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domingo, 3 de agosto de 2014

A recapitalização do BES

QUAL O FUTURO DO BES? O QUE ACONTECEU PARA SE CHEGAR A ESTA SITUAÇÃO? 

O BES é um banco sólido, não existindo grandes diferenças em relação aos restantes bancos portugueses, no entanto o sistema bancário mundial está arquitectado para gerar crises com alguma facilidade.
O que está a acontecer ao BES é a mesma coisa que a uma pessoa que é saudável, tem 35 mil milhões de euros de depósitos e um nome que “ainda” gera confiança, no entanto caiu numa caminhada pela floresta, que realizava sozinha, e teve lesões graves numa das principais artérias, veias do pulso, da perna, do pescoço, etc e está com uma hemorragia significativa, que não estanca e coloca em causa a sua sobrevivência.
Então, quando descobrem a pessoa, ela já perdeu tanto sangue, as perdas foram tão elevadas para os accionistas que teve que levar uma transfusão de sangue, novos accionistas/donos, em princípio será um qualquer veículo criado pelas autoridades, Banco de Portugal, Estado, BCE, com um determinado nome, como “fundo de apoio ao BES”, com dinheiro da linha de recapitalização da tróica. Os accionistas antigos à data de sexta-feira passada ficarão com as cicatrizes da queda, com as dores, e à medida que forem sarando, vão recuperando algum dinheiro dos créditos. Os accionistas antigos ficam com os activos espelhados nos créditos a todas as empresas da família Espírito santo, quase incobráveis e à medida que estas mazelas forem passando, se passarem, vão recuperando dinheiro. A 12 cêntimos estes activos valiam 675 milhões de euros. Se recuperarem só 300 milhões, então valerá 6 cêntimos e se não recuperarem nada, essas acções não valerão nada. Provavelmente vão mudar o nome ou não! Mesmo a dívida subordinada fica sem valor, por causa de uma anemia que relacionada com a aludida cicatriz. Esta cicatriz não é mais que um “bad bank”…

Então o banco vai ser dividido em dois? Sim. Um com dinheiro do Estado, nacionalizado, apesar de muitos dizerem que não porque é feito indirectamente, e com o património saudável do banco. Mais tarde poderá ser cotado através de um IPO, uma oferta pública de venda, que mais não é que uma privatização. Veremos se nessa altura haverá interesse privado que não existiu agora por causa de receios da hemorragia e amputação, etc…
E se o Estado não conseguir vender este banco? O dinheiro do contribuinte tem que estar sempre a salvo e para isso, como o BES tem dezenas de mil milhões de euros em emissões de obrigações seniores, estas deveriam ficar como garantia e existir um “haircut”, um pagamento parcial da dívida dessas obrigações no valor do dinheiro que o Estado irá colocar no Banco, no tal “fundo de apoio ao Bes” como eu lhe chamo… e à medida que essas obrigações forem vencendo esse remanescente necessário até 100% (pagamento integral da dívida) é pago não aos donos desses créditos sobre o BES, mas ao Estado. Salvaguardado o contribuinte. Se essas obrigações não chegassem seriam os depósitos. Mas para já os depósitos estão a salvo, porque não são necessários e a própria lei não o permite. Só a partir de janeiro de 2016 e para depósitos acima de 100.000 euros. Mas as pessoas que se vão habituando porque o mais correcto, o mais justo a todos os que estão dentro do banco pagarem de acordo com a hierarquia: accionistas, dívida subordinada, obrigações sénior, depositantes.

É criado um 2º banco com papel comercial da Rioforte e outras holdings da família Espírito Santo, com todos os créditos cedidos à família ES, cujos accionistas são os actuais, os do fecho de sexta-feira. 
Os detentores de obrigacões seniores também deveriam ficar sem o seu valor, caso ainda fosse necessário recapitalizar o banco.
Por último sobram os depósitos à ordem e a prazo que são o coração, para já, e estão sãos e o banco está bem. Mas mesmo os depósitos deveriam ser chamados para recapitalizar o banco, se tal fosse necessário, mas antes de janeiro de 2016 isso não vai acontecer.
O Estado não deveria gastar um cêntimo no BES.
O BES tem neste momento ainda 35 mil milhões de depósitos, um activo muito considerável e aqui reside a solidez e força do banco. Precisa só de repor os rácios de solvabilidade, "core tier1", de 5% para valores acima de 7%. Em torno dos 10% por exemplo. Isto devido à forte hemorragia por causa da queda.

Quanto ao sistema bancário, ele está montado para gerar crises. Não só por funcionar com base em reservas fraccionárias, que tem vantagens e desvantagens, mas porque os bancos trabalham com o dinheiro dos outros, tal como o Estado, e quando tal acontece a gestão tende a ser displicente.

A probabilidade de Gestão displicente aumenta consideravelmente quando se trata de gerir o dinheiro dos outros... Será que quando fazemos um depósito num banco, estamos a emprestar dinheiro ao banco, logo o banco deveria dar-nos uma garantia real? Uma hipoteca de valor idêntico? Se tal acontecesse, o banco já teria mais cuidado na gestão do meu dinheiro, caso contrário eu accionava a garantia e ficava com o bem e não teria em causa o meu depósito.
É um raciocínio análogo ao do burocrata, àqueles que trabalham com dinheiros públicos, os governantes, aos gestores de empresas públicas e camarárias... se estes senhores tivessem que dar garantias para trabalhar com o erário público já geriam o dinheiro do contribuinte de forma responsável, ou seja, como se fosse dinheiro deles.

AS PESSOAS PASSAM E AS INSTITUICÕES FICAM.

(Nota do autor: o presente texto foi escrito antes das declarações do Governador do Banco de Portugal, que aconteceram na noite do passado domingo, 3 de Agosto de 2014)

Paulo Monteiro Rosa, economista, 3 de Agosto de 2014

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.