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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Abrandamento da inflação nos EUA parece inevitável

A inflação norte-americana tem subido gradualmente ao longo dos últimos 12 meses. Em janeiro de 2022, a taxa de variação homóloga do Índice de Preços no Consumidor (IPC) acelerou 7,5%, a mais elevada desde fevereiro de 1982, impulsionada pelo aumento dos custos da energia, pela escassez de mão de obra e pelas dificuldades nas cadeias de abastecimentos (‘bottlenecks’), em consequência da pandemia de covid-19, e por uma procura robusta no ano passado, reprimida em 2020 pelo confinamento e pelas restrições à liberdade de circulação mais rígidas. Há um ano, em janeiro de 2021, a taxa de inflação homóloga, medida pelo IPC, foi de 1,5%. Excluindo energia e alimentação, categorias voláteis, o IPC subiu 6%, o maior aumento desde agosto de 1982.

A subcategoria dos carros e camiões usados contribuiu com 1,55 pontos percentuais (pp) para o aumento de 7,5% da inflação em janeiro, os carros e camiões novos 0,46 pp, a alimentação 0,86 pp, a energia 1,83 pp, a habitação (‘shelter’) 1,33 pp, a remodelação das habitações 0,34 pp e os transportes 0,29 pp, ou seja, estes itens responderam por quase 90% do crescimento dos preços e têm um peso total de 71,5% no IPC. As escolas e comunicação, a educação (livros, computadores, ‘smartphones’), os cuidados de saúde e os medicamentos representam 15% do IPC e subiram 1,7%, 0,8%, 2,7% e 1,4%, respetivamente. O vestuário e roupa, os artigos recreativos (televisão, bicicletas, brinquedos), os serviços de água, esgotos e lixo e os serviços recreativos (concertos, desportos) subiram respetivamente 5,3%, 4,1%, 4% e 5%, e respondem por grande parte do restante peso de 13,5% no IPC.

Nos EUA, o salário médio por hora aumentou 5,7% no ano passado, o ritmo mais elevado dos últimos 20 anos, mas abaixo da inflação. Ou seja, em termos médios, o aumento dos preços penaliza o poder de compra dos norte-americanos. A remuneração dos trabalhadores poderia contribuir para uma espiral de subida de preços-salários (salários crescentes impulsionam os preços e vice-versa), mas a elevada inflação é justificada, em grande parte, pelos desajustamentos causados pela pandemia, não pelos custos mais elevados das empresas devido à alta dos salários.

A capacidade produtiva instalada mantém-se e deverá ser deflacionista quando todos os trabalhadores regressarem ao trabalho. Os serviços que os norte-americanos conseguiram assegurar a partir do teletrabalho não registaram subidas significativas.

Nos dez anos anteriores à pandemia, a inflação manteve-se, quase sempre, abaixo dos 2%, mas os salários aumentaram anualmente cerca de 3%, alicerçados em ganhos de produtividade.

A título de exemplo, em 2019, a taxa de desemprego mensal foi sempre inferior a 4%, abaixo da NAIRU (taxa de desemprego abaixo da qual há aceleração da inflação) à volta dos 4,5% ao longo desse ano, mas a taxa de inflação não aumentou. Em 2021, a economia norte-americana regressou aos níveis pré-covid com menos 2,7 milhões de trabalhadores, a 31 de dezembro de 2021 relativamente ao início da pandemia, ou seja, os atuais aumentos salariais são também suportados por ganhos de produtividade.

Grosso modo, a inflação foi imposta pela pandemia e deverá abrandar com a passagem a endemia. No último ano, a escassez de ‘chips’, em resultados dos ‘bottlenecks’ ditados pela pandemia, penalizaram a produção de carros novos e, consequentemente, a procura de carros e camiões usados aumentou significativamente e os seus preços subiram 40%. Todavia, não se espera que a procura de um bem duradouro seja anualmente recorrente e, além disso, a procura de carros no último ano e meio foi impulsionada, em parte, pela maior necessidade de deslocação para a periferia em contexto pandémico. Em 2021, os preços dos carros e camiões novos aumentaram 12%, penalizados pela subida dos preços dos ‘chips’ e por um aumento da procura dos norte-americanos num ambiente de pandemia e com poupanças acrescidas. O restabelecimento das cadeias de abastecimento e um esperado aumento significativo na capacidade de produção de chips tenderá a normalizar os preços dos semicondutores. Mas, nos próximos anos, a transição energética determinada pela atual política de descarbonização, empurra os consumidores para os veículos elétricos (EV), todavia a oferta ainda é muito exígua e os preços elevados. Os EV serão inflacionistas enquanto não há massificação da sua produção.

A habitação (‘shelter’) aumentou 4,4%, um valor ligeiramente acima do normal, mas bem abaixo do aumento de 7,5% do IPC. O peso elevado no IPC, cerca de 33%, confere-lhe importância no índice, mas a subida anual deste item tem rondado os 3% nas últimas décadas, e poderá regressar para esses níveis com o esperado abrandamento da procura de casa na periferia por motivos de teletrabalho e aulas online ditados pela pandemia.

A energia subiu 27%, principalmente devido à alta do preço do petróleo, mas a produção desta matéria-prima deve aumentar à medida que a subida do seu preço incentiva novas perfurações e impulsiona a retoma do ‘Shale Oil’ norte-americano. Os países da OPEP+ repõem gradualmente os cortes ditados pelo confinamento da primavera de 2020 e as exportações de petróleo iranianas podem aumentar pela primeira vez em quase três anos. No entanto, as tensões geopolíticas no leste europeu persistem, mas é um cenário que se espera que seja temporário. Por fim, a atual política de descarbonização adotada globalmente é um fator inflacionista e determina um custo de energia mais elevado e persistente.

O IPC acelerou na primavera do ano passado, nomeadamente a partir de maio e junho. Assim sendo, os efeitos de base deverão atuar a partir dessa data e a inflação poderá abrandar por esse motivo. Além disso, as necessidades de aquecimento diminuem depois do inverno e os preços do petróleo e gás podem desacelerar também por esse motivo e contribuir para mitigar os níveis de inflação.

A Reserva Federal dos EUA (Fed) tenta refrear a inflação e a probabilidade de um aumento de 50 pontos base na reunião de março é de 62%, de acordo com os futuros da Bolsa de Chicago. A última vez que a Fed subiu 50 pontos foi há 18 anos, em 2004, no início de uma postura contracionista de normalização da política monetária, após a recessão de 2001 espoletada pelo colapso das ‘dotcoms’ e pelo atentado do 11 de setembro em 2001, um período caracterizado por um ‘bearmarket’ de 25 meses, o mais longo desde a grande depressão de 1929. Ultimamente, a inclinação da curva de rendimentos nos EUA tem diminuído e o ‘spread’ entre a ‘yield’ do tesouro a 10 anos e os 2 anos é agora de apenas 0,45%. Uma musculada subida dos juros pela Fed pode redundar em forte desaceleração económica. Os próximos dados relativos à evolução do IPC de fevereiro serão divulgados em 10 de março e ditarão a política da Fed e a evolução dos mercados. Também na reunião de março, a Fed divulgará as suas perspetivas económicas trimestrais, nomeadamente as novas expectativas para a taxa de inflação para o final do ano e para 2023, bem como quaisquer alterações à sua política monetária e o novo diagramo de taxas de juro ‘dot plot’.

Qualquer melhoria futura quanto aos números de inflação e níveis das taxas de juro poderá suportar os ativos de risco, mais especificamente ações, criptomoedas, metaverso, NFT e SPAC.   

PMR 17 fevereiro VE


 
  

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.