponíveis, à procura de algo para comprar, levantam a questão de como gastar esse dinheiro perante a escassez de locais e empresas que aceitem criptomoedas. Criar certificados de propriedade intelectual que garantam a sua autenticidade e unicidade através de uma chave criptográfica guardada numa blockchain de uma criptomoeda!? Nascem os NFT…

O CEO do Twitter vendeu o seu primeiro ‘tweet’ como um NFT por 1630,58 ETH, cerca de 2,9 milhões de dólares. Muitos já viram o quadro Guernica de Picasso em livros ou na internet, mas continuam a visitar o museu Rainha Sofia, em Madrid, para observar o verdadeiro. A sociedade atribui valor inestimável ao quadro. E é isso que ocorre com o NFT: absorve conceitos artísticos para introduzi-los num ambiente virtual. A compilação digital de pintura ‘Everydays: The First 5000 Days’, de Mike Winkelmann, conhecido por Beeple, foi vendida pela Christie's a 11 de março por 69 milhões de dólares. É como um autógrafo, mas digital…
Outra vantagem para os artistas é adicionar ‘royalties’ de forma automática aos contratos digitais firmados na venda dos ativos. Assim, mesmo que o token seja revendido várias vezes, o artista continuará a receber uma parte do dinheiro para sempre.

A BTC tem o seu valor garantido pela fidúcia nos seus algoritmos e os NFT pela confiança na autenticidade dos certificados e na capacidade das obras de arte manterem a sua atração pelos colecionadores, aficionados e público em geral.

O valor de um bem é dado pela sua utilidade de acordo com a sua abundância ou escassez, ou seja, pela sua utilidade marginal. Não há nenhum bem económico mais útil do que a água, (o ar e a luz solar são bens não económicos), mas ela não compra quase nada e dificilmente haverá bens com os quais trocá-la. Contudo, um quadro de Van Gogh, um vinho raro ou o NFT do Nyan Cat, cujos valores são subjetivos, pelo contrário, quase não têm nenhum valor quanto à sua utilização, mas há frequentemente uma grande quantidade de outros bens com os quais se podem trocá-los. Estes paradoxos exemplificam bem a importância do conceito da utilidade marginal. As primeiras quantidades de água são para satisfazer a sede, e as seguintes para lavar e cozinhar alimentos, higiene pessoal, dar de beber aos animais, regar os produtos agrícolas e a restante, se a abundância for considerável, correrá pela terra, poderá ser oferecida ao vizinho e no limite a água será gratuita. Todavia, no meio de um deserto a água é escassa e será guardada cuidadosamente para matar a sede e racionalmente escolhida em detrimento de um quadro de Dali ou um token de Beeple.
Em suma, a utilidade total de um bem cresce quando se consome maiores quantidades dele, mas a utilidade marginal decresce à medida que se consome mais uma unidade e o preço do bem será dado pela última quantidade a ser consumida. Quanto maior é a oferta de um bem, menor é a utilidade marginal, e vice-versa.

Aquando da Tulipomania no séc. XVII na Holanda, alicerçada no comércio têxtil em expansão, Companhia Holandesa das Índias Orientais, riqueza financeira e boom imobiliário, havia uma tulipa muito rara, a ‘semper augustus’, talvez apenas 10 exemplares, que chegou a ser negociada por um valor que permitia a compra, à época, de uma casa em Amesterdão. Hoje sabe-se que a beleza rara dessa tulipa devia-se a um vírus que infetava o bolbo. Na esteira da abundância de dinheiro geram-se por vezes bolhas, principalmente quando suportadas por alavancagem…

Paulo Rosa, In "Vida Económica", 7 de maio de 2021


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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.