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sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

O custo de produção do "shale Oil": o preço do petróleo passa agora por aqui

Quando Donald Trump foi eleito para a presidência dos EUA, a 8 de novembro, as cotações das empresas de energias renováveis (EDP, EDPR, as alemãs RWE e E.ON, as espanholas Iberdrola e Endesa e elétricas americanas, entre outras) caíram imediatamente, em reação à pouca simpatia de Trump por energias verdes. Isto numa altura em que o mercado vive um "rally Trump" impressionante de final de ano, algo que não se verificava nos últimos anos. O mercado acionista está entusiasmado com o impulso que Donald Trump promete dar à economia norte-americana, e por arrasto à economia mundial, através do aumento da despesa pública e da descida de impostos, prolongando o ciclo de crescimento da economia dos EUA, que dura há oito anos. Porém, e Inevitavelmente, veremos a dívida pública norte-americana aumentar, quando já se encontra em níveis substancialmente elevados, e muito dificilmente se manterá o crescimento por muito mais tempo.

As expectativas em torno da subida das taxas de juro nos EUA e da evolução da sua política monetária também animaram o mercado, num mês que costuma ser bem mais calmo.
O preço do petróleo também subiu, mas a principal razão não foi o facto de Trump ter convidado o presidente da Exxon Mobil para Secretário de Estado. Foi o acordo, entre os países da OPEP, para reduzir a produção em 1,2 milhões de barris diários no final de novembro e em 1,8 milhões de barris a partir de janeiro.

Segundo os analistas, historicamente, a taxa de cumprimento do que é acordado nas reuniões da OPEP situa-se entre os 50 e os 80%.
Há sempre um país que fura o acordo, tradicionalmente entre os que produzem barato, na casa dos 5 a 15 dólares por barril, como a Arábia Saudita e países da península arábica, para não perderem quota de mercado.

Devido à indexação das receitas do petróleo às despesas públicas dos países, como na Argélia ou em Angola, os países produtores sentem-se mais confortáveis com preços altos apesar do risco de perda da quota de mercado. Dado que o último acordo foi realizado entre membros da OPEP e outros países, como a Rússia, a probabilidade de incumprimento é ainda maior.

A perda de quota de mercado dá-se, nomeadamente, para o "Shale Oil" (petróleo de xisto) cujos poços podem ser reabertos com facilidade e sem investimentos avultados. A OPEP há muito que deixou de ser um fixador de preço e está, neste momento, entre a espada e a parede porque ao reduzir a produção para tentar pressionar o preço em alta, os países que formam o cartel correm o risco de perder quota de mercado e receitas.

Aliás, o fixador do preço de mercado passou a ser o custo de produção do "Shale Oil", nomeadamente dos produtores norte-americanos, que ronda, hoje em dia, valores entre os 50 e os 55 dólares por barril. À medida que os progressos tecnológicos vão avançando, os custos de produção vão diminuindo e o preço do petróleo também. Por absurdo, se os custos de produção do petróleo de xisto norte-americano, e também das "Oil Sands" (petróleo betuminoso do Canadá e da Venezuela), descesse para 20 USD/barril, então o preço do petróleo baixaria para esses valores.

Para Portugal, país importador de petróleo, é sempre negativa a subida do preço. A subida sistemática dos preços dos combustíveis nas últimas semanas, e mesmo meses, é causada não só pelo aumento do preço do barril de petróleo, mas também pela subida do dólar em relação ao euro, mais acentuada após a eleição de Donald Trump.

A economia portuguesa é muito sensível ao preço do petróleo, apesar de existir um crescente peso das energias renováveis. O Orçamento do Estado para 2017 baseia-se numa previsão de 51.3 dólares por barril. No Orçamento de Estado para 2017, o Governo prevê que um preço acima dos 20% estimados tenho um impacto negativo de 0.2 pontos percentuais no PIB. Atualmente o Brent de Londres, que serve de referência para Portugal, cota bem acima nos 56 dólares.

Caso o preço do barril continue a subir ainda mais, os impactos negativos no PIB, na balança comercial e na dívida pública serão consideráveis. Porém, se o petróleo voltar à casa dos 40 ou mesmo 30 dólares, o impacto pode não ser muito positivo, pode não ser muito relevante porque a economia portuguesa tem um crescimento bastante anémico e que, provavelmente, continuará no próximo ano.

Paulo Rosa, Semanário "Vida Económica", 16 de dezembro 2016


segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

JOGO DA BOLSA: não há melhor para experimentar os Derivados

Esta é a última semana do JOGO DA BOLSA. Sexta feira vamos conhecer o concorrente que melhor geriu o dinheiro (virtual) que lhe foi confiado. Não podemos adivinhar-lhe o nome, mas quase que aposto que o vencedor não se ficou pela compra e venda de ações ou obrigações. Faço ainda mais uma aposta: só vai conseguir aqueles ganhos porque usou derivados.

As ações ou obrigações não são forma mais eficaz para se ganhar o jogo. Com derivados, devido à sua alavancagem, é mais fácil ganhar. E, muito provavelmente, o vencedor será encontrado entre alguém que apostou em derivados, desde CFD ao Forex, e seria quase impossível estar entre os que apenas investiram em ações ou obrigações.


As obrigações são uma forma de as empresas se financiarem através do mercado de capitais, tal como na emissão de acções. Mas as acções compram uma parte (do capital) da empresa e as obrigações são um empréstimo à empresa. As obrigações são muitas vezes apelidadas de capitais alheios, passivo da empresa, porque o seu financiamento é obtido através de pessoas singulares ou colectivas porque precisamente não levam o investidor à propriedade da empresa. O financiamento através da emissão de acções é nomeado de capitais próprios porque confere ao seu titular a qualidade de dono da empresa, com vários direitos, entre eles o de receber a contrapartida dos lucros gerados sob a forma de dividendos. A esse retorno (relação entre o capital investido e a remuneração ganha) chamamos de “dividend yield” – rentabilidade dos dividendos.

Genericamente, as obrigações representam títulos de crédito que conferem ao detentor receber um juro periódico e, numa determinada data pré-conhecida, o reembolso do capital emprestado.
O elemento principal é a taxa de juro, o valor nominal, o preço de emissão, o valor do reembolso a forma de amortização.

Grosso modo, no que concerne à rentabilidade, o retorno de uma obrigação é relativamente reduzido quando comparado com um derivado, mas o risco também é significativamente mais baixo, e resume-se ao incumprimento dos compromissos financeiros por parte da empresa em causa. A aquisição de obrigações é aconselhável para investimentos de longo prazo e para investidores mais avessos ao risco, logo não faz sentido ter numa carteira que se espera multiplicar várias vezes durante um mês como é o caso do Jogo da Bolsa.
As acções também acabam por ser colocadas de parte no jogo, porque se apostamos numa acção que achamos que vai subir, quem adquirir futuros ou CFD desse mesmo activo subjacente irá ganhar dez vezes mais do que nós, caso a margem seja 10%, e obter uma vantagem logo à partida muito substancial para ganhar o jogo em relação a quem comprou acções no mercado à vista. Os derivados também têm a vantagem de se poder ganhar com a queda do mercado, enquanto que o investimento em acções ou obrigações se traduz em perdas caso o mercado esteja de baixa.

Os derivados são os mais aconselhados para se ter sucesso no jogo da bolsa.
A alavancagem é uma excelente estratégia para se ganhar o jogo e, provavelmente, nenhum jogador o vencerá sem exposições assentes no crédito. Porém, se o mercado evoluir no sentido contrário ao das opções tomadas pelo jogador, ele irá ficar com certeza entre últimos.
Esta estratégia, que parece ser a mais adequada para se vencer o jogo, deve ser utilizada com muita cautela no mundo real. Colocar todo o dinheiro num produto alavancado pode ser a melhor opção para se vencer no mundo virtual, mas pouco recomendável para se alcançar o sucesso no mercado real, nomeadamente no longo prazo. A alavancagem é comumente utilizada em três estratégias: arbitragem, cobertura de risco e especulação. No entanto, a estratégia da especulação pode originar por vezes dissabores bastante significativos.

Os activos alavancados como CFD, futuros e opções ou Forex permitem abrir um contrato e ganhar, ou perder, a diferença entre o preço de abertura e de fecho. Facultam a prerrogativa, ou não?!, de negociar com apenas uma percentagem do valor total de exposição, daí a sua característica alavancada que reúne riscos e benefícios muito consideráveis. As posições abertas poderão acarretar ganhos ou perdas significativamente superiores ao capital investido. Por isso, será a melhor a melhor estratégia para ganhar o jogo. Todavia, toda a atenção, na sua negociação no mercado real, é pouca…

Em suma, o jogo da bolsa leva-nos à impressionante inferência de que temos sempre que distinguir entre o que é um jogo e o que é a realidade…

Paulo Rosa, Jornal de Negócios 5 de dezembro 2016



sexta-feira, 18 de novembro de 2016

NOVEMBRO: UM BOM MÊS PARA POUPAR E INVESTIR

O Estado Português vai realizar uma nova emissão de Obrigações do Tesouro de Rendimento Variável (OTRV), que será a terceira desde a criação deste produto destinada ao mercado de retalho, no montante de 500 milhões de euros. Esta subscrição, dirigida ao público em geral, arrancou a 14 e termina a 25 de novembro. Trata-se de um título de dívida a cinco anos, com reembolso em 30 de novembro de 2021, sendo os juros pagos semestralmente.

O investimento mínimo é de mil euros e em múltiplos desse valor até ao máximo de um milhão de euros. A OTRV será admitida à cotação na Euronext, como as duas emissões já existentes. Estas últimas cotam acima de 100, ou seja, se o investidor pretender vender agora o seu investimento vai receber um valor superior ao que investiu, o que dá mais garantias e entusiasmo à presente emissão. A cotação em bolsa varia de acordo com a evolução das taxas de juro: negativamente, se subirem as taxas de juro da dívida soberana portuguesa e positivamente com taxas de juro mais altas do mercado monetário, no caso, se a taxa Euribor a 6 meses subir.

A taxa de juro é de 2% acrescida da Euribor a 6 meses que, caso seja negativa como acontece atualmente, não será tida em conta. Há mais de um ano que as taxas Euribor a 6 meses estão em terreno negativo. Se as taxas de juro subirem nos próximos cinco anos, então a remuneração será maior. Há comissões bancárias de subscrição e amortização, guarda de títulos e pagamento de juros a ter em conta, bem como 28% de imposto a pagar, como acontece sempre que há pagamento de juros e dividendos.

Nas duas operações anteriores, em abril e agosto, os juros eram a taxa fixa de 2.2% e 2.05%, respetivamente. A taxa desta terceira emissão é de 2%, ligeiramente mais baixa que as anteriores, mas esta opção do Estado é justificada pela elevada procura nas emissões anteriores, pelas reduzidas taxas de juro dos depósitos a prazo, o produto de poupança preferido dos portugueses, que estão muito próximas de zero, e pela evolução das taxas de juro no mercado da dívida. Para dar um exemplo, no início de novembro, a taxa das Obrigações do Tesouro (OT) a cinco anos cotava à volta dos 1.8%, esta semana foi aos 1.95%, mas abaixo dos 2% garantidos pelo Estado.

Os títulos de dívida emitidos pelo Estado, ou por qualquer outra entidade, não têm todos o mesmo risco. Normalmente o risco é mais elevado quanto maior for a maturidade, o prazo contado desde a emissão até ao reembolso, do título em causa. Temos mais certezas no curto prazo com base em tendências e notícias e a incerteza aumenta com o tempo. As expetativas para inflação também influenciam as taxas de juro de longo prazo.

As OTVR são muito semelhantes aos Certificados de Aforro e Certificados do Tesouro no que concerne à perceção de risco. Têm um caráter de aforro e destinados ao público em geral, pelo que deverão estar poupados a perdas em caso de renegociação de dívida, ou bancarrota (default). O mercado de dívida esteve vedado à Grécia e a Portugal durante os períodos de resgate. Porém a República Helénica continuou a financiar-se no mercado através da emissão de Bilhetes do Tesouro. Portugal emitiu sempre BT entre abril de 2011, quando pediu ajuda externa, e junho de 2014. Na Grécia a reestruturação da dívida pública, de abril de 2012, apenas penalizou as OT. Os BT foram sempre pagos integralmente. Se os BT, instrumentos de dívida de curto prazo e cuja emissão em mercado primário é assegurada por bancos, foram sempre pagos, a probabilidade de um instrumento de dívida criado para o retalho, como as OTRV, ser sempre pago é mais elevada.

Tendo em conta o risco implícito, as OTRV têm uma rentabilidade muito atrativa face às alternativas para o mesmo nível de taxa de juro. As OT a 5 anos rendem atualmente 1.95% e têm um risco mais elevado que as OTRV, sendo mais propensas a um "haircut" em caso de reestruturação da dívida soberana portuguesa. Se a Euribor a 6 meses passar para cerca de 2%, as OTRV pagam 4%, uma taxa bastante interessante face a títulos com um risco significativamente mais alto como as obrigações da SAD do FC Porto ou da SAD do Benfica…

Paulo Rosa, Semanário "Vida Económica", 18 novembro 2016


sexta-feira, 4 de novembro de 2016

ERA UMA VEZ NA AMÉRICA...

Quem será melhor para a economia e para as bolsas, Donald Trump ou Hillary Clinton? Estas eleições são, talvez, uma exceção do que aconteceu nos EUA nos últimos 200 anos. Um povo dividido - cerca de dois terços dos brancos apoiam Trump e a maior parte dos hispânicos e dos afro-americanos votam Hillary. Em termos de evidência histórica do Dow Jones desde 1901 até 2016, uma vitória de Hillary Clinton seria mais desejável para os mercados. O DJ teve um retorno médio anual de 7% com presidentes democratas, contra os 3% de retorno médio em administrações republicanas. As presidências democratas têm tendência para políticas expansionistas mais expressivas, quer monetária quer orçamental? Talvez. Mas se forem criadas bolhas, através de políticas monetárias bastante inflacionistas por parte da FED e aumento do orçamento federal através de mais despesa pública e subida dos impostos, elas terão que ser corrigidas mais tarde ou mais cedo.

Há quem refira que uma governação de Hillary seria mais previsível que uma governação de Trump. Mas uma vitória de Hillary pode resultar num impasse no capitólio, parlamento dos EUA, com um congresso atualmente controlado pelos republicanos. A maioria dos senadores (câmara alta) e da casa dos representantes (câmara baixa) são republicanos, o que pode contribuir para mais investigações sobre os e-mails de Hillary, a Fundação Clinton e alegadas corrupções, levando a um eventual "impeachment" (destituição).

Apesar de existirem fatores que beneficiam mais um ou outro candidato há uma estatística importante: a economia e o mercado foram penalizados a seguir às eleições de 1992, 2000 e 2008. Nos últimos oito anos, a economia dos EUA subiu, mas começa a arrefecer. Numa situação de pleno emprego - a taxa de desemprego está abaixo dos 5% - a economia deveria crescer cerca de 3%, mas cresce apenas 1%. A correção pode estar a caminho, seja quem for o próximo presidente.

As sondagens nas últimas semanas têm encurtado a distância entre Trump e Clinton. Hillary foi perdendo a vantagem e muitas sondagens apontam para um empate técnico. Os mercados também têm corrigido e boa parte dos analistas justifica as perdas do mercado com esse facto, o que mostra que estariam mais confortáveis com uma vitória de Hillary. Porém, os dados macroeconómicos mais fracos nos EUA, e uma possível subida das taxas de juros por parte da Reserva Federal no próximo mês podem ser a verdadeira razão do fraco desempenho dos mercados acionistas nos últimos dias.

O índice S&P 500 tem lateralizado desde julho e está em mínimos dos últimos quatro meses, descendo 5% desde os máximos históricos atingidos em agosto, nos 2193 pontos. Neste momento está perto da média móvel de 200 dias (MA200) que passa nos 2080 pontos, que é uma fronteira entre um mercado "bull" (altista) e um mercado "bear" (de baixa). O Nasdaq 100 já perdeu 4% desde o máximo de 25 de outubro até 1 de novembro. A descida do Nasdaq 100 pode ter mais relação com a eventual bolha que existe no setor, alimentada pela falta de alternativas, com taxas de juro negativas e pelos resultados trimestrais abaixo das estimativas, do que pelas sondagens das eleições.

Paulo Rosa, In "Vida Económica" 4 de novembro 2016





sexta-feira, 28 de outubro de 2016

87 ANOS DEPOIS DO CRASH DE 1929

A 29 de outubro de 1929, terça-feira negra, quantidades massivas de ações da Bolsa de Nova Iorque foram postas à venda, mas não havia compradores. Anos antes, no meio da euforia, os bancos permitiam a compra de 10 ações a quem tivesse dinheiro para uma. À medida que as cotações subiam, a bolha ia sendo alimentada.

A crise financeira de 2008, como a de 1929, tiveram na génese políticas monetárias expansionistas das autoridades monetárias. A evolução das taxas de juro da FED na década anterior a cada uma das crises parece tirada a papel químico, como se vê no gráfico.

A Reserva Federal dos EUA, FED, desceu as taxas de juro de referência, de 6% em 2000 para 1% em 2003, para tentar controlar os efeitos do rebentamento da bolha das "dotcom", causada pelo acesso ao capital barato na década de 90. Acabou por criar uma falsa poupança e crédito barato, que levaram à duplicação dos preços das casas nos EUA, de 2003 a 2006.

Quando a Reserva Federal subiu as taxas de 1% para 5%, entre 2003 a 2006, os agentes económicos não conseguiram pagar as prestações e os preços das casas caíram. A falência das famílias aumentou e culminou na crise do sub-prime. Mais tarde, viria a resultar na crise das dívidas soberanas dos países periféricos da Zona Euro e a colocar em causa a sobrevivência da moeda euro.

Em 1929 aconteceu o mesmo: a taxa de juro da FED era de 7% em 1921 e de 2,5% em 1925. No final de 1929 já se encontrava de novo nos 6%. A história já mostrou que os bancos centrais só compram tempo. Apesar de atualmente os Estados não poderem ser financiados diretamente pelos bancos centrais, as operações de cedência de liquidez pelos bancos centrais são feitas convencionalmente com títulos da dívida pública. Os bancos compram obrigações do tesouro aos Estados, financiando os orçamentos dos governos, que usam como garantia para obter financiamento e nova moeda junto dos bancos centrais. Os bancos centrais mais não fazem do que financiar as dívidas dos Estados, com a intermediação dos bancos.

Há vários filmes e documentários sobre a crise de 2008. O "Inside Job" é um dos mais conhecidos e realista, mas conta a história do meio para a frente. Como numa ecografia feita no 4º mês de gestação, o "Inside Job" nada refere a respeito dos primeiros 4 meses.

Em 1929, os carros ficaram na linha de produção das fábricas. Não houve uma crise de superprodução porque a maior parte das pessoas não tinha automóvel. Os carros não tiveram compradores devido ao desfasamento entre a poupança e a política monetária da FED. O governo dos EUA, tentou travar a queda dos preços, através da manutenção dos salários nominais. O resultado foi a falência das empresas pelo aumento dos custos laborais reais e subida do desemprego. As autoridades optaram por políticas económicas expansionistas. O aumento de impostos para compensar a despesa pública, o protecionismo e a diminuição das taxas de juro agudizaram a crise.

Esta política, ainda hoje em voga, parte erradamente do princípio de que o consumo é o motor da economia, mas o verdadeiro fermento do crescimento económico é o investimento. Para haver consumo, tem que existir antes poupança e investimento. São o aforro, o investimento e a propensão do ser humano pelo conhecimento do mundo que o rodeia que estão na génese do crescimento económico.

Paulo Rosa, In Jornal Semanário "Vida Económica" 28 de Outubro 2016.





sexta-feira, 14 de outubro de 2016

A UBER já chegou a todo lado menos à bolsa

Foi criada em São Francisco em 2009 e lançou o serviço nesta cidade em 2010.

Hoje, a UBER está em mais de 350 cidades, espalhadas por 67 países, através de uma aplicação que é utilizada por mais de três milhões de clientes diariamente. Está em Portugal desde julho de 2014.
Foi mais um unicórnio - uma startup de rápido crescimento - que nasceu na Califórnia e que se tornou num caso global, apesar (ou por causa) das inúmeras resistências à mudança. A UBER parece ser uma boa experiência para os consumidores que têm escolhido os seus serviços.
No primeiro semestre deste ano, a UBER teve um prejuízo na ordem dos 1300 milhões de dólares. A percentagem paga aos motoristas, de 8 0%, é responsável pela maior parte das perdas da empresa a nível mundial.

Em 2015, a UBER teve receitas de 1500 milhões de dólares, mas as perdas foram de 2 mil milhões de dólares. Em sete anos perdeu pelo menos 4 mil milhões de dólares. Segundo alguns analistas é difícil encontrar uma empresa tecnológica que perca tanto dinheiro. Há um ano, a Bloomberg noticiava que a aplicação móvel estava a negociar uma ronda de investimento, que já avaliava a empresa em 62,5 mil milhões de dólares.

Num ambiente de taxas de juro próximas de zero, há uma maior propensão para ativos alternativos. Pode ter sido por isso que, entre 2009 e 2015, a UBER captou uns impressionantes 8,2 mil milhões de dólares, junto de investidores privados, nomeadamente empresas de capital de risco que financiam em grande parte as startup. Enquanto isso, as receitas não devem passar dos 2 mil milhões de dólares no final deste ano. Os múltiplos são uns surreais 25 e 50 para uma avaliação de 50 mil milhões ou 100 mil milhões de dólares, respetivamente. Por exemplo, o Facebook levantou junto de investidores, entre 2004 e 2011, um quarto desse montante, 2.4 mil milhões de dólares.
É difícil encontrar uma empresa tecnológica com perdas tão avultadas. A Amazon é famosa por perder dinheiro na sua fase de crescimento, mas a sua maior perda foi de 1400 milhões de dólares há 16 anos, no ano 2000. A UBER ultrapassou esse número em 2015 e está a caminho de fazê-lo novamente este ano…

É nestes momentos de alta que as empresas escolhem entrar na bolsa (através de um IPO, "Initial Public Offer"). Os IPO destas startups são importantes também porque o escrutínio dos mercados acionistas é crucial para aferir o seu real valor no longo prazo.
O Nasdaq está perto dos máximos de sempre, com uma forte subida no último ano e meio. Está, aliás, a lembrar os valores que tinha quando rebentou a bolha das tecnológicas, em 2000. Haverá uma bolha tecnológica ainda na fase pré mercado? Muito provavelmente. Os múltiplos são elevados, em muitos casos, cerca de 30 vezes as receitas geradas no ano.

O sentimento de que é iminente o rebentamento da bolha tecnológica pode ser uma razão para que a UBER não se tenha apressado a dispersar capital em bolsa.
Uma notícia recente citava o blogue pessoal do investidor norte-americano Mark Cuban, jurado do Shark Tank: "a bolha que se está a viver agora é pior do que a de 2000, ano marcado pelo estoirar da bolha das dotcom, empresas que atuavam no setor da internet. A crise desse ano culminou numa das correções mais fortes de sempre nos mercados financeiros internacionais e numa recessão económica nos EUA. Mark Cuban refere que, agora, a bolha acontece no investimento privado – um mercado sem avaliações e sem liquidez".

Paulo Rosa, In "Vida Económica"


sexta-feira, 30 de setembro de 2016

É SEXTA-FEIRA! QUERO UM BOM INVESTIMENTO JÁ!

Quem trabalha numa sala de mercados, já atendeu muitos clientes a perguntar por títulos seguros. Estes investidores querem comprar algo que seja seguro e chegam mesmo a sugerir algumas hipóteses, acreditando que há casos de empresas que seria impossível vê-las falir ou desvalorizar muito. Estas perguntas abundam em períodos em que, como agora, "os depósitos a prazo no banco não dão nada!"

Não há títulos seguros em termos absolutos. Há apenas títulos mais seguros que outros, em termos relativos.

A casa financeira Jefferies, no passado 2 de setembro, reviu em baixa o preço alvo dos CTT de 11 para 7 euros, alterando a recomendação de comprar para manter. O título CTT é visto por uma boa parte dos investidores como um "título seguro". Se cair um pouco é de comprar porque vai sempre recuperar e dar um bom encaixe no futuro. No entanto, no último ano, os resultados não superaram as expetativas dos investidores. O negócio tradicional dos CTT e que corresponde à área não liberalizada, o correio postal, está em declínio. A distribuição de encomendas postais tem muitos concorrentes e mais eficientes. O recém-criado Banco Postal, apesar dos custos terem sido baixos, não tem sido a mais-valia que se esperava, não só porque o negócio ainda tem muito caminho para fazer até chegar ao break-even (ponto de equilíbrio no balanço) mas principalmente pelo momento menos favorável que o setor bancário está a passar.

Pois este título, que aparentemente os investidores têm como seguro e sólido, já perdeu cerca de 40% desde novembro do ano passado. Títulos seguros? Podemos afiançar títulos mais seguros que muitos outros, mas não conseguimos apontar um que seja seguro e totalmente isento de risco. Até um certificado de aforro, dos ativos financeiros mais seguros que existem, tem o seu risco inerente. Esta conclusão sobre o risco dos ativos financeiros ficou mais percetível desde a crise financeira de 2008...


A Navigator, antiga Portucel Industrial, é um bom título, uma exportadora de excelência, com elevada rentabilidade do dividendo (dividend yield). É um título seguro? Vamos ganhar sempre dinheiro? Ninguém pode garantir. A procura de pasta de papel pode diminuir caso se passe a utilizar menos papel por alguma razão tecnológica. Mas a Navigator também produz energia através da biomassa! E quem nos garante que não aparecem outras empresas com uma energia nova no futuro?
No curto prazo – durante uma semana ou alguns meses haveralgum desfasamento entre a cotação de uma ação e o valor da empresa, mas no longo prazo a cotação reflete quase sempre o valor da empresa. Exceção feita, muitas vezes, às ações de empresas muito especulativas, em fase de falência ou que apresentam os relatórios e contas atrasados em mais de três anos.

Ou seja, quando existe uma significativa assimetria de informação, a negociação destes títulos é realizada exclusivamente por especuladores e/ou profissionais, não se aconselhando o investidor particular a alimentar qualquer propensão para investir nestas empresas.

Paulo Rosa, In jornal semanário "Vida Económica", 30 de setembro de 2016



sexta-feira, 23 de setembro de 2016

A Queda de um Anjo

Soubemos há poucos dias que os EUA têm a intenção de multar o Deutsche Bank (DB) em 14 mil milhões de dólares para dar como terminado um processo ligado à crise do “subprime”. O banco alemão, tal como outros, é acusado de ter vendido, antes da crise financeira de 2008, créditos imobiliários de elevado risco, os denominados RMBS (Residential Mortgage-Backed Security). Em abril o banco norte-americano Goldman Sachs pagou uma multa de 5 mil milhões de dólares num caso semelhante. O montante de 14 mil milhões de dólares equivale a quase 80% do valor em bolsa do DB, cerca de 8% do PIB português e ronda o valor atual das reservas de ouro portuguesas. O banco alemão já colocou de parte 2 mil milhões de dólares, mas diz que não tem intenção de pagar o total da dívida.

Desde o dia 16, em apenas três dias, as ações do DB perderam 14%, mas o mais impressionante foi a queda de 15% das obrigações perpétuas, batendo nos mínimos de fevereiro. O Deutsche Bank reportou, a 28 de janeiro, um surpreendente prejuízo de 6.8 mil milhões de euros relativos aos resultados de 2015 como consequência dos custos com litígios e reestruturações. Nas duas semanas seguintes, as obrigações perpétuas caíram 20% de 88 para 70 e as ações sofreram quedas na ordem dos 22%. Após algum alívio, e correção em alta, os títulos do DB voltaram às quedas mais acentuadas depois de ter sido divulgado o chumbo do banco alemão nos testes de stress feitos nos EUA, a par do Santander.



A elevada alavancagem em derivados do Deutsche Bank é mais um ingrediente para uma situação bastante delicada quer para o banco, para a Alemanha e também para o sistema financeiro mundial. Alguma coisa a Alemanha terá que fazer se quiser salvar o DB.

Segundo um relatório do FMI no final de junho, o Deutsche Bank é o banco com o maior risco sistémico do mundo e afirma mesmo que no exterior supera o risco da própria Alemanha. As taxas de juro muito baixas, quase de zero ou mesmo negativas nalguns prazos, alicerçadas numa política monetária fortemente expansionista do Banco Central Europeu (BCE) potenciam também, e significativamente, esse risco. Na lista apresentada pelo FMI e encabeçada pelo Deutsche Bank, seguem-se o HSBC, o maior banco da Europa, e o Crédit Suisse.

Estará todo o sistema bancário mundial depauperado e a precisar de um resgate? Muito provavelmente, sim. A banca chinesa está, de dia para dia, numa situação cada vez mais difícil. Ainda esta semana vimos, através da divulgação do BIS, o significativo “gap” entre o crédito e o PIB chineses, que atinge os inimagináveis 30.1%. Acima de 10% já se está numa situação bancária bastante delicada. Os maiores bancos europeus não param de surpreender negativamente os investidores. Também os bancos da Europa mediterrânica, nomeadamente em Itália e Portugal, o BCP e o Monte Dei Pachi de Siena, com um Texas Ratio bastante elevado, espelham uma preocupante carteira de crédito malparado. O risco de uma crise do sistema bancário é bastante plausível…

Publicado In "Vida Económica" a 23 de setembro
Escrito a 20 de setembro



quarta-feira, 31 de agosto de 2016

POR MARES NUNCA DANTES NAVEGADOS



PARA ONDE NOS LEVAM OS BANCOS CENTRAIS?

Depois de um mês de agosto pautado pela falta de liquidez e ausência de volatilidade nos mercados, aguarda-se com expetativa a chegada do sempre imprevisível mês de setembro, tradicionalmente caracterizado pela elevada volatilidade e influência na tendência dos mercados até ao final do ano.
É pertinente realçar o encontro anual nos EUA que reuniu os principais banqueiros centrais e economistas de renome mundial, realizado em "Jackson Hole", no Wyoming, nome pelo qual é conhecido. Este ano era esperado com entusiasmo o discurso da Presidente da Reserva Federal norte-americana, Janet Yellen, no que concerne à subida, ou manutenção, das taxas de juro de referência da FED até ao final do ano. Nos dias, e mesmo meses, que antecederam a reunião havia uma sintonia alargada pelos economistas e analistas que não esperavam mais nenhuma alteração nas taxas de juro até ao final de 2016. Porém, e após Janet Yellen ter referido que a economia dos EUA está mais robusta e que as metas para a inflação e emprego estão mais próximas dos objetivos, deixou no ar a dúvida quanto a uma ou duas subidas de um quarto de ponto nos próximos quatro meses. Os futuros das "Fed Funds Rate" negociados na bolsa de Chicago continuam a apontar, mesmo em dezembro, para a manutenção das taxas nos 0.5%, um sinal de que a subida de taxas não está a ser encarada como certa pelos investidores. O mercado laboral nos EUA não tem criado postos de trabalho suficientes para manter um crescimento do PIB na casa dos 2 ou 3%. E a diminuição da população ativa nos últimos cinco anos, devido a muitos desencorajados que deixaram de procurar emprego, contribuiu em parte para a queda da taxa de desempregos dos 10% em 2009 para os 4,7% há três meses.

Se os EUA não subirem as taxas, e o Banco Central Europeu (BCE), o Banco do Japão (BoJ) e restantes bancos centrais de referência mundial como o Banco Nacional da Suíça (BNS) e o Banco de Inglaterra (BoE) permanecerem com a sua politica monetária fortemente inflacionista, poderemos assistir ao agudizar de uma provável bolha financeira que tem vindo a formar-se ao longo dos últimos anos. Não são só os índices acionistas norte-americanos que estão em máximos históricos, os mercados obrigacionistas também se encontram bastante valorizados com as taxas de rentabilidade (yield) das obrigações do tesouro dos EUA a 10 anos nos 1.6% e a yield do bund alemão negativa de -0,1%, o imobiliário norte-americano já se encontra a preços de 2006, o seu máximo. Todas estas valorizações, e máximos consecutivos dos ativos financeiros, são fruto da resposta dos investidores às políticas monetárias expansionistas encetadas pelos bancos centrais, após a crise financeira mundial de 2008, com vista a debelar e resolver o problema financeiro gerado. No entanto, essa política estará, muito provavelmente, a criar um problema maior já no futuro próximo.

Estaremos a entrar em "mares nunca dantes navegados", numa experiência nova e jamais ensaiada em toda a história monetária. A preferência por liquidez é uma das principais marcas dos tempos atuais. Há alemães a comprar cofres para guardar o dinheiro, tal como se guardam barras de ouro. As comissões de manutenção dos bancos têm aumentado e as taxas de juro oferecidas são praticamente zero, desincentivando os depósitos junto dos bancos. O dinheiro à ordem nos bancos pode ser emprestado a qualquer momento, devido ao sistema de reservas fracionárias em que assenta a banca comercial, e, pelo risco acrescido, é também um desincentivo à manutenção desses depósitos. Um reflexo desta atitude dos depositantes é a diminuição de poupança para emprestar, a não ser que se criem certificados, com curso legal corrente como se de uma moeda se tratasse, baseados nos depósitos que estão nos cofres. Os bancos comerciais cederam crédito a taxas baixas, no que concerne aos “spreads”, e hoje não conseguem recuperar esse dinheiro porque os indexantes são negativos, nomeadamente taxas de juro de curto prazo do mercado monetário como a euribor a 6 meses. O crédito malparado é cada vez mais uma realidade crescente. Há vários anos que assistimos ao enfraquecimento da banca comercial com consecutivos resultados negativos que mais cedo ou mais tarde irão repercutir-se nas bolsas e na economia.

A preferência por liquidez é bastante racional para os agentes económicos avessos ao risco. A inflação é baixa, e mesmo negativa (deflação), o que mantém o valor do dinheiro detido mesmo que esteja parado. Muito provavelmente, mil euros hoje comprarão a mesma coisa daqui a três ou quatro anos… ou se calhar mais.

Paulo Rosa, Jornal semanário "Vida Económica", 2 de setembro 2016


sexta-feira, 22 de julho de 2016

A FEBRE DO POKÉMON GO

E quando menos se espera, eis que surge uma novidade que se espalha à velocidade da luz. É fácil perguntar: porque não criei este jogo milionário que estava mesmo à frente dos meus olhos? A Google já tinha, em 2014, criado o embrião deste jogo mas abandonou o projeto. Quem viu no jogo criado pela Google um potencial enorme foi a Niantic, empresa que o desenvolveu em parceria com a nipónica Nintendo. A Nintendo estava parada no tempo com jogos de há 10 ou 20 anos, que mantinham os jogadores isolados num mundial exclusivamente virtual. O novo jogo tem apenas algumas semanas. No final de 2007, a Nintendo cotava à volta de 70.000 ienes, no final de junho passado estava no mínimo de um ano e meio, a valores do início de março de 2015, nos 13.000 ienes. A 19 de julho atingiu um máximo de 32.700 ienes. De 7 a 19 de julho subiu cerca de 130%. O potencial está esgotado? Muito provavelmente não. Há analistas que estimam uma receita de 10.000 euros a cada minuto que passa. A capitalização bolsista da Nintendo já iguala a da Sony nos 4 biliões de ienes, ou seja, 35 mil milhões de euros. Em 2015, as receitas da Sony foram 16 vezes superiores às da Nintendo. A cotação pode ter ainda muito para subir: são poucos os países que podem jogar Pokémon Go. A 17 de julho o jogo estava em 26 países, apesar de nalguns a aplicação ainda não estar disponível para os sistemas operativos IOS e Android, e apenas através de links duvidosos.

Quem lucra com esta nova corrida ao ouro? A Nintendo em termos financeiros e quem joga, que acaba por desfrutar de uma boa dose de adrenalina. Um jogo dos 7 aos 77 anos, que concilia a excitação de um jogo virtual com o exercício físico, o conhecimento de uma cidade em termos históricos, gastronómicos, culturais… Um jogo bastante interativo socialmente e, dentro da sua realidade virtual, bastante real! Já havia jogos parecidos, como o "Game of Thrones", mas não com a interatividade do Pokémon Go. Tira as pessoas do computador, de casa, mas os perigos são muitos como os assaltos, atropelamentos ou quedas.

Chegou a Portugal a 15 de julho. Países com grande potencial, devido à dimensão demográfica e à apetência por jogos, como o Brasil, Japão e China, continuam à espera do jogo. Na China o jogo poderá nunca estar disponível se as autoridades acharem que ameaça a segurança do país. O jogo utiliza o GPS e zonas militares ou mais sensíveis podem ficar vulneráveis. A 1 de julho foi publicada uma lei que exige uma pré-aprovação governamental para o lançamento de novos jogos para telemóveis. Em 2013, quando a Coca-Cola fez uso do GPS para a localização dos seus pontos de serviços, foi acusada de violar a lei. O jogo utiliza a internet e os pacotes de dados já dispararam, pelo que as receitas e as cotações em bolsa das operadoras de telecomunicações deverão melhorar o desempenho.

As versões de boa parte dos smartphones são incompatíveis com as definições do Pokémon Go, que requer telemóveis atuais e com mais capacidade. Há já uma corrida a telemóveis novos o que beneficia as receitas das vendedoras de smartphones como Apple, Samsung, LG, Sony, Nokia, Xiaomi, Huawei, HTC, entre outras. Há um impulso na economia, ainda que pequeno.

A dinâmica da inovação, que é o principal fermento para o crescimento económico, não para. Como referia o economista francês Jean-Baptiste Say, a oferta cria a sua própria procura. Tal como os "tablets" e os "smartphones há 10 anos criaram necessidades desconhecidas até então. Tal como a televisão há 70 anos ou a rádio, o automóvel… podemos recuar até ao fogo e à roda há dez mil anos.

Paulo Rosa, In Vida Económica, escrito a 20 de julho e publicado a 22.




sexta-feira, 8 de julho de 2016

O SEMESTRE EM QUE SE FALOU DO TEXAS (Ratio) NA BOLSA DE LISBOA

No primeiro semestre do ano a bolsa nacional foi bastante penalizada pelo fraco comportamento da cotação do BCP que registou uma queda de 63%. Vários receios justificam este desempenho do maior banco privado português: desde um possível aumento de capital, à queda do setor bancário nos países do Sul da Europa, passando, principalmente, pelo crédito malparado do banco.

Segundo um research de junho do banco norte-americano Goldman Sachs, o BCP tem o terceiro pior "Texas Ratio" do velho continente, de 249%. Este rácio, que mede a relação entre o crédito malparado e os capitais próprios, foi desenvolvido por Gerald Cassidy e outros analistas do RDC Capital Markets. Serve para medir os problemas de crédito de determinados bancos ou regiões. O "Texas Ratio" é a relação entre o montante de ativos e de empréstimos que estão no balanço já em incumprimento, acrescido dos empréstimos com um atraso de pagamento superior a 90 dias, e o valor tangível dos capitais próprios do banco mais as suas reservas para perdas com empréstimos ([ativos e empréstimos em incumprimento + empréstimos com atraso de pagamento superior a 90 dias] / [Valor tangível dos capitais próprios + reservas para perdas]). Para obter o valor tangível dos capitais próprios subtraem-se todos os ativos intangíveis do balanço e as ações preferenciais. Um valor acima dos 100% é considerado um alerta sobre problemas financeiros. O BPI tem este ratio nos 75%. O "Texas Ratio" do Deutsche Bank é de 23%, o do HSBC é de 15% e o do Santander é de 36%, para citar os três maiores bancos europeus. No entanto, não devemos utilizá-lo isoladamente para comprar um título. O Deutsche Bank tem um "Texas Ratio" confortável, mas uma significativa exposição em derivados, 14 vezes o PIB germânico.

A Pharol, com uma perda de 52%, teve o segundo pior desempenho do PSI20. A sua tendência descendente permanece intacta desde setembro de 2010 e agravou-se depois da operadora brasileira OI ter pedido proteção contra os credores para evitar uma falência desordenada. A Pharol é a maior acionista da OI, com 27.5%, e detém ainda um crédito sobre a Rio Forte. Caso conseguisse recuperar cerca de 10% desse empréstimo, à volta de 89 milhões de euros, igualaria a sua atual capitalização bolsista. Em julho de 2010 a Portugal Telecom, antiga Pharol, saiu da brasileira Vivo por 7.5 mil milhões de euros e entrou na OI por 3.75 mil milhões de euros.

Pela positiva, a Galp subiu com a recuperação da cotação do barril de petróleo e a Jerónimo Martins, após vários anos de queda da atividade na Polónia, este a beneficiar agora da melhoria do negócio neste país de leste. Em suma, a nível mundial, as bolsas foram penalizadas pelo setor bancário e beneficiadas pelos setores energético e de matérias-primas. Este facto justifica o ganho de 4% da bolsa de Londres que tem muitas cotadas ligadas à mineração de metais preciosos e petrolíferas. A ResNillo subiu 143%, a Anglo American 140%, a RandGold 108%, a Glencore 68%, a Shell 34% e a BP 23%. O Barclays caiu 37% e o RBS 43%. Porém, o seu valor em libras tem desvalorizado. Nas bolsas espanhola e italiana a banca perdeu, em média, 40% no 1º semestre.

Vários fatores contribuíram para este desempenho das bolsas: o "mini-crash" nas bolsas chinesas no início do ano, estancado pela enérgica intervenção das autoridades monetárias através da injeção de liquidez e compra de ações; o fraco relatório do mercado de trabalho nos EUA no mês passado e o Brexit na última semana. Os resultados do 1º trimestre, em geral, foram em linha com as estimativas dos analistas, mais condescendentes que nos anos anteriores. Pela positiva o bom desempenho dos preços das "commodities": para além da recuperação do petróleo, desde fevereiro, o ouro e a prata acentuaram o bom desempenho na última semana devido ao resultado do referendo no Reino Unido.

Paulo Rosa, In Semanário "Vida Económica", 8 de julho de 2016



quarta-feira, 6 de julho de 2016

O Brexit e a Globalização



O Brexit fez renascer os nacionalismos? Nomeadamente na Europa, o crescimento do sentimento nacionalista das populações, bem como dos partidos nacionalistas, não é de agora. Desde a crise económico-financeira de 2008 a 2009, que teve como epicentro e móbil a crise no imobiliário, que mais tarde se viria a repercutir nas dívidas soberanas da Zona Euro, em 2010, principalmente nos países periféricos do sul da Europa, e bem espelhada na diferenciação e no alargamento dos spreads das yields destes países em relação à yield da Bund alemã.

O recrudescimento dos nacionalismos na Europa começou a verificar-se aquando das respostas aos ajustamentos orçamentais que os países tiveram que fazer. A República da Irlanda, Portugal e Grécia tiveram mesmo que ser intervencionados com um resgaste financeiro (Bailout) por parte de várias instituições: União Europeia (EU), Banco Central Europeu (BCE) e Fundo Monetário Internacional (FMI). Itália, Espanha e também a França tiveram, igualmente, que fazer ajustes orçamentais significativos.

O Reino Unido é neste momento um país dividido. Uma metade do povo que votou, na realidade, ficou sem voz ativa. Os referendos deveriam ser indicativos só a partir dos dois terços para uma efetiva mudança? Tal acontece nos parlamentos para mudar uma vírgula da Constituição, por exemplo. Os deputados, mesmo perdendo as eleições, têm assento e voz ativa.

É verdade que a UE é em termos de decisões muito centralizadora, estatista e burocrática. Até o calibre das maças passa pelo coração da União, Bruxelas. O povo europeu sente no seu quotidiano esta burocracia. Também o presente ciclo migratório, nomeadamente da Síria e do norte de África, parece não ter agradado à maioria dos europeus e o Reino Unido foi o primeiro membro a “bater com a porta”. Os ajustamentos após as crises económicas, das dívidas soberanas e do euro agudizaram o sentimento anit-europeu, e fizeram renascer os nacionalismos, estes não são nada positivos porque se traduzem em bens e serviços mais caros e de menor qualidade devido aos protecionismos industriais e afastam-nos daquilo que está no cerne da construção da UE, a paz que permanece na Europa há 70 anos. A globalização é uma realidade que não podemos olvidar nem criar uma segunda via. A globalização além de ter dado oportunidade a muitos países de saírem da pobreza, ela, tal como referia Adam Smith, com as vantagens absolutas ao nível do comércio, e mais tarde David Ricardo, com as vantagens comparadas, permite que muitos países mesmo que não sejam competitivos na produção de nenhum bem continuem a se especializar e produzir aquilo que fazem de melhor.

A existência de uma única moeda global, o dólar americano é quase uma realidade disso, que garanta previsibilidade e uma maior integração de todos os países a nível mundial, cujo embrião foi a “Sociedade das Nações” depois da 1ª GG, substituída pela mais eficaz “Nações Unidas” depois da 2ª GG, será provavelmente o caminho que trilharemos no futuro… e não nacionalismos. Essa moeda poderia estar alicerçada por exemplo no ouro, no entanto a sua volatilidade poderá ser geradora de ciclos económicos. O dólar, a libra, o euro, o franco suíço ou iene tiveram mais constância nos últimos 35 anos que a cotação do ouro. Uma moeda fiduciária com os elementos de segurança das notas de euro, a salvo das políticas monetárias dos bancos centrais e dos orçamentos do Estado, é neste momento é melhor opção… Uma garantia é pertinente! A hiperinflação alemã, após a 1ª GG, foi resolvida com a criação da moeda “RentenMark”, que tinha subjacente e como colateral terras agrícolas, comerciais e industriais alemãs.


O BCE entrou a “comprar tempo” desde 2008, com uma política inflacionistas mais enérgica com a entrada de Mário Draghi e com a implementação mais tarde do “Quantitative Easing” (QE), em 2015. Mas, apesar de correções orçamentais em diversos países da Europa e do esforço do BCE na compra de tempo com a sua política monetária, as reformas do Estado nunca foram realizadas… e sem estas, nunca o estado social, o peso do Estado e um menor efeito do “crowding-out” que liberte as empresas para novos investimentos, com uma menor carga fiscal, poderão ser garantidos. E… a política monetária expansionista do BCE, bem como dos restantes principais bancos centrais do mundo, mais cedo ou mais tarde terá que ser ajustada.

Neste momento, as taxas de juro negativas já estão a causar vários problemas à já débil situação do setor bancário. 
 

O QE foi um instrumento utilizado nos EUA e no Reino Unido com reconhecido sucesso. No entanto estes países apresentam uma dinâmica económica diferente, mais favorável, da observada na Zona Euro e no Japão, além de terem começado o QE muito mais cedo. O QE nipónico não resultou em nenhum crescimento económico e teve início em abril de 2013, praticamente quando a FED norte americana começou o “tapering” do seu QE – diminuição gradual dos seus estímulos. O Reino Unido tem um crescimento populacional, quer do saldo migratório quer do nível líquido positivo entre nascimentos e óbitos, a dinâmica financeira da City de Londres, que poderá ser posta em causa depois do Brexit, e é um país auto-suficiente em petróleo, que permanece como principal motor da economia. Ou seja, uma situação demográfica muito idêntica à dos EUA e que dá a estes países um dinamismo económico que não adveio de nenhum QE. O mesmo não poderemos dizer da União Europeia (EU) que continua com o envelhecimento da população, sem petróleo, um espelho do que se passa no Japão. Na UE e no Japão não existe nenhum QE que possa comprar tempo suficiente para mudar a demografia e gerar inflação, e poderemos inferir que as políticas monetárias dos bancos centrais acabam por ser estéreis ao nível económico e só contribuem para alimentar bolhas bolsistas e imobiliárias.


Apóstilas: Será o Brexit, a efetivar-se a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), o Lehman Brothers europeu? Também existem incertezas no que concerne à realização de referendos quer dentro do próprio Reino Unido, quer de vários Estados-Membros da UE. A caixa de pandora foi aberta! Os protecionismos traduzem-se em produtos mais caros e de menor qualidade. A Europa vive em paz há 70 anos!
A City de Londres, a maior praça financeira da Europa, a maior de derivados do mundo, e a onde o mercado monetário tem o seu cerne, com a definição diariamente no mercado das LIBOR (London Inter Bank Offer Rate) das várias moedas mundiais, nomeadamente das principais como o dólar americano, o euro, o iene, o franco suíço e a própria libra esterlina que votou pela permanência, poderá perder, segundo alguns analistas, cerca de cem mil postos de trabalho nos próximos tempos. A Vodafone, bem como outras empresas, referiu que vai esperar pelos desenvolvimentos do “Brexit” para depois tomar uma decisão quanto à mudança da sua sede para um país da EU.
Se todos estes fatores caso se tornarem realidade poderemos assistir a um retrocesso no comércio não só ao nível intra-comunitária, bem como a nível mundial. O que poderá facilmente traduzir-se numa recessão no Reino Unido e na UE, ainda que provavelmente menos acentuada, e quiçá mesmo nos EUA. Não podemos esquecer que a economia norte-americana se encontra com algum arrefecimento ao nível do mercado de trabalho. Os EUA são o principal destino das exportações do Reino Unido, cerca de 45 mil milhões de euros, seguido da Alemanha à volta de 40 mil milhões de euros. Já as importações são mais elevadas, visto que o Reino Unido é deficitário comercialmente, com a Alemanha a ser o maior exportador para as ilhas britânicas  com um montante de 90 mil milhões de euros, e os EUA aparecem em quarto lugar com cerca de 40 milhões de euros. Se o Reino Unido permanecer no espaço económico da mesma forma especial como a Suíça e a Noruega, onde existe livre comércio, e uma relativa circulação de pessoas, com alguns entraves é certo e não comparável aos Estados-Membros. Tudo dependerá da forma de saída, caso ela exista, do Reino da UE…
Se os fatores acima mencionados se conjugarem, então poderemos ter recessão económica e queda das bolsas, nomeadamente do sector bancário que já se encontra frágil, e das bolsas norte-americanas que se encontram perto dos máximos e sobe consecutivamente há 8 anos. O catalisador que o mercado estava à espera para corrigir das subidas dos últimos anos poderá ser mesmo o “Brexit”, e este assemelhar-se ao que se seguiu depois da falência do Lehman Brothers em setembro de 2008, com a economia dos EUA a registar nessa altura a maior contração económica desde 1929 de 1 anos e 8 meses, e uma queda de cerca de 50% do principal índice bolsista norte-americano, o S&P500.

O “Brexit” - apesar dos mercados acionistas estarem relativamente caros, existir algum abrandamento nos EUA, e estarmos perante consideráveis e preocupantes dívidas do Estado Chinês, entre outros catalisadores que podem penalizar o desempenho das economias e das bolsa - só tomaria as proporções de um “Lehman Brothers” caso espoletasse uma desagregação do Reino unido e da União Europeia, seguida de um retrocesso no comércio europeu e mundial.

Paulo Monteiro Rosa, 24 de junho de 2016


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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.