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sexta-feira, 24 de abril de 2020

Dívidas soberanas da Zona Euro

A China propagou o covid-19 e, muito provavelmente, os EUA irão alastrar a recessão económica. A doença ainda está no início nos EUA, mas o "site" do departamento do trabalho já está sobrecarregado, com os inúmeros "layoff" que surgiram nos últimos dias. A Goldman Sachs, numa reunião privada para 1500 clientes, referiu que 50% da população norte-americana será infetada. Pelo meio, uma União Europeia poderá ser arrastada novamente para uma crise das dívidas soberanas. Haja coragem para que tal não aconteça!

A Goldman Sachs espera uma estagnação do PIB norte-americano no Io trimestre e uma contração de 5% no 2o trimestre, no entanto reviu em alta as previsões para o 3o trimestre de 1% para 3%. Os bancos centrais reforçam significativamente a liquidez nos mercados e cortam taxas. A FED, num espaço de duas semanas, desceu extraordinariamente duas vezes em 50 pontos e 100 pontos, para os níveis históricos de 0% a 0.25%, de 2008 a 2015.

Surgiram indícios de dificuldades nos mercados de capitais da Zona Euro, espelhadas não só ao nível económico, mas também social e político. No longo prazo, o verdadeiro problema não está nos EUA, apesar de ser provável alguma entropia nos próximos meses, mas na Europa.

E preocupante o comportamento dos títulos da dívida soberana dos estados membros da União Europeia relativamente à dívida pública germânica! Na última semana, os spreads não param de aumentar!

Todavia, até as obrigações do tesouro alemãs perdem. Ouro e a prata caem.

Todos os ativos perdem valor, quer por "margin calls" quer pela preferência por liquidez.

O BCE não pode fazer outra coisa senão o que foi feito nos últimos dez anos: comprar dívida. Mas o que acontece quando o ritmo de venda é superior aos programas de compra do BCE? O BCE reforçou os programas, na semana passada, com um adicional de 120 mil milhões de euros até ao final de 2020, mas as vendas ainda superam esses relevantes montantes.

A solução será imprimir moeda indeterminadamente, agudizando ainda mais a monetização das dívidas soberanas? No final, como ficará a credibilidade das moedas fiduciárias, que têm como alicerce basilar a confiança do seu poder de compra e a reserva de valor?

Os traders de "spreads" de curto prazo não têm acompanhado as aquisições do BCE, como antes o faziam, num comportamento marcadamente de lícito "front running", comprando dívida que iria valorizar com as aquisições do BCE. Atualmente, os investidores não acreditam na subida dos títulos do tesouro. Há algumas semanas, as compras dos investidores, ao lado do Banco Central da Zona Euro, tornavam mais fácil a tarefa do BCE de manter vivo o enviesamento do mercado de dívida. Todavia, as "eurobonds" continuam na gaveta! Implicitamente elas [as "eurobonds"] existem, numa ótica pontual e descontinuada, de acordo com a perceção dos investidores de maior ou menor coesão da UE. Na terça-feira, Angela Merkel entreabriu a porta para "corona Bonds", "Obrigações comunitárias", uma notícia positiva, e que poderá ser o embrião das "eurobonds", o cimento agregador da UE.

O COVID-19 foi o "trigger". O pavio estava lá, seco e quente, apenas à espera da faísca. Os investidores acreditam que as instituições estão a fazer tudo para as salvar dos seus próprios excessos e erros. A FED fez o que deveria ter feito: reduziu taxas, criou liquidez, apoiou os mercados de capitais em queda e comprou dívida pública para a Administração dos EUA estimular a economia. Mas os mercados acionistas reagiram em baixa.

Há uma procura insaciável por dólares e muitas dúvidas acerca dos impactos no PIB. Taxas de juros negativas e sem limite criaram esta entropia financeira. Serão elas que nos vão tirar deste problema? O FMI fala de um programa de empréstimo de 1 trilião de dólares. No próximo mês, serão 5 triliões. Quais serão os números em 2021? E quem estará lá para pagar? 


Economista Sénior do Banco Carregosa 
PAULO ROSA, 20 de março de 2020





Uma semana de tréguas...

Porém, os pedidos de subsídio de desemprego semanais nos EUA atingiram níveis históricos, ascendendo aos surpreendentes 3,3 milhões, quando eram estimados 1,5 milhões.

Os mercados respiraram após várias semanas de quedas bastante significativas, num movimento suportado, e de resposta, aos consideráveis estímulos monetários e orçamentais, dos vários bancos «centrais e dos principais governos mundiais, nomeadamente a aprovação pelo senado dos EUA de um pacote de estímulos orçamentais no montante de 2 biliões de dólares, cerca de 10% do PIB norte-americano. Uma semana de tréguas. .. das fortes quedas diárias de 10%! De realçar que os mercados se encontravam extremamente "sobrevendidos" em termos técnicos, com os índices substancialmente abaixo da Média Móvel de 200 dias (MA200), a aliviarem essa tensão e a preferência por liquidez das últimas semanas a refrear. O índice norte-americano Dow Jones registava no início da semana uma queda em março de 26%, aproximando-se da maior queda mensal de sempre em setembro de 1931, de 30%, durante a grande depressão. Há 89 anos!

Estamos a viver tempos únicos e a palavra chave nos mercados é volatilidade, perante a incerteza do impacto do coronavírus na saúde pública e na economia. Dificilmente o mercado recuperará, sustentadamente, enquanto o índice de volatilidade do S&P 500, o VIX, se mantiver em valores acima dos 30 ou 40 pontos.

Os pedidos de subsídio de desemprego nos EUA atingiram esta semana quase 3,3 milhões. A semana passada tinham subido 70 mil dos 211 mil para 281 mil. Na crise financeira de 2008 estes números andavam pelos 600 mil. Mais de 40N0 mil indiciam recessão.

O IFO alemão, indicador de confiança industrial, caiu para 86.1 no presente mês, o seu valor mais baixo desde a crise financeira de 2008, mais precisamente desde julho de 2009 quando registou 80 pontos, o valor mais baixo desde que é medido. Também a confiança das empresas francesas caiu num ritmo recorde em março, penalizada pelas paralisações relacionadas com o coronavírus.

O mercado europeu de primários, novos títulos de obrigações, está a ter a semana mais movimentada em mais de dois meses, com os pacotes de estímulo estatal cada vez mais agressivos a convencerem os investidores.

No final da semana, o Banco Central Europeu informou que iniciou a compra de títulos sob o seu plano de emergência de 750 mil milhões de euros para combater o surto de coronavírus.

A economia de Espanha está paralisada e a indústria turística, vital para país vizinho, está encerrada. O Banco da Inglaterra desencadeou uma quantidade significativa de estímulos para a economia do Reino Unido nos últimos quinze dias, corroborados na reunião de quinta-feira, na qual realizou um balanço. Perante a considerável fragilidade em que se encontra a sua economia, Itália pode reforçar as defesas contra aquisições hostis.

O Fundo soberano da Noruega está a ponderar e, provavelmente, reequilibrará a sua carteira através da compra de mais ações, depois de registar uma perda de 16% desde o início de 2020. 

Paulo Rosa, 27 de março 2020, Jornal Económico


"Dinheiro de helicóptero"

 
As garantias que suportam o significativo montante de dívidas globais estão a desmoronar-se à medida que as bolhas especulativas se esvaziam. A queda dos ativos, provavelmente, refletirá deflação monetária. Há perdas generalizadas nas ações e nas obrigações, e poderemos assistir a desvalorizações no setor imobiliário. Uma queda considerável de uma ação, que suporta um empréstimo, ou a desvalorização de um imóvel, que tem subjacente uma hipoteca, enfraquecem sistemicamente os colaterais existentes na economia...

O círculo virtuoso que se vive há vários anos poderá dar lugar a um círculo vicioso de quedas. Os ativos financeiros perdem valor, antecipando uma recessão económica e resultados mais fracos das empresas. Poderemos assistir a uma depressão? Atualmente, as principais casas de investimento prevêem uma recuperação no segundo semestre...

Perante o aumento do desemprego, a descida do rendimento disponível e a agudização dos problemas financeiros de muitas empresas encerradas, poderemos ter uma segunda vaga de quedas nas bolsas? É a pergunta para um milhão de dólares. As incertezas são muitas e a volatilidade pegou de estaca no mercado.

Algumas empresas apresentarão problemas de tesouraria, balanços fragilizados, e crescentes dificuldades em pagar custos fixos, nomeadamente salários, que poderão ser colmatadas no curto prazo com a alienação de ativos que tenham em carteira, desde ações, obrigações e imóveis, para realizar liquidez, pressionando as bolsas. As famílias penalizadas podem recorrer aos ativos financeiros que possuem e vendê-los para pagar os seus encargos fixos mensais.

O mercado estará pressionado enquanto a curva dos novos casos de infetados com coronavírus for exponencial. A recuperação económica será em "V" se as previsões das principais casas de investimento mundiais se confirmarem, que continuam a apontar para uma melhoria no segundo semestre do ano. Caso não aconteça, a retoma será em "U" ou mesmo em "L".

Muito dinheiro criado pelos bancos centrais, nomeadamente nos EUA, está a ser colocado na cesta de dinheiro do helicóptero. Compras ilimitadas por tempo indeterminado pela FED.

Também os governos estão no terreno, e um pacote de estímulos orçamentais de dois biliões de dólares, equivalente a 10% do PIB dos EUA, foi aprovado pelo Senado norte-americano.

Mas, atualmente, existe uma realidade financeira sistémica desfavorável. Na economia real há uma erosão dos colaterais que suportam os crescentes níveis de dívidas e de alavancagem. Os acréscimos de estímulos financeiros dos bancos centrais estão, gradualmente, a gerar retornos decrescentes, tornando-se cada vez mais estéreis. As suas políticas fortemente expansionistas já não se traduzem na euforia de outrora. Também, não está a ser dada a devida atenção ao poder de compra baseado nos rendimentos do trabalho (salários), que está estagnado há anos, e poderá entrar em declínio nos próximos tempos. O dinheiro criado pelos bancos centrais enviesou a real perceção entre as cotações e o risco associado aos ativos.

A estabilidade de todo o sistema está mais frágil. A lei de Gresham é uma realidade crescente entre as principais moedas do mundo, o dólar e o euro, que estão à mercê da crescente quantidade de dinheiro, das taxas de juro de 0% e da monetização das dívidas públicas, sendo cada vez mais relegadas para pagamentos, enquanto o ouro avança como reserva de valor.

A impressão de dinheiro, criando moeda para manter em alguns casos instituições ineficientes, tal como empresas "zombie", está a corroer ainda mais a já decadente confiança nas autoridades, quer bancos centrais quer governos, e nas suas políticas monetárias e orçamentais.

Há também o impacto psicológico do efeito inverso da riqueza. As famílias e as empresas vêem o valor do seu património e dos seus rendimentos caírem. Depois da euforia, a fidúcia necessária para emprestar evapora-se, independentemente da quantidade de moeda criada e distribuída, e levará algum tempo a reaparecer a confiança... 
PAULO ROSA Economista Sénior do Banco Carregosa, 27 de março de 2020 





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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.