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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A taxa social única e o paradoxo de Kaldor.

1. Enquadramento da TSU na economia portuguesa

A redução da taxa social única (TSU) tem sido, nos últimos meses, amplamente debatida na sociedade portuguesa. É uma desvalorização fiscal. Terá força para impulsionar a economia portuguesa? A redução poderá ter um efeito duplamente positivo: um aparente subsídio às exportações e um desincentivo ao consumo privado através do aumento dos impostos indirectos, nomeadamente o IVA. Portugal consome 10% a mais do que produz, e o consumo privado e os gastos públicos têm sido os motores da economia portuguesa, mas parte desse consumo é realizado com recurso ao endividamento, em parte externo, agravando a nossa dívida externa. A economia está alavancada, endividada, e terá que ajustar mais cedo ou mais tarde. Há também um entrave às importações, pois ficam mais caras devido ao aumento do IVA.

Uma política industrial ou uma reorientação dos fundos comunitários de certas instituições (e.g. municípios) para o sector exportador, provavelmente, seriam mais eficazes que a descida da TSU. Mas é um imperativo da Tróica. Qual será o impacto na economia portuguesa? Difícil de quantificar. Se conseguirmos crescer mais 0,1% ou 0,2% já será positivo. Com mais políticas a escorar esta, poderíamos obter resultados mais positivos. No entanto o abrandamento da economia mundial influenciará negativamente o sector exportador português e a eficácia da redução da TSU.  

A redução da TSU deve ser transversal a todos os sectores de actividade ou confinar-se às empresas que produzem bens transaccionáveis internacionalmente, os denominados “trade goods”? A baixa da TSU para todas as actividades implica que restaurantes, cafés, escritórios de profissionais liberais, que não são sectores exportadores, possam incorporar a redução desse custo nos seus lucros. Nas empresas de energia, de telecomunicações, a descida pode também ser incorporada nos lucros. As alterações no IVA, nos últimos anos, são o barómetro mais eficaz para verificar até que ponto os sectores não exportadores reflectem as descidas fiscais, na redução dos preços. Mas quais são os sectores exportadores? Não devemos guiar a economia, deve ser ela a procurar as oportunidades. Sectores que hoje são exportadores, amanhã podem apostar no consumo interno e o incentivo fiscal ser contraproducente. Há 10 atrás exportávamos poucas turbinas eléctricas, hoje em dia a Efacec é uma exportadora de excelência.

A redução da TSU exclusiva a empresas exportadoras, penalizará as empresas que gravitam sobre elas que, indirectamente, são exportadoras. Empresas que rodeiam a Revigrés que exporta quase 50% da sua produção. Empresas metalo-mecânicas de Sever do Vouga e Oliveira de Frades que centram a sua actividade em função da exportadora Martifer. Caso sejam abrangidas, as empresas exportadoras terão inputs mais baratos.

Para manter a sustentabilidade da segurança social, a diminuição de receita será compensada pelo aumento de receita fiscal de montante igual. As receitas anuais da segurança social rondam os 24 mil milhões de euros, uma descida de 4 pontos percentuais da TSU para 19,75% corresponde a um decréscimo de 2,8 mil milhões de euros. A receita do IVA é de cerca de 13 mil milhões o que acarreta uma subida do IVA para quase 28%. Há o IVA reduzido e intermédio, os impostos indirectos sobre o tabaco, bebidas alcoólicas, produtos petrolíferos, selo, impostos directos como o IRS que poderão colmatar e não sobrecarregar exclusivamente o IVA normal e travam também o consumo privado através da diminuição do rendimento disponível. 

2. O Paradoxo de Kaldor

O crescimento económico leva ao aumento dos salários. A única maneira das economias maduras manterem a sua competitividade, passa por mudarem a forma de competição pelo preço para uma competição baseada noutros factores, através de uma mudança estrutural. Só trabalhadores com mais formação criarão uma economia mais competitiva. O aumento de competitividade via diminuição dos custos do trabalho através da redução da TSU poderá ter um efeito contrário ao esperado. No séc. XX, na Grã-Bretanha, verificou-se que perante uma redução dos custos do trabalho o PIB decrescia também e quando os custos do trabalho aumentavam o PIB crescia. Produtos com maior conteúdo tecnológico competem mais por inovação e diferenciação do que por preço. O economista Kaldor na década de 60 e 70 observou que havia uma correlação positiva entre as exportações dos países e seus custos de produção (e seus preços). A constatação era paradoxal. Seria de esperar que ao cobrar mais por seus produtos, um país visse diminuir a sua participação nas exportações mundiais.

A explicação para a descoberta, denominada "paradoxo de Kaldor", estava, justamente, na tecnologia e em factores de competição extra-preços. Por não serem homogéneos e por suas características inovadoras, os produtos são vendidos a um preço superior. A constatação empírica de que em países onde se verificou queda na competitividade via preço da produção (casos de Alemanha e Japão, países com salários elevados e lideram as exportações a nível mundial) observou-se um aumento das suas exportações. Revela a importância da competitividade extra-preço para o crescimento das exportações e do PIB. A competitividade extra-preço é crucial para a promoção das exportações em função da preferência por diversificação de consumo (variedade) à medida que cresce o PIB. Portugal tem que seguir a competitividade via inovação tecnológica e não voltar à velha estratégia verificada desde a década de 70 até à entrada no euro de desvalorização cambial, para resolução da competitividade das suas exportações. E hoje de desvalorização fiscal com a redução da TSU, que funciona como uma desvalorização cambial quando não se possui esse mecanismo. Se um país desvalorizar, o outro também e assim sucessivamente é o regresso à primitiva. Desde a queda do sistema de Bretton Woods em 1973 (35 dólares convertíveis em 1 onça de ouro desde 1944), desencadeou-se uma desenfreada guerra cambial.

Em suma, a descida da TSU colmatada com uma subida dos impostos indirectos, iria refrear o consumo interno e mudar a agulha das variáveis do crescimento económico, concentrando-se no investimento (formação bruta de capital fixo) e nas exportações. Porém existe a probabilidade de não se alcançar o efeito desejado, no que concerne a ganhos de competitividade via preço, através da descida dos custos do trabalho, como espelha o “paradoxo de Kaldor”. A Tróica manda…

Paulo Monteiro Rosa, economista, 29 de Setembro 2011

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.