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quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A crise das dívidas soberanas.

A poupança dos países emergentes suporta, por enquanto, o financiamento das economias ocidentais. O mercado dá triplo “A” à dívida pública dos EUA. O mercado espelha, a cada dia que passa, o fim do euro.

A crise das dívidas soberanas é transversal a todo o mundo ocidental, que consome mais do que aquilo que produz. Os países do médio oriente, América do Sul e Sudeste Asiático, como o Qatar, Arábia Saudita, China, Índia e Brasil confiam nas economias ocidentais, alocam o seu dinheiro em dólares, euros, libras esterlinas e francos suíços e financiam essas economias através da compra de dívida pública para receberem uma remuneração.

As economias emergentes apreenderam o know-how ocidental, têm importantes pólos industriais, alguns centros de excelência ao nível da física, medicina e compreenderam o mecanismo de funcionamento dos mercados financeiro (e.g. o Brasil começa a dispensar grandes bancos como o Goldman Sachs para a realização de fusões e aquisições, argumentando que têm bancos brasileiros capazes de o fazer). Paradoxalmente, como os países emergentes não garantem uma segurança social idêntica à dos países ocidentais, os trabalhadores poupam cerca de 30 a 40% do seu rendimento (em detrimento do consumo) e vão [ainda] financiando o quase falido sistema social ocidental.   

Os desequilíbrios macroeconómicos dos EUA são conhecidos há muitos anos. O défice orçamental e a dívida pública agravaram-se com a guerra do Iraque e com a crise financeira do “Subprime”. A dívida pública passou de 60% do PIB, para 100% do PIB em poucos anos. No entanto o défice comercial abrandou depois da crise financeira de 2008, com a redução das importações devido à diminuição do rendimento disponível provocado, principalmente, pelo aumento de desemprego. O défice comercial anual passou de 800 mil milhões de dólares (USD) para 500 mil milhões USD, em termos relativos de 5,5% do PIB para 3,5% do PIB.

O presidente Barack Obama referiu, no passado dia 8 de Agosto, que os EUA são e continuarão a ser um país de triplo “A”. Se continuarão a sê-lo só o tempo o dirá, mas neste momento são um país de “AAA”. E quem é a entidade que corrobora a afirmação de Obama? O mercado. As obrigações do tesouro norte-americanas sobem há mais de um mês, nem o impasse do “Debt Ceiling” (limite da dívida pública), nem o corte de “rating” por parte da Standard&Poor’s travou a subida das suas cotações. São um activo de refúgio, idêntico ao ouro, diante da forte queda dos mercados accionistas, após dados macroeconómicos que reflectem um forte abrandamento económico. As yields das T-Bonds a 10 anos estão nos 2,18%, há 15 dias atrás estavam nos 3% e os Credit Default Swap (CDS) a 5 anos permanecem inalterados em torno dos 0.5% há quase 2 anos, o que demonstra serenidade quanto a um incumprimento por parte dos EUA. A seguir à Noruega com 0.45%, o risco da dívida norte-americana é o mais baixo do mundo.

A agência de notação financeira Standard&Poor´s reviu, pela 1ª vez na história, o rating de crédito do Estado norte-americano de “AAA” (investimento de excelência) para AA+ (investimento com classificação elevada). Moody’s e Fitch mantêm a sua notação de crédito para os EUA em triplo “A”. Estas 3 agências detêm 90% da quota de mercado de notação de crédito. Existem agências na Europa, China e até em Portugal. As agências servem de farol ao mercado, são uma referência para o investimento, no entanto os investidores são livres de escolherem outro porto. A luz emitida pelo farol da Standard&Poor’s quanto à dívida norte-americana não foi tida em conta pelo mercado. Pelo menos até este momento…

Fundos soberanos, fundos de pensões, fundos das instituições financeiras e alguns investimentos particulares têm estatutos que regulam a alocação do investimento pelos diferentes títulos no que concerne à sua classificação de crédito. Se uma determinada carteira, por imposição dos seus estatutos, for obrigada a uma exposição de 50% em OT (Obrigações do Tesouro) de rating  máximo "AAA" e o remanescente repartido por OT de
 rating "AA" e "A", caso o rating  de algumas OT classificadas com triplo "A" que tenha em carteira seja revisto para "AA", o fundo alienará essas OT e manterá a exposição acima dos 50%. Mas os investidores são racionais e só alienarão essas OT se acharem a recomendação credível. Caso não haja fidúcia na agência financeira, simplesmente alterarão os seus estatutos, porque a salvaguarda dos seus investimentos é o seu objectivo. Uma casa financeira divulga uma recomendação para uma determinada acção com um dado preço alvo, os investidores não são obrigados a seguir a recomendação, faze-lo-ão se acharam credível a recomendação. Agências de rating, casas financeiras e afins orientam, a opção de investimento é do detentor do capital.   

A Europa atravessa graves problemas orçamentais e ao nível da dívida pública. O tecto de 3% de défice público e 60% de dívida pública são neste momento violados por quase todos os Estados-Membros. A Alemanha tem uma dívida pública de 80% do PIB, bastante acima dos 60% do PIB previstos no tratado de Maastricht. Os Credit Default Swap (CDS) a 5 anos atingiram, no passado dia 9 de Agosto, uns preocupantes 1,63% no que concerne à protecção contra um incumprimento da França (valor idêntico aos CDS de Portugal há um ano atrás, após o resgate da Grécia) e ainda há pouco mais de um mês cotavam nos 0,6%. Os CDS da Alemanha subiram dos 0,5% para 0,83%.

No entanto, as yields das obrigações do tesouro francesas e alemãs estão confortáveis nos 3,23% e 2,36%. Mantêm o estatuto de activo de refúgio? Sim. Porém, face ao incremento do risco destes países, estas yields baixas podem estar a antecipar uma política monetária expansionista por parte do Banco Central Europeu, com uma descida abrupta das taxas de juro, para travar o abrandamento económico. Será difícil imaginar o que poderá acontecer se os CDS da França ultrapassarem os 2% e os da Alemanha chegarem perto dos 1,5%. Na retina dos investidores transparece o receio da sustentabilidade. Neste momento foram “resgatados” 6% do PIB da Zona Euro (i.e 3 peões, Grécia, Irlanda e Portugal), caso a Espanha e a Itália também necessitem de um “bailout” serão mais 12% e 18% do PIB respectivamente (i.e. 2 torres). Com o agudizar da percepção do risco pelo mercado, se por hipótese a França precisasse de um resgate, seria a queda da rainha com um peso de quase 25%. Ficaria a Alemanha a segurar os restantes países membros e a falência do sistema seria inevitável com um cheque ao rei. Na segurança social, quando 5 trabalhadores descontam para a reforma de um reformado o sistema funciona, contudo quando a pirâmide se inverte e um trabalhador suporta a reforma de 5 reformados o sistema entra em ruptura. Novo jogo com vários tabuleiros e cada país com o seu euro. Euro português, euro alemão…

A compra de dívida pública por parte do BCE é benéfica enquanto objectivo para “comprar tempo” até os Estados-Membros chegarem a um acordo viável, que provavelmente terá que passar por uma união política, para ser um objectivo sustentável.
Neste momento está a fazê-lo de uma forma "esterilizada", sem alterar a moeda em circulação, através da compra de títulos de dívida pública de países em dificuldade e retirando liquidez do mercado no mesmo montante, através da venda às instituições monetárias de outros títulos que tenha em carteira.
O BCE pode fazê-lo indefinidamente se optar por um Quantitative Easing [“imprimir notas”], mas não resolve nenhum problema de fundo, bem pelo contrário esbarra no principal propósito da instituição, a estabilidade de preços.  

Qual será o comportamento dos investidores no futuro? Provavelmente adoptar o lema: “Nunca ir contra o mercado”. A integração europeia está em regressão desde 2008. A Europa, para contrariar os mercados e dar-lhes outro rumo, tem que falar a uma só voz e criar uma união política baseada em dois pilares fundamentais: solidariedade e responsabilidade. Solidariedade dos países setentrionais com défices orçamentais moderados e superávits comerciais e responsabilidade dos países meridionais no objectivo de equilíbrio das suas contas públicas e comerciais.

 Paulo Monteiro Rosa, economista, 9 de Agosto de 2011


Publicado na ATM - Analistas de Mercados de Capitais
http://www.associacaodeinvestidores.com/index.php/artigos-e-teses/63-artigos/171-a-crise-das-dividas-soberanas

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O paradoxo: a valorização das Obrigações do Tesouro dos EUA “T-Bonds”, com o agudizar da dívida pública norte-americana.

Republicanos e democratas chegaram a acordo para o aumento do tecto da dívida pública dos EUA, no passado dia 31 de Julho, que prevê uma subida de 2,4 biliões de dólares (USD) e evita negociações antes das eleições de 2012, exigência dos democratas. Em troca, os republicanos conseguem um corte na despesa (defesa, saúde [Medicare] e segurança social) no valor de 2,8 biliões USD, nos próximos 10 anos. Porém, o objectivo do presidente Obama de redução do défice orçamental também através do aumento dos impostos não foi alcançado. A despesa anual dos EUA cairá para o nível mais baixo desde que Eisenhower foi presidente, em 1950.

Até 1917 o Congresso autorizava individualmente cada emissão de obrigações. A 1ª Guerra Mundial pedia maior flexibilidade financeira e o Congresso alterou o método e estabeleceu um limite (“Ceiling”) ao montante total de Obrigações do Tesouro (OT) dos EUA [“T-Bonds”] que podiam ser emitidas. Nos últimos 30 anos o tecto foi revisto 21 vezes, de 1 bilião USD para 14,3 biliões USD em Fevereiro de 2010, limite atingido em Maio de 2011, no séc. XXI foram feitas 10 revisões. Como é um valor absoluto é revisto para reflectir a inflação. Contudo, nos últimos anos o aumento foi solicitado pelo descontrolo da dívida pública, que passou de 60% do PIB para 100%. Durante o consulado do presidente Bush, devido ao corte de impostos para estimular a economia devido à recessão de 2003 e aumento de gastos com a guerra no Iraque. Incremento da despesa pública face à crise financeira de 2008, sob a presidência de Obama. Na presente crise da dívida na União Europeia, vários políticos europeus, alguns portugueses sugerem a introdução de um tecto para a dívida pública na Constituição dos seus países.

A cotação das Obrigações do Tesouro dos EUA (“T-Bonds”) sobe há várias semanas, um comportamento aparentemente paradoxal perante a possibilidade de incumprimento no pagamento dessas OT caso não se alcançasse um acordo, enquanto o mercado accionista regista quedas significativas - gráfico1. As justificações são várias: 1) Os investidores nunca acreditaram num incumprimento; 2) Os EUA produzem 25% da riqueza global; 3) Têm Tribunais capazes; 4) Dão primazia aos credores externos; 5) Os EUA podem imprimir moeda para honrar os pagamentos porque emitem toda a sua dívida em moeda local - como o Reino Unido e a Alemanha - que apresenta menor risco que a dívida emitida em moeda estrangeira. A impressão de moeda, em termos reais, pode dar lugar a perdas via inflação, mas em termos nominais, permanece tudo idêntico. Provavelmente se a Alemanha necessitasse de honrar compromissos recorreria à impressão de notas via BCE. Portugal, Grécia, Irlanda não têm essa facilidade; 6)Nem mesmo o impasse durante meses entre os líderes democratas e republicanos, deixando para o último segundo a resolução, o que demonstra uma considerável irresponsabilidade política, abalaram a confiança dos investidores em OT dos EUA; 7) A maior parte da dívida, 72% é detida por americanos, 7% pela China, 6% pelo Japão; 8) Contudo, a principal justificação é o desempenho da economia dos EUA. No passado dia 29 de Julho foi divulgado um crescimento de 1,3% do PIB avançado dos EUA referente ao 2º trimestre aquém do esperado 1,7% e foi revisto para 0,4% de 1,9% o PIB do 1º trimestre, o que espelha o forte abrandamento da economia americana, que na realidade esteve e está por detrás da correcção dos mercados accionistas. O valor das “T-Bonds” deveria cair se o incumprimento fosse uma preocupação, mas tem subido consideravelmente nas últimas semanas mantendo o seu estatuto de activo de refúgio, tal como o ouro, perante a queda das cotações das acções.

A redução do défice orçamental, via acordo do “Debt Ceiling”, diminui o rendimento disponível e tem repercussões negativas na economia. É um mal necessário, perante o agravamento das contas públicas americanas. A dívida pública, as dívidas das famílias, das empresas, os gastos com reformas e despesas de saúde ascendem a mais de 50 biliões de USD, cerca 350% do PIB americano, quase toda a riqueza produzida no mundo. Segundo alguns analistas a economia norte-americana pode acelerar no 2º semestre com a queda do preço do gás, petróleo e a recuperação das fábricas japonesas após o sismo de Março. No entanto, o abrandamento da produção industrial, o frágil mercado de trabalho, o débil sector imobiliário, o arrefecimento da economia chinesa e indiana devido à subida das taxas de juro dos bancos centrais, que prejudicam empresas dos EUA que têm receitas da China para compensar a diminuição de receitas domésticas e a redução do rendimento disponível, pela diminuição da despesa pública em virtude do acordo do “Debt Ceiling” podem levar a economia americana à recessão.

Uma hipotética bolha na economia americana baseada no consumo interno, principal motor da economia dos EUA, realizado com recurso ao crescente endividamento externo, pode ser corrigida pelo corte na despesa pública previsto no acordo do aumento do “Debt Ceiling” que diminui o rendimento disponível, contrai o consumo interno, ajusta a economia através de uma recessão económica e desalavanca a economia. A depreciação do USD traz mais competitividade às exportações e abranda as importações, corrige o défice comercial e a dívida externa. Menos importações dos EUA têm uma repercussão negativa em todos os países, que vêem o seu principal comprador cortar nas aquisições ao exterior. O ajustamento da balança comercial americana far-se-á com abrandamento e recessão em todos os países do mundo. Porém, com a recessão à espreita as “T-Bonds” continuam como activo de refúgio…

Gráfico1




1 - Ruptura eminente do sistema financeiro mundial. Queda de quase 50% do índice accionista S&P500. A cotação das Obrigações do Tesouro dos EUA registou uma acentuada subida, espelhada na forte queda das Yields das T-Bonds dos 4% para os 2% que evoluem em sentido contrário, reflectindo o seu estatuto de activo de refúgio.
2 – Os dados optimistas nos EUA referentes ao emprego e preços das casas contribuíram para a recuperação do mercado accionista e para a desvalorização das Obrigações do Tesouro americano, pois a aversão ao risco diminui.
3 – Maior volatilidade no mercado de acções no 2º trimestre de 2011 e aumento da aversão ao risco, com as Obrigações do Tesouro americano a servirem mais uma vez como activo de refúgio como transparece no gráfico1.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Existirá uma bolha nas economias portuguesa e grega?

O PIB na óptica da despesa é o somatório do consumo privado, dos gastos públicos, do investimento privado e das exportações. A esta soma subtraem-se as importações. O governo espera uma queda de 4,8%, para o investimento (Formação Bruta de Capital Fixo), em 2011. A poupança nacional terá um decréscimo de 10%, o diferencial de 5% terá que ser suprido com recurso a capitais estrangeiros, aumentando a dívida externa. Este diferencial negativo é recorrente nas últimas décadas, contribuindo para o desequilíbrio das nossas contas com o exterior.

O PIB português cresceu nas últimas décadas baseado no consumo interno e, desde o início do séc. XXI parte desse consumo, foi alavancado e conseguido com recurso ao endividamento, nomeadamente externo. As bolhas não existem só nos mercados financeiros, mercados imobiliários, mas também nas economias. O nosso PIB, bem como o da Grécia, está empolado pelo consumo privado e público e as medidas de austeridade servem para sanear as contas portuguesas (públicas, familiares e empresariais) e criar um novo paradigma de crescimento com base nas exportações e no investimento privado. A desalavancagem da nossa economia, um mal necessário, conduzirá à contracção económica de pelo menos 4% nos próximos 2 anos. A redução do rendimento disponível corrigirá o consumo interno e será um entrave às importações. A redução da despesa do Estado equilibrará os consumos públicos. O consumo interno e os gastos públicos serão substituídos pelo investimento e pelas exportações, na porta giratória da teoria económica.

As medidas de austeridade são incontornáveis? Sim. São um Imperativo da Troika. Os financiadores aguardam o seu dinheiro e uma reestruturação da dívida afastar-nos-ia dos mercados durante décadas. O modelo de crescimento precisa de ser alterado e os portugueses necessitam de ajustar os seus hábitos de consumo. Portugal está a colher um PIB desestruturado, pelo consumo desenfreado que semeou, em parte recorrendo ao endividamento externo. Em regra todos os países com défices na balança de transacções correntes têm dívidas externas crescentes e problemas de crescimento económico (Portugal, Grécia, Espanha, Itália, EUA). Os países excedentários nas suas relações comerciais com o exterior (China, Brasil, Índia, Qatar, Rússia, Alemanha, Singapura) financiam as aludidas economias deficitárias.

Paulo Monteiro Rosa, 1 de Agosto de 2011

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.