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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A relatividade dos números ex-ante e o boletim da execução orçamental referente a Janeiro 2011.

Os números que foram sendo divulgados durante o fim-de-semana relativos à execução orçamental em Janeiro, apontavam para uma descida do défice das contas públicas em Janeiro de 2011 na ordem dos 58%, 398 milhões €, mas um número avulso tem pouco valor diante dos números descriminados, que só foram adiantados, como previsto, na segunda-feira, dia 21 de Fevereiro.

É a receita fiscal que contribui para a descida do défice - no orçamento do Estado para 2011 ficou inscrito que 1/3 do ajustamento seria via receita e 2/3 via despesa pública. Os impostos directos viram aumentar a receita em 26%, com o IRC a verificar um aumento de 153,4% face a Janeiro de 2010, justificado com a antecipação de dividendos por parte da Portucel, Jerónimo Martins, Semapa e Portugal Telecom – O imposto obtido foi de 206 M€ em Janeiro e mais de 100 M€ é fruto destas 4 empresas, também o acréscimo de 76.4 M€ em IRS parte são obtidos devido a esta antecipação. Mas os impostos indirectos também contribuíram para a subida da receita, nomeadamente o segmento do imposto sobre veículos (59,9%), seguido do imposto único de circulação, cujas receitas cresceram 46,4% e o IVA sobe 60 milhões €, principalmente devido às elevadas vendas de automóveis, em Dezembro, como antecipação ao aumento do IVA em 2 pontos percentuais e o fim dos incentivos ao abate automóvel. Conclusão: grande parte da descida em 398 M€ é proveniente de receita “extraordinária”, que não se verificará nos próximos meses. Prova cabal de que poderemos estar muito perto do ponto de inflexão da curva de Laffer. Muito provavelmente já estamos na fase descendente da curva e a prova é a receita fiscal muito baixa – se expurgarmos a receita “extraordinária” -, apesar dos aumentos das taxas fiscais. As receitas poderão mesmo começar a descer caso haja uma contracção económica na casa dos 1% nos próximos trimestres.

A despesa efectiva do estado cresceu em 0,9%, facto justificado pelo regime de execução de duodécimos, caso contrário a despesa do Estado teria caído 2,6%. As despesas com pessoal cresceram, no mês em análise 4,9%, num período marcado pelo corte de salários na função pública, justificado também pela execução em duodécimos no 1º trimestre 2010, como prova por exemplo as promoções de militares das Forças Armadas e o aumento de subsídios da condição de militares, decididos em 2009 só começaram a ser pagos em 2010. A rubrica de aquisição de bens e serviços correntes registou um acréscimo de 56% e os juros aumentaram em 23%.

Como os investidores estrangeiros olham para estes números? Com bastante apreensão. O mais grave é os portugueses se vangloriarem uns dias antes com a descida de 58% do défice no mês de Janeiro. Para um gestor de dívida o que interessa é saber ao pormenor os números do boletim. O que os portugueses acham que são os financiadores da economia portuguesa. Ingénuos? O caminho, cada dia que passa, começa a ser cada vez mais estreito. Nós precisamos este ano de pedir emprestado 46000 M€ (quase 1/3 do total da dívida). Em Abril temos uma prova de fogo com uma série a 5 anos e meio a vencer no valor de 4.342 M€. Em Junho com uma série a 10 anos e três meses a vencer no valor 4.933 M€. Bastante complicado refinanciar estas séries da maneira como os portugueses lidam com os seus financiadores.

O ponto fundamental é a despesa pública. Esta tem que começar a descer sob pena de por em causa todo o esforço dos portugueses que está plasmado no plano de austeridade do orçamento do Estado para 2011 - corte salariais e aumento de impostos - e nas medidas tomadas em Maio de 2010 - subida do IRS em 1% e 1,5% e a subida do IVA em 1 ponto percentual.

A abertura de uma nova série a 5 anos através de uma operação sindicada de 3500 M€ no passado dia 7 de Fevereiro de Obrigações do Tesouro (OT) com uma taxa de juro (cupão) de 6.4%, mais não foi do que obter financiamento sem olhar à taxa que se iria pagar. Agora a referência no mercado secundário da yield está sustentadamente acima dos 7% e o juro que entrará para as contas públicas do estado será de 6.4% numa emissão de 5 anos, quando temos as emissões a 10 anos que contribuem com taxas de 4.8 e 5.2% nos seus cupões. É verdade que é melhor pagar agora os juros que se devem do que protelar e diferir parte deles para a data da amortização, mas quando surge uma série de 6.4%, possivelmente quem o faz é porque acha que não vai conseguir financiamento mais barato no futuro. A luz ao fundo do túnel é cada vez mais uma miragem…

Paulo Rosa, economista, 22 de Fevereiro de 2010

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.