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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

O Mito das Agências de Rating de Crédito

1. A importância das Agências de Rating. Mais concorrência sinal de mais transparência.

Mas porque é que as agências de rating são tão importantes? São uma referência para os investidores. Nenhum país ou empresa consegue financiar-se através dos mercados financeiros internacionais sem que haja um conjunto de informações que estejam disponíveis aos investidores. A Standard&Poor’s iniciou a classificação da dívida pública de Angola no dia 19 de Maio de 2010. A economia angolana necessitava de um rating de crédito, de uma referência, para aceder ao mercado. Começou com um "B", mas a tendência é ascendente e hoje a notação de crédito é de "BB". Nem todos os países africanos são classificados, logo o acesso aos mercados é-lhes vedado. Não é fácil compreender as contas públicas de muitos países, quer pela ausência de organismos, quer pela insuficiência de dados das instituições existentes. Em Portugal existem a Direcção Geral do Orçamento (DGO), o Banco de Portugal, o Instituto Nacional de Estatística (INE), o Tribunal de Contas, que guiam os investidores para alcançar “terra firme” com facilidade sem utilizar as agências de rating como farol.

As contas da Alemanha não são credíveis? São, todavia necessitam de um auditor externo, como seja uma agência de rating, para lhes conferirem maior fidedignidade. Se os investidores chegarem à conclusão que as agências de rating não são credíveis, devem seguir outras referências, devem estudar directamente as contas públicas germânicas divulgadas pelos vários organismos e instituições do país. As entidades a quem são atribuídas as notações se não concordarem com elas, não são obrigadas a permanecer e a pagar os serviços. Quem requer um rating tem que estar preparado para a avaliação.
Se determinados títulos de dívida virem a sua notação descer, os fundos têm regras que obrigam à venda e redução da exposição a esses activos. Os bancos centrais e instituições bancárias, quando os rating dos títulos que têm em carteira começam a deteriorar-se, vendem os títulos. Fazem-no porque acham que as agências são credíveis. A verdade é que as agências de rating continuam a ser o principal barómetro. Uma agência europeia seria mais credível? É indiferente o sentido de credibilidade em si mesmo, mas seria importante para projectar mais concorrência num mercado caracterizado pelo oligopólio [3 agências têm 95% da quota de mercado, Standard&Poor’s, Fitch e Moody’s], que pode ser sinónimo de menos credibilidade. Quanto maior o número de agências, maior é a concorrência pela excelência e transparência.

O desenvolvimento económico é diferente de crescimento económico. A Islândia tinha e tem um elevado desenvolvimento económico, com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos mais elevados do mundo, no entanto em 2008 teve que recorrer a empréstimos internacionais, medidas de austeridade, desvalorização cambial de 50% para evitar a bancarrota. As contas públicas estavam bastante depauperadas. Concentrou a sua economia na indústria financeira, deixando de lado as indústrias tradicionais [e.g piscatória]. Não conseguiu obter um desempenho idêntico ao Luxemburgo, mas este último têm uma tradição bancária ancestral, prudente na gestão dos depósitos e tem cerca de 2 biliões de euros depositados nos seus bancos [4% do PIB mundial]. Mas existia uma grande diferença entre a Islândia e o Luxemburgo no que respeita à notação de crédito. A Islândia jamais teve um rating superior a “A” e o Luxemburgo sempre teve um rating de “AAA”. De salientar nas 10 maiores falências empresariais de sempre que nenhuma dessas empresas jamais teve uma classificação superior a “A”. Abaixo uma tabela resumida dos ratings de crédito – ver quadro 1 e quadro 2.



As agências de rating não são responsáveis pelo agravar da crise da dívida soberana na Europa. São utilizadas ardilosamente pelos líderes europeus para desviar as atenções dos seus próprios problemas internos, das suas elevadas dívidas públicas e dos seus endividamentos externos. Os próprios emitentes de títulos de dívida contratam e pagam os serviços de rating, coexistindo um latente conflito de interesses [eventualmente, poderá ser cedida informação enviesada por parte das entidades visadas, para obterem uma classificação mais elevada].
Por vezes as Agência de rating, por iniciativa própria, classificam determinada dívida sem dados fornecidos pela entidade visada o que poderá comprometer essa notação.

No entanto, por vezes as Agências de Rating influenciam a capacidade das economias captarem financiamento, pelo que os seus Ratings, mesmo que errados, acabam por ser “auto-validativos” se todos os investidores agirem no sentido da nova notação de crédito. Também se nota um comportamento “procíclico” das agências de rating. Antes de uma crise mantêm uma certa “passividade” nas suas notações e quando a crise se instala e se espalha, as agências reagem rapidamente baixando sistematicamente, num curto espaço, o rating dos emitentes, por vezes sem terem em conta a qualidade individual do emitente. É um efeito multiplicador de downgrades sucessivos.
É fundamental uma disciplina que garanta que as agências não estejam tão sujeitas a enviesamentos. Mas os processos regulatórios são sempre menos eficazes do que os incentivos. O aumento do número de Agências e da concorrência pode ser uma solução. As agências de rating necessitam de ser credíveis, para continuarem a ter clientes e investidores.  

Portugal em 1999 tinha um rating de “A-“, inferior ao de 2009 de “AA”. No entanto, em 1999, o crescimento económico era mais elevado e o endividamento era menor do que em 2009. Qual a razão desta diferença de rating? Pertencer ao restrito grupo do euro, segunda moeda de referência mundial. Hoje, a integração União Europeia é menor do que em 2009, continua a regredir e foi percepcionada pelos mercados. Os investidores passaram a ver a dívida de cada país membro isoladamente e obviamente Portugal, sem a redoma do euro, viu descer o seu rating de “AA” para “BBB”. O mercado deixou de olhar para a dívida europeia como um todo. As revisões em baixa do rating são ajustamentos causados pela degradação da integração. Solidariedade e responsabilidade são duas palavras chave.
A economia portuguesa está sob a ameaça e o ataque não das “agências de rating e dos especuladores”, mas do “descontrolo das contas públicas, endividamento das famílias e das empresas”. Portugal está ameaçado e aponta baterias às agências de rating, o “bode expiatório”. Mas a ameaça não é externa. A ameaça é interna.
Portugal [e outros países meridionais] comprou submarinos, necessários para garantir o patrulhamento da nossa extensa costa marítima, porém mediante as dificuldades financeiras estes investimentos eventualmente poderiam ter sido adiados. É pressionado para avançar com o Comboio de Alta Velocidade [TGV]? Só o faz se quiser. Provavelmente os aumentos salariais acima da produtividade nos últimos 10 anos, agravando a nossa taxa de câmbio real em relação aos países setentrionais da Zona Euro, não deveriam ter acontecido.
A construção de estádios, de auto-estradas, rotundas e barragens, tudo para que a população vivesse melhor. As pessoas agradecem, e a grande maioria sem saber que foi obra realizada com dinheiro emprestado pelo estrangeiro e agora é chegado o momento de pagar…

2. As SPV [Special Purpose vehicle] e a crise do Subprime. O papel das Agências de Rating.

Existiam dois objectivos primordiais na criação das SPV [Special Purpose vehicle] por partes dos bancos americanos, antes da crise do subprime: 1º lucrar com as diferenças de taxas entre os créditos à habitação e o financiamento das SPV; 2º retirar dos seus balanços os créditos à habitação concedidos e transmitir o risco de crédito para a SPV [passam a integrar SPV sediadas em paraísos ficais], para manterem os rácios créditos sobre depósitos baixos e dentro dos regulamentos das autoridades monetárias [Reserva Federal e Security Exchange Commission] e poderem continuar com a estratégia de emprestar dinheiro indefinidamente e passam a ceder crédito sem grandes exigências e angariar mais clientes. Quando os clientes prime começaram a escassear, passaram para os clientes com menos probabilidades de pagar denominados de Alt-A, depois para clientes subprime e NINJA [No Income, Jobs and Assets - sem rendimentos, sem emprego e sem activos] levando a um provável aumento da taxa de incumprimento no futuro. Foram contratados milhares de corretores imobiliários para venderem casas, não interessava a situação financeira a quem era concedido o crédito à habitação, o objectivo era vender…  

Uma SPV é essencialmente um fundo de arbitragem de crédito, similar a um CDO [Collateralized Debt Obligations] que é um título que tem dívidas como garantias. Podemos imaginar uma SPV criada pelos bancos para agrupar os créditos à habitação, como um banco virtual. Para se financiar emite dívida e tem cerca de 2% de equity. Após obter financiamento, usa o dinheiro para comprar créditos à habitação. A estrutura básica de um SPV tem duas camadas de responsabilidades, sénior e júnior e uma alavancagem na casa de 50 vezes [os capitais próprios correspondem a 2% e os capitais alheios a 98%]. A dívida sénior recebe sempre um rating de “AAA” (normalmente duas agências de rating são escolhidas) e aquando do pagamento tem prioridade sobre qualquer outra dívida. A dívida júnior ou mezzanine, principalmente dívida subordinada, normalmente é classificada com “BBB” e como o próprio nome indica está subordinada as todas as dívidas e é a última a ser paga.

A seguir é feita a securitização, prática financeira que consiste em agrupar vários tipos de activos financeiros (neste caso títulos de crédito cujo o subjacente é um crédito à habitação), convertendo-os em títulos padronizados negociáveis no mercado de capitais. A dívida é transferida, vendida, na forma de títulos, para vários investidores. Os juros baixos na Europa e no Japão contribuíram para a atractividade destes títulos, que ofereciam retornos elevados.

Determinado banco junta uma série de créditos à habitação valorizados em 100 unidades monetárias (u.m.), a renderem uma taxa de juro média de 8% e tinham por base a taxa de incumprimento de 5% verificada em 2005 – ver gráfico 3. Os valores desses créditos ao fim de 1 ano seriam de 102.6 u.m. [com uma taxa de incumprimento de 5%, a probabilidade é ficarmos com 95 u.m. que à taxa de juro de 8%, no final de 1 ano representavam 102,6 u.m.].

          Fonte: Bloomberg
  
Numa segunda fase o banco vende esses pacotes a uma empresa, um veículo financeiro, criada especificamente para esse fim, as SPV. Para financiá-lo são emitidas obrigações seniores (90% capital), obrigações subordinadas (8% capital) e capitais próprios (2%). As obrigações seniores são remuneradas a uma taxa de 3% e as obrigações subordinadas a uma taxa de 15%.
As agências de rating atribuíam uma notação de “AAA” à aludida empresa (SPV), porque os créditos tinham um valor de 102.6 u.m. superior ao financiamento do SPV de 101.9 u.m.  
A Reserva Federal dos EUA ao manter os juros de referência em 1%, incentivou muitos americanos a financiarem-se para comprar casa. As casas valorizaram bastante originando uma bolha imobiliária. Quando as taxas de juro iniciaram o ciclo de subida e algumas famílias começaram a entregar as casas por falta de pagamento o seu preço começou a baixar e rebentou a bolha imobiliária. As taxas de incumprimento passaram para 10% em meados de 2007 [Hoje estão nos 30%] e as agências de rating percepcionam um risco diferente das SPV [os cash flows gerados pelos créditos à habitação eram inferiores ao financiamento]. E num ciclo vicioso começam a rever em baixa o rating à medida que o preço dos activos se deteriorava. Investidores e fundos de investimento em todo o mundo tinham títulos, cujos subjacentes eram esses financiamentos – ver quadro 3.

    Fonte: Paulo Monteiro Rosa

O que está por detrás da crise imobiliária nos EUA é a política, estratégia da concessão de crédito por parte das instituições bancárias. Numa situação normal, o risco é proporcional ao retorno e de acordo com esta premissa, os montantes emprestados oscilam num intervalo apertado entre a taxa de juro oferecida/pedida e o risco inerente à operação, mas mantêm a característica peculiar dos montantes a emprestar diminuírem à medida que se percepciona um risco de incumprimento. Comprar dívida pública grega, apesar de uma taxa atractiva de 130%, o risco de incumprimento é quase uma realidade e os montantes são bastante baixos. No caso de um empréstimos a um pessoa com as características de um NINJA, não há lugar a empréstimo, o montante a emprestar é nulo. Os depósitos dos bancos junto do Banco Central Europeu estão em máximos dos últimos 2 anos e o BCE só paga 0.25% de taxa de juro. O Banco Central da Suíça paga 0% e pretende mesmo cobrar 0,25% [taxa de juro negativa de 0,25%] para desincentivar os depósitos. Poderemos ter algo parecido com o gráfico 1.

           Fonte: Paulo Monteiro Rosa
A única garantia que existia era o próprio imóvel. Quando as famílias por falta de pagamento começaram a entregar a casa ao banco, os preços caíram sucessivamente e a partir de certo momento o valor da casa passou a ser inferior ao empréstimo concedido. A casa era a única garantia e os bancos ficaram com as casas entregues desvalorizadas e com um crédito que dificilmente irão recuperar [as famílias ficaram sem casa e ainda com uma dívida]. A cedência de crédito baseada em três vertentes foi fatal: O empréstimo tinha subjacente só a garantia da casa, sem fiadores e outras garantias; Sob o falso axioma de que o preço das casas só valoriza; O empréstimo de qualquer montante a pessoas NINJA, que jamais conseguiriam honrar os seus compromissos – Uma curva vertical no gráfico 2. Foi negligência? Houve dolo? Provavelmente, a conduta não foi a mais adequada. Qual a responsabilidade das agências de rating? A notação de crédito de “AAA” era dada em função da viabilidade da SPV, que tinha subjacente a taxa de incumprimento. Deveriam as agências de rating ter em conta que a taxa de incumprimento poderia subir para níveis históricos? A partir do momento que passaram a ser concedidos créditos a famílias NINJA, a probabilidade de incumprimento disparou, logo os ratings deveriam ter sido revistos em baixa. Os bancos americanos provaram da sua própria cicuta e infelizmente deram a beber a muitos bancos de investimento e aforradores de todo o mundo…

            Fonte: Paulo Monteiro Rosa

 Paulo Monteiro Rosa, economista, 5 de Janeiro de 2012

Publicado na ATM / Analistas Mercados Capitais
http://www.associacaodeinvestidores.com/index.php/artigos-e-teses/63-artigos/196-o-mito-das-agencias-de-rating-de-credito

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O que podemos esperar para 2012? O cenário não é animador. Em Portugal falta dinheiro e sobra dívida.

Em Portugal salienta-se a amortização pelo Estado de uma série de Obrigações do Tesouro a 10 anos, no montante de 10 mil 163 milhões de euros, no dia 15 de Junho de 2012. Acresce, a este montante, 508,15 milhões de euros de juros [cupão de 5%] que o imposto extraordinário sobre 50% do subsídio de Natal de 2011 [obteve uma arrecadação fiscal de 800 milhões de euros] pouco colmata. A tróica deverá intensificar o escrutínio das contas públicas e da execução orçamental nas semanas anteriores. De relevar que os montantes a amortizar são cada vez maiores [exigindo maior esforço] e corroboram o aumento da dívida soberana.
Em 2011 o défice público ficará nos 8%. Para uma real percepção das contas não devemos ter em conta os 5 mil milhões de euros do fundo de pensões dos bancários. É quase um empréstimo que os bancários fazem ao Estado, porque para o ano já serão pagos pela segurança social 500 milhões em pensões, e levará a um orçamento rectificativo [esta despesa não estava contabilizada]. A segurança social passará a receber descontos dos colaboradores dos bancos, mas a base poderá diminuir com despedimentos devido ao agudizar da crise.
O crédito malparado dos bancos continuará a atingir máximos históricos, por força da contracção económica superior a 3%, do corte dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos e dos pensionistas a partir de um determinado patamar, da descida do tecto da prestação e da redução dos meses do subsídio de desemprego, do aumento do desemprego e a diminuição do rendimento disponível, que poderá agravar-se ainda mais de acordo com a evolução da economia internacional.
É provável que o aumento da carga fiscal não resulte em mais receita fiscal [a curva de Laffer talvez tenha ultrapassado o ponto de inflexão]. A meta para o défice público em 2012 de 4,5% é quase impossível de atingir. Eventualmente a fasquia subirá para valores acima dos 6%. Não é de excluir um imposto extraordinário sobre a totalidade do subsídio de férias e Natal de todos os trabalhadores do sector privado, que renderia cerca de 2 mil milhões de euros e reduziria ainda mais o rendimento disponível. A par deste imposto é expectável mais cortes nas duas principais rubricas do orçamento do Estado, salários e pensões/prestações sociais. As receitas das privatizações abatem à dívida pública, mas implicam a perda de dividendos que reduziam o défice público.
Em Portugal o cenário não é animador, falta dinheiro e sobra dívida. Políticas de crescimento económico são necessárias. Sem crescimento não há cumprimento.

Na Europa, a economia alemã está a abrandar significativamente, possivelmente terá um crescimento residual em 2012, prejudicada pelas recessões nos países periféricos [nomeadamente Itália] e pelo abrandamento dos países da Europa setentrional, destinos de uma fatia considerável das exportações germânicas. As dívidas soberanas permanecerão em níveis elevados. O euro poderá começar a recuperar a credibilidade, mediante os resultados das cimeiras europeias, que se realizarão ao longo do ano. A Cimeira de Março poderá trazer novidades quanto às “eurobonds”. O controle dos défices por Bruxelas caso sejam superiores a 0,5%, já traduzem um primeiro esboço de centralização dos orçamentos dos países membros e servem de suporte às aludidas “eurobonds” com taxas de juro à volta dos 4%.

A economia dos EUA tem recuperado nos últimos meses. Os pedidos de subsídios de desemprego semanais [Jobless Claims] atingiram na semana passada o valor mais baixo desde Abril de 2008 e mantêm uma tendência descendente. O desemprego diminuiu para 8.6%, valor mais baixo desde Março de 2009 e os postos de trabalho criados mantêm-se acima dos 100 mil, dando sustentabilidade para um crescimento económico entre os 2 e os 3%. Todavia, a economia dos EUA continua com um crónico défice comercial [4.5%], apesar de ser importante para absorver as exportações dos países emergentes, da Alemanha e do Japão.
Este défice não se poderá manter eternamente, porque a dívida externa dos EUA está a níveis insustentáveis e só a fidúcia na economia e na moeda norte-americana permitem que esta situação se arraste. O USD é referência para 86% dos negócios a nível mundial, as matérias-primas são denominadas em USD.
Mas a dívida e o défice público americano estão em níveis elevados, são um entrave a um maior crescimento dos EUA, e precisam de acordos entre democratas e republicanos [em Janeiro poderão começar conversações para reduzir a dívida]. As eleições presidenciais e para o Congresso em Novembro poderão influenciar o último trimestre de 2012.

Os países emergentes, nomeadamente a China, o Brasil, a Índia e a Rússia [BRIC’s] à cabeça, vão continuar a registar taxas de crescimento bastante significativas. Porém, a inflação poderá refrear este crescimento, com a subida das taxas de juro dos bancos centrais. A China continuará a financiar os países desenvolvidos [União Europeia e os EUA] e a comprar empresas em todo o mundo, caso da portuguesa EDP na semana passada.

Qual o desempenho das bolsas [vertente accionista] em 2012? Poderá ser positivo, perante o crescimento da economia dos EUA e dos países emergentes e as bolsas europeias, por arrasto, podem ter uma performance favorável. Os grandes investidores de longo prazo continuarão fora do mercado. Os especuladores e os traders de curto prazo serão os principais players do mercado. A liquidez vai manter-se baixa e a volatilidade elevada. Mas poderemos assistir à entrada de alguns investidores de longo prazo e alguma sustentabilidade e solidez das bolsas se os problemas em torno do euro forem debelados e as dívidas soberanas não se agravarem.

Na bolsa de Lisboa, os títulos dos bancos estarão pressionados pelo crédito malparado. Porém, a entrada do Estado nos capitais próprios dos bancos condicionará a evolução das cotações dos mesmos [se a preço de mercado. Se próximo do valor contabilístico, que beneficiaria os títulos bancários]. A desblindagem dos estatutos da Zon [limitação do direito de voto a 10%] abrirá o título a fusões e aquisições. As empresas com maior exposição ao mercado externo terão um desempenho semelhante e de acordo com o desenvolvimento económico mundial.

Paulo Monteiro Rosa, economista, 29 de Dezembro de 2011
   

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O ABC dos Derivados

 A alavancagem permitida pelos derivados torna estes instrumentos muito populares entre os concorrentes do Jogo da Bolsa, em praticamente todas as edições.

Os derivados são instrumentos que têm subjacente a cotação de um activo (activo subjacente) e são negociados em bolsas, como os futuros, opções, warrants, onde existem câmaras de compensação ou em OTC [Over the Counter, "fora de balcão", isto é, em mercados não regulamentados], como os Credit Default Swaps [CDS], Contrats For Diference [CFD], Swaps, Forwards

No mercado de futuros, as partes assumem o compromisso de compra/venda de determinado activo, representada por contratos padrão para liquidação (física/financeira), numa data futura. Existe o ajuste diário do valor dos contratos. Esse mecanismo possibilita a liquidação financeira diária de lucros e prejuízos das posições, facilitando a troca de posições.

No mercado de opções, uma parte adquire o direito de comprar (opção de compra) ou vender (opção de venda) um activo, em determinada data, a um preço estipulado. A outra parte, em contrapartida, assume o dever de vender (opção de compra) ou comprar (opção de venda). Nos Warrants, os investidores apenas têm o direito de comprar ou vender e o emitente assume a obrigação.

Mas há instrumentos que são negociados fora dos mercados regulamentados (em OTC). Nos swaps, os investidores trocam uma rentabilidade por outra, com o intuito de proteger os activos perante a incerteza. Swaps de taxas de juro, troca de uma taxa de juro fixa por uma variável ou vice-versa. Os Forwards, activos a prazo, idênticos aos futuros, com a diferença de serem efectuados em OTC. 

Os CDS, seguros contra o incumprimento de um activo detido em carteira (e.g obrigações do tesouro). Os CFD, activos alavancados, cristalizados na diferença entre o preço de compra/venda hoje e o fecho da posição no futuro, entre um investidor e uma contraparte.

A alavancagem permitida pelos derivados torna estes instrumentos muito populares entre os concorrentes do Jogo da Bolsa.

Publicado no Jornal de Negócios, página 46, dia 23 de Novembro de 2011.

http://www.scribd.com/doc/75311653/Jornal-de-Negocios

Paulo Monteiro Rosa, economista, 23 de Novembro de 2011


sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A Cimeira europeia de 9 de Dezembro. Conflito entre a teoria keynesiana e a escola austríaca?


1. A Cimeira europeia de 9 Dezembro. O primeiro passo para ultrapassar a crise do euro.
A cimeira do passado dia 9 de Dezembro fica marcada como a primeira com carácter político. A Zona Euro necessitava de uma decisão política, como de “pão para a boca”. Algo de positivo foi elaborado para a salvação do euro. Neste momento é um simples esboço, mas esperemos que mais tarde se concretize em algo mais palpável. Pela primeira vez a luz ao fundo túnel começa a ser visível. Foi um dia de renascimento do projecto europeu, com a consagração de uma estabilidade orçamental. São medidas estruturais e o primeiro passo para a criação, das tão mencionadas, “eurobonds”. Estas obrigações do tesouro europeu, como o próprio nome indicia, para serem viáveis têm que ter inerente um tesouro europeu e um orçamento único subjacente. O princípio do fim da crise do euro? Sim. O primeiro passo político está dado. As anteriores cimeiras apenas consagraram medidas financeiras, decisões conjunturais, bastante necessárias para ganhar tempo, mas que são meros paliativos. O problema do euro não se resolve com dinheiro, apesar de no curto prazo ser provável que a Zona Euro necessite de um quantitative esasing e de maior flexibilidade do Banco Central Europeu (BCE), duas medidas que colidem com o tratado da União Europeia. O empréstimo do BCE de 489 mil milhões de euros a 520 bancos europeus serve para dar liquidez a um sistema financeiro sem liquidez. Mas uma união orçamental, aliada à união monetária [cristalizada no BCE], retiraria toda a especulação em torno do euro. O euro passaria a usufruir de uma política económica efectiva.
O euro é a única moeda a nível mundial que não usufrui de uma plena política económica. Tem uma política monetária centrada no Banco Central Europeu (BCE), mas quanto à política orçamental cada país tem a sua. Para a moeda única ter o segundo pilar a funcionar, os orçamentos deveriam ser centralizados no Parlamento Europeu. Os parlamentos nacionais teriam de abdicar da elaboração, tal como a conhecemos, do Orçamento do Estado. Seria organizado um orçamento regional. O Orçamento do Estado português estaria para o Orçamento Central europeu, assim como os orçamentos das Regiões autónomas da Madeira e dos Açores estão para o Orçamento do Estado nacional.
Na agenda da cimeira estava o objectivo de criar condições para salvar o euro. Quanto às dívidas soberanas, o seu elevado peso não vai desaparecer facilmente. Os Credit Default Swaps (CDS), subjacentes a essas dívidas, levarão muito tempo para voltarem a níveis sustentáveis de 0.1, 0.2 ou 0.3 pontos percentuais e o mercado manter-se-á pressionado [esta cimeira é o primeiro passo para travar a subida dos CDS]. Passarão muitos anos até as contas públicas estarem equilibradas. Por último, a decadência das economias desenvolvidas, onde se inclui a União Europeia, tenderá a agravar-se e será uns dos grandes problemas e desafios no futuro.
São medidas desfavoráveis para os países meridionais, habituados a conviver e a viver à sombra do crescente endividamento? Não. São medidas que trazem a necessária disciplina. São inadmissíveis 37 anos, consecutivos, de défices públicos em Portugal. Responsabilidade dos governos? Em parte não. Uma quota-parte deve ser imputada à população. A democracia não é perfeita, no entanto até prova em contrário continua a ser o melhor dos sistemas. Mas, a qualidade da democracia é fundamental e ela é proporcional aos níveis de educação, aliados ao sentido de civismo e à literacia económico-financeira da população. Em Portugal é quase impossível alguém ganhar eleições a falar sobre a realidade, a referir que não há dinheiro ou a prometer austeridade. Na Suécia diríamos que é uma hipótese plausível.
A outra quota-parte é da responsabilidade dos calendários eleitorais, que forçam os governos a tomarem medidas populares e consequentemente a endividar-se. Agradar aos interesses instalados e aos corporativismos, não deixa margem de manobra para desenvolver uma sociedade e colocar uma economia a crescer.

Estamos perante um dilema: menos soberania e manter o nível de vida ou manter a soberania e empobrecer.

2. As medidas e os pontos mais marcantes da cimeira.
Quanto aos pontos mais marcantes da cimeira: 1º Clarificar o papel do Parlamento Europeu. As estruturas de representação democrática - o Parlamento Europeu e os parlamentos nacionais dos países membros - serem "associadas de maneira adequada".
2º “Um quadro de prevenção global" com disposições legais sobre uma "regra orçamental", a ser inscrita ex ante "de preferência ao nível constitucional ou equivalente". A regra central deverá ser a proibição de qualquer país membro ter um défice estrutural (corrigido das variações cíclicas e das medidas extraordinárias) superior a 0,5% do PIB nominal. Esta norma ficou conhecida como “regra de ouro”. No Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), o limite do défice é de 3%.
3º Um novo quadro jurídico de regulamentação financeira, fiscal e do mercado de trabalho. No sentido de uma harmonização no imposto sobre as sociedades [IRC] (um ponto que afecta directamente a Irlanda) e de instauração de uma taxa sobre as transacções financeiras (um ponto que afectaria directamente o Reino Unido e o Luxemburgo).
4º Os Estados aderentes deverão submeter ex ante os planos de colocação de dívida. A Comissão Europeia "analisará em particular os principais parâmetros da estratégia traçada nos planos orçamentais, e se necessário dará parecer sobre os mesmos". Se houver incumprimento "grave" do PEC, o país terá de rever o projecto de plano orçamental. Entrada em vigor do "semestre europeu". Segundo as regras do "semestre europeu", os membros da União Europeia (UE) têm de apresentar os seus programas de estabilidade e crescimento em Abril, após o que a UE emite conselhos para orientar a elaboração dos orçamentos nacionais no final do ano.
Em caso de défices excessivos, haverá "consequências automáticas", a não ser que uma maioria qualificada dos membros se oponha. Os governos têm de apresentar um plano de "reformas estruturais" que será monitorizado pela Comissão e pelo Conselho Europeu.
6º Antecipação para Julho de 2012 do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), mas só poderá funcionar depois dos membros que representam 90% do capital o ratificarem. O Fundo Europeu de Estabilização Europeia (FEEF) acabará por funcionar em paralelo durante algum tempo com o MEE, pois continua com o mandato até meados de 2013. Ambos os fundos ficarão sob gestão do BCE. No conjunto, os dois fundos - FEEF (dispõe de 250 mil milhões de euros ainda não aplicados) e MEE, terão um tecto de 500 mil milhões de euros, mas pode aumentar em Março de 2012. A capacidade combinada dos dois instrumentos é de 500 mil milhões de euros, o que é insuficiente. O Banco Central da China poderá estar a pensar num fundo de 300 mil milhões de dólares para investir no estrangeiro, "presumivelmente na Europa" e o Qatar poderá também estar preparado para contribuir para o FEEF.
7º As decisões no âmbito do MEE poderão ser, em situações de emergência, decididas por "supermaioria" de 85% do capital inscrito no BCE, abandonando a regra da unanimidade. A emergência é definida pela Comissão e pelo BCE.

No entanto, estas medidas políticas aparentemente eficazes para salvar o euro não foram suficientes para acalmar os mercados que reagiram negativamente. O euro depreciou-se. Qual a justificação para esta reacção desfavorável? As características dos investidores e a sua quantidade no mercado, poderão explicar esta situação. São pouco os investidores no mercado e na sua maioria são de curto prazo e estavam à espera de medidas financeiras significativas, para retirarem mais-valias numa subida rápida de alguns dias.
Colocar mais dinheiro na economia não é solução para os problemas estruturais, mas é sempre bem-vindo e no curto prazo traz algum conforto. Como fazem os EUA e o Reino Unido através de quantitative esasing, palavras eufémicas para dizer “impressão” de dinheiro. Os investidores de longo prazo estão à espera de mais sinais e sabem que não será fácil politicamente implementar estas medidas. Em caso de referendo o programa pode ser todo posto em causa. A indisciplina orçamental e os desajustamentos nas balanças comerciais, derivados principalmente da globalização, conjugam-se num declínio tendencial do crescimento económico. O "compacto orçamental" poderá ser o começo da solução. São muitas e ambíguas as medidas, requerendo consensos alargados, quer ao nível interno, quer ao nível da articulação entre 26 países membros. É uma tarefa hercúlea conjugar todas estas medidas.
3. A teoria keynesiana. O modelo de Hiks. O modelo de Mundell-Fleming aplicado à economia portuguesa.

A “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda” publicada por Keynes, economista britânico, em 1936, foi formalizada matematicamente por Hicks e procura ilustrar a relação entre a taxa de juro e o PIB e o seu equilíbrio de curto prazo no mercado de bens e serviços e no mercado monetário. O modelo pode ser aplicado a uma economia fechada ou aberta. É o modelo IS/LM [Investiment Saving/ Liquidity preference Money supply], cujo equilíbrio no mercado de bens e serviços tem subjacente a igualdade entre o investimento [investiment] e a poupança [saving] e a inclinação negativa da curva IS é dada pela relação negativa entre a taxa de juro e o investimento reflectido quanto mais elevada for a taxa de juro, maiores serão os custos de financiamento e menor a propensão ao investimento. Mesmo que não se recorra a empréstimos, com taxas de juros mais elevadas surge a concorrência de aplicações financeiras que poderão ser mais rentáveis que a actividade produtiva (é o custo de oportunidade) e o incentivo ao investimento diminuirá.
No mercado monetário, a designação LM significa Liquidity preference=Money supply e o equilíbrio é dado pela igualdade entre a preferência por liquidez [deter moeda ou procura de moeda pelos agentes económicos] e a oferta de moeda pelo Banco Central e outras instituições monetárias (OIM, bancos comerciais). Perante uma diminuição do PIB, a procura de moeda por motivos de transacção diminui e se a oferta de moeda por parte do BCE se mantém constante, passa a existir excesso de moeda no mercado e consequente descida do seu preço, da taxa de juro e vice-versa. Logo a inclinação da curva LM é positiva.

O modelo de Mundell-Fleming (MF), extensão do modelo IS/LM de Hiks, introduz a balança de pagamentos e é representado pela IS/LM/BP e tem em conta as taxas de câmbio, fixas ou flutuantes, para calcular a IS e LM. É a relação entre o mercado interno espelhado nas curvas IS e LM e o mercado externo reflectido na curva BP. No modelo e caso estejamos perante uma perfeita mobilidade de capitais, uma política orçamental expansionista num país com câmbios flexíveis, não influencia o PIB [conduz à apreciação da taxa de câmbio e à consequente diminuição das exportações que não é compensado pelo aumento do consumo interno]. Também é inócua uma política monetária expansionista em câmbios fixos [porque o aumento da oferta monetária será absorvido para a manutenção da taxa de câmbio] – ver quadro 1.


Perante a crise financeira de 1998, o Brasil resolveu deixar flutuar a sua moeda que estava fixada ao USD, a política monetária voltou a ser eficaz e alguns problemas foram debelados, é o apelidado “trilema” ou “tríade impossível”, não se pode manter, em simultâneo, a taxa de câmbio fixa, o livre fluxo financeiro com o estrangeiro e uma política monetária activa. A política monetária do Banco Central de Hong Kong não influencia o PIB, porque o dólar de Hong Kong tem um “peg”, desde 1983, com o dólar dos EUA [1USD=7,80HKD]. Se a inflação de 6% colocar em causa o crescimento, Hong Kong abandonará o “peg”. A moeda do Qatar [Qatari Riyal] mantém-se fixa ao USD desde 1980 [1 USD=3,60 riyal].

Portugal usufrui apenas da política orçamental, que é eficaz nas nossas relações com a Zona Euro, cujas trocas comerciais representam 60%, porque partilhamos a mesma moeda [funciona como câmbios fixos]. Mas devido à elevada propensão marginal às importações, esta política tende a ser inócua. Parte dos Gastos Públicos serão, provavelmente, apropriados pelo exterior. É provável que aumentos salariais sejam gastos em produtos importados, em viagens ao estrangeiro ou depósitos no exterior. Nas grandes obras públicas, os equipamentos tecnológicos e alguma mão-de-obra qualificada, provavelmente, vêm do estrangeiro.
Nos restantes 40% das nossas trocas comerciais, a taxa de câmbio é flexível e, segundo o modelo MF, neste caso a política orçamental seria ineficaz, mas como estamos no euro não haverá apreciação cambial, porque a economia portuguesa pesa apenas 2% do PIB da Zona Euro [as nossas exportações, intensivas em trabalho, baixo valor acrescentado e tecnológico, mantêm a competitividade via preço. Mas, subsiste a saída de capitais diante de uma política orçamental expansionista, devido à elevada abertura da nossa economia]. As alterações cambiais do euro são um exclusivo da economia alemã e a política monetária é feita à sua medida. Em suma, grande parte a política orçamental é ineficiente e na ausência de política monetária, Portugal desde que entrou para o euro quase prescindiu da política económica.
Que políticas devem ser tomadas? Incrementar as exportações principalmente via valor acrescentado, que são a sustentabilidade de longo prazo e a solidez estrutural. Incentivar o Investimento. Travar e substituir as importações por sucedâneos nacionais e criar alternativas de energia com viabilidade económica para reduzir a dependência energética do exterior. Desincentivar o consumo e as importações e criar hábitos de poupança, para que não seja preciso recorrer ao crédito externo. Estimular a natalidade. Educação, Saúde e Justiça de excelência. Criar uma sociedade que saiba respeitar a liberdade. Que saiba o que é responsabilidade e solidariedade. Que saiba o que é o trabalho comunitário. Há muito a fazer, há um manancial de medidas e soluções viáveis. Haja coragem para implementá-las. Há muitos interesses instalados? Há muitos mitos e “tabus”? Haja audácia para enfrentá-los…  

Um exercício simples passa por olhar para a função do PIB, na óptica da despesa, e verificar o que deve aumentar e o que deve ser reduzido. A função do PIB é dada pela soma do Consumo (C), do Investimento (I), dos Gastos Públicos (G) e das Exportações (X) subtraindo as Importações (M), [PIB=C+I+G+X-M].

No caso português, a inclinação da curva da Balança de Pagamentos (BP) é quase horizontal. A inclinação da curva BP depende do grau de mobilidade de capitais e da forma como estes respondem às variações das taxas de juro e da propensão marginal às importações. Quanto maior a mobilidade de capitais menor a inclinação da curva da BP e quanto maior a propensão marginal às importações, mais inclinada será a curva da BP.

Portugal é membro da União Europeia (UE), onde existe perfeita mobilidade de capitais, logo a inclinação da curva da BP é horizontal para as relações realizadas com os nossos parceiros europeus e rondam os 70%. As restantes trocas comerciais são realizadas fora da UE [30%], onde a mobilidade dos capitais poderá não ser perfeita, o que se traduz numa ligeira inclinação da curva da balança de pagamentos – ver gráfico 1.


O défice da Balança Comercial é financiado a taxas de juros praticadas nos mercados internacionais [hoje em dia, as taxas de juro de referência internacional são as do FMI e da EU. Estamos sob resgate financeiro]. No caso de perfeita mobilidade de capitais, qualquer défice da Balança Comercial será financiado à taxa de juro em vigor nos mercados internacionais. Por isso o saldo da balança comercial é irrelevante para determinar o equilíbrio da BP, porque o saldo da BP é indiferente à variação das taxas de juro [Com o programa da tróica e as suas taxas de juro, esta questão nem sequer se coloca].
Quanto aos remanescentes 40% das exportações são para fora da Zona Euro, dos quais 30% para países exteriores à União Europeia e a mobilidade de capitais não é perfeita. Perante um aumento do rendimento (PIB), haverá um incremento das importações e, consequentemente, um agravamento do défice da balança comercial. Os investidores internacionais exigirão taxas de juro mais elevadas para financiar esse défice comercial mais elevado – ver quadro 2.


Por último, todas as economias ocidentais estão a cair na “armadilha da liquidez”, referida pela teoria Keynesiana. Perante taxas de juro bastante baixas, os agentes económicos preferem deter moeda, manter liquidez em detrimento de títulos e investimentos, pondo em causa o crescimento económico. Há quase 20 anos que a economia japonesa mantém taxas de juro próximas de zero. O Estado nipónico substitui-se à população, no consumo, e acumula uma dívida pública de 200% do PIB. Os EUA têm taxas de juro próximas de zero e os bancos centrais da suíça e Suécia também, para refrearem a crescente procura pelas suas moedas-refúgio.

4. O Multiplicador keynesiano. A influência da economia alemã. O efeito quase inócuo no PIB nacional face a um aumento dos Gastos Públicos do Estado português.  

Como poderia o aumento do investimento do Estado influenciar o aumento do PIB? Keynes descobriu o elemento que apelidou de efeito multiplicador (k). Um aumento do investimento público causaria um determinado aumento do PIB, correspondente à multiplicação de k pelo acréscimo de investimento público. O efeito multiplicador seria dado por k=1/s. Sendo k o multiplicador e s a propensão marginal a poupar da economia definida como o quociente entre a variação da poupança da economia e a variação do rendimento disponível (subtraído do saldo líquido entre impostos e transferências do Estado) da economia e estaria compreendida entre 0 [ante um acréscimo no rendimento disponível, não há nenhuma poupança adicional] e 1 [todo o acréscimo no rendimento disponível é poupado].
A Propensão marginal ao consumo mede o aumenta do consumo de uma pessoa quando há um acréscimo do seu rendimento disponível. Se a propensão marginal a consumir é 1, o indivíduo gasta todo o novo rendimento que adquire. Se fosse 0, então pouparia todo o novo rendimento. A função consumo é em termos matemáticos uma função potência [cresce a ritmos decrescentes. À medida que o rendimento aumenta, o consumo aumenta mas os acréscimos são cada vez menores – a 1ª derivada é positiva e a 2ª é negativa]. Ver gráfico 2


Utilizando os efeitos multiplicadores em economia fechada e em economia aberta, para tentar demonstrar que aumentar os Gastos Públicos pode ser contraproducente, dadas as circunstâncias em que vive a nossa economia (resgate financeiro, elevado défice externo). A oferta de moeda é determinada pelo BCE e é influenciada pelo andamento da economia alemã. Se existir mais procura de moeda na Alemanha por motivos de transacção [devido ao aumento do PIB] e se a oferta monetária do BCE se mantiver, então haverá escassez de moeda, o seu preço sobe, ou seja a taxa de juro sobe. Se há contracção económica em Portugal, a procura de moeda por motivos de transacção diminui e mantendo-se a oferta monetária do BCE, haverá excesso de moeda em Portugal, o que levaria a uma descida da taxa de juro, mas como o peso da economia portuguesa é insignificante a taxa de juro mantém-se igual. Para qualquer estádio da economia portuguesa, forte crescimento [aumento da procura de moeda e escassez da oferta], acentuada recessão [diminuição da procura de moeda e excesso da oferta] a taxa de juro vai manter-se inalterada perante qualquer variação do PIB, logo a curva LM é horizontal [é o facto de pertencermos à Zona Euro e nosso peso ser residual] – ver gráfico 1.


Face a uma propensão marginal ao consumo (c) de 0.67 e uma propensão marginal à tributação do Estado (t) de 0.2, o efeito multiplicador do investimento público no PIB, em economia fechada, seria de 2,15 [k=1/(1-c*(1-t))]. Em economia aberta e com base numa propensão marginal a importar (m) de 0.4, o efeito multiplicador reduz-se para 1.16 [k=1/(1-c*(1-t))+m]. Ganha-se, em PIB, 16% do valor investido e as importações são grande parte desse ganho. Ver quadro 3.

Portugal deveria estar a crescer acima da média Europeia, porque, pelo menos desde 1999, temos investido (em percentagem do PIB), muito mais do que a média Europeia. Então porque é que investindo muito mais, crescemos muito menos? Porque a eficiência do investimento tem sido das mais baixas da Europa. A Expo, a construção e remodelação de 10 estádios para o Euro2004, as “scuts”. O Estado português deve investir em projectos aliados à produção de bens transaccionáveis internacionalmente e que aumentem a competitividade. A taxa de câmbio real [preço relativo dos bens entre países] tem sido favorável a países como a Alemanha, onde os salários subiram menos que a produtividade e em resultado os custos unitários desceram. Em Portugal os custos unitários têm subido devido à fraca produtividade.
Mediante as ideias explanadas sobre a teoria keynesiana e a sua aplicabilidade na resolução dos problemas da economia portuguesa, infere-se que a aludida teoria é praticamente inócua.

5. Como se explica o sucesso do keynesianismo nos últimos 70 anos?

Como explicar o sucesso do keynesianismo? No famoso debate realizado nos anos 30 do século XX, Keynes conseguiu uma melhor prestação diante do austríaco Hayek. Apesar dos argumentos de Hayek, baseados na racionalidade, na poupança para alavancar o investimento. Como explicar que praticamente todos os governos no mundo inteiro tenham-se transformado em redutos keynesianos? As respostas a estas interrogações não são difíceis.
O pensamento de Hayek não é popular, assente numa metodologia eminentemente individualista, centrada na tomada de decisão de cada agente económico [indivíduo ou empresa]. A economia depende não da vontade humana, mas da acção humana. O Estado não deve interferir no normal andamento da acção humana e deve focar-se na regulação e no garante do estado social e Incentivar os indivíduos a criarem riqueza como sustentabilidade das crescentes necessidades da actual população mundial.
O sucesso do keynesianismo está no seu apelo popular, no sentido de que “os mercados são perversos” e os Estados zelam pelo bem comum. Enquanto Hayek referia a prudência e os benefícios da poupança, Keynes dizia que era necessário gastar mais. O que a maioria dos políticos em todo o mundo sempre desejou ouvir, ainda mais referido por uma fonte científica. O Keynesianismo é baseado no privilégio do imediato, do consumo e dos gastos, e não na preocupação com o futuro, na poupança e nos aumentos de produtividade. Preconiza o culto da dívida e a sua dependência após décadas de “vício”. Venha mais um trago que bem poderá ser o último. A sociedade de consumo e da imprevidência é, afinal, o reverso da moeda de uma famosa expressão atribuída a Keynes: “no longo prazo, estaremos todos mortos”. Provavelmente esta frase foi proferida como a resposta a alguém que lhe perguntou: “E as dívidas quando serão pagas? Quando começamos a poupar?”. Keynes deve ter respondido para não se preocuparem, bebessem mais um trago para esquecer, que estavam para nascer as pessoas [gerações futuras] que pagariam a factura. Nós, os netos de 2011 estamos a ser chamados a pagar as dívidas que os nossos avôs e pais fizeram ao longo de sete décadas. A dívida pública é um cheque pré-datado sobre as gerações vindouras. Os jovens pagam e não vão ter reformaNo entanto, o keynesianismo recomenda que passamos para as gerações futuras. Mas é impossível fazê-lo ad eterno, os Estados um dia entram em incumprimento e deixam de ter quem lhes sirva mais um trago. Este “jogo” tem um final trágico e Portugal e a Grécia infelizmente já estão a provar do seu amargo sabor.

Em Portugal, falta dinheiro e sobra dívida. O endividamento é proibitivo. Temos que realocar os recursos financeiros existentes para investimentos reprodutivos. Se olharmos para o peso do consumo e das importações veremos que algo está errado. Somos uma sociedade pautada pelo “Ter” em vez do “Ser”.
Todos somos keynesianos, quando se fala de mais e melhor estado social, mas quando não há dinheiro, todos os fundos devem ser canalizados para o investimento, que trará crescimento económico para sustentar novamente o estado social. Todos devem fazer um esforço, todos devem ser solidários.
Neste momento atravessamos uma séria crise financeira e desconhecem-se as suas consequências. Mas mais grave seria uma população que padecesse de uma doença grave. Os portugueses não estão doentes! Por hipótese se 90% da população tivesse uma doença crónica, sem cura e a qual impedisse as pessoas de trabalhar, aí sim estaríamos perante um verdadeira crise. Temos que dar oportunidade aos mais novos, aos jovens desempregados, a todos os desempregados para ajudarem na construção de um Portugal mais forte. Por isso há que enfrentar o futuro com optimismo…

No último período de crescimento económico sustentado, no final do séc. XX a dívida pública era inferior a 50% e o Estado resolveu reforçar o crescimento, através do aumento dos Gastos Públicos. Foram injectadas vitaminas numa economia saudável [as doses todas!]. Uma política desnecessária, uma política pró-cíclica, tendência dos governos, quer por calendário eleitoral, quer por puro populismo. É a doutrina plasmada na teoria keynesiana vista aos olhos de quem nos governa. O correcto seria utilizar esse período de crescimento para poupar e desalavancar a dívida. Hoje, ante recessões económicas e restrições ao crédito por parte dos mercados financeiros, era preciso tomar medidas anti-cíclicas. Hoje seriam precisas essas vitaminas para erguer uma economia agonizada, mas foram gastas numa economia saudável. É um irónico e surreal paradoxo.

Quando emprestamos dinheiro a alguém, não nos certificamos da sua capacidade de pagamento? E emprestamos várias vezes. E se essa pessoa nos pedir pela 8ª vez e não tiver qualquer capacidade para honrar os seus compromissos, emprestamos? Concedamos um empréstimo condicionado: Não há café, não há tabaco, não há férias, não há jantares fora, mas mantemos todas as suas capacidades para trabalhar e poder honrar os seus compromissos?
Os trabalhadores de hoje, provavelmente, irão receber, daqui por 20 anos, menos 50% da pensão que hoje os seus pais e avós reformados auferem por inteiro [pagas pelos aludidos trabalhadores]. As dívidas são para gerir e endossar aos filhos? Se forem bem geridas…

6. O capitalismo chinês e as economias emergentes não dão tréguas ao ocidente.
Os países emergentes, com a china à cabeça não dão tréguas às economias desenvolvidas. A economia chinesa baseada no capitalismo selvagem, onde a palavra democracia não existe, não pára de crescer e fazer frente ao ocidente. Mas as multinacionais ocidentais deslocaram as unidades industriais para a China e beneficiam e estimulam esse capitalismo sórdido e desumano [mas os trabalhadores rurais, em busca de melhores remunerações, trocam o trabalho no campo, pelos empregos na indústria. Elevam a sua qualidade de vida? Não sei]. Nós ocidentais, que consumimos produtos chineses ou fabricados na China pelas multinacionais ocidentais, pelo seu preço mais acessível, estamos também a incentivar essa forma de trabalho.
Ontem, dia 22, a Three Gorges, empresa chinesa, comprou 21.35% da EDP por 2.69 mil milhões de euros [preço de 3.445 euros por acção, 40% acima da cotação de mercado]. A empresa chinesa refere que tem 8 mil milhões de euros para investir, nomeadamente na área das energias renováveis. A venda dá para reduzir a dívida pública em 1.5 pontos percentuais.
O ocidente quer manter o seu status quo. O ocidental quer ir de férias para a Tailândia, para a indonésia, para a Índia e beber o seu café, servido por um autóctone tailandês, num insuflável no meio de uma piscina de hotel.
Mas, a partir de agora para continuar a beneficiar desse estilo de vida tem que trabalhar e esforçar-se, porque existem quase 3 mil milhões de pessoas nos países emergentes disponíveis para trabalhar por determinados salários e regalias sociais diferentes dos países desenvolvidos. Se o ocidente mantiver a mesma postura, daqui por 30 anos veremos muitas esplanadas espalhadas por essas capitais europeias repletas de chineses e tailandeses a serem servidos por nativos europeus.  
Só existem direitos adquiridos se existir economia para os sustentar. Os direitos adquiridos são para sustentar a dignidade humana, são para manter o estado social [na verdadeira acepção de estado social]. Tudo que ultrapasse a razoabilidade social tem que ser alvo de uma análise criteriosa do dinheiro existente e da justa repartição da riqueza. Os únicos direitos que existem são o direito à vida, à liberdade, o direito de ser respeitado, à liberdade de expressão, os direitos consagrados numa democracia plural. E como existem direitos, também existem obrigações e deveres na mesma proporção. A obrigação de não atentar contra a vida de outrem, o dever de respeitar o próximo, a obrigação de respeitar a liberdade. Os direitos adquiridos não estão consagrados numa democracia. Para eles existirem tem que alguém pagar para eles. Se o bolo vai diminuir em 2012, se existe alguém que quer manter a sua fatia, outros verão a sua ser diminuída. Se Portugal tivesse uma dívida de 50% e um défice de 2% estaria com os juros pressionados em alta? Não. Poderia manter regalias sociais e deveria guardar dinheiro para eventualidades. Poderia criar os alicerces para um crescimento salutar, sustentável, como faz qualquer empresa estruturada. Neste momento tem que sanear as contas para depois voltar a crescer.

O PIB a nível mundial aumenta a cada ano que passa, salvo raras excepções, a um ritmo de crescimento médio anual de 3%. Mas a fatia que cabe à Europa e aos países desenvolvidos é cada vez menor, enquanto que a fatia dos países emergentes vai aumentando.

7. O Índice de Percepção de Corrupção, o Índice de Desenvolvimento Humano e o Índice de Gini. Factores que diferenciam as economias periféricas e as economias do norte da Europa.
  
O Índice de percepção de corrupção (IPC) de Portugal é dos mais elevados da União Europeia e é, na maior parte dos países, inversamente proporcional ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Perante esta evidência, de correlação negativa entre corrupção e desenvolvimento humano, um eficaz combate à corrupção tem que passar pela prevenção. A prevenção é o melhor combate. Temos que melhorar a educação, a saúde, a redistribuição da riqueza e a justiça.
O índice de Gini que mede a desigualdade na redistribuição do rendimento é em Portugal de 0.36, muito aquém dos 0.25 dos países escandinavos, da Alemanha, da Holanda, da Áustria. Uma melhoria na redistribuição do rendimento, eventualmente diminuiria a corrupção. O elevado índice de Gini em Portugal, quando comparado com os países da Europa setentrional, deve-se a disparidades salariais. O PIB na óptica do rendimento é composto pelos salários, juros, rendas e lucros. Os salários são rendimentos do trabalho e as rendas, juros e lucros são rendimentos do capital. Poderemos dizer que os rendimentos do capital são trabalho acumulado, porque alguém trabalhou, ganhou e poupou dinheiro que depois foi alocado a imóveis, empresas e poupanças.

Em Portugal, os salários em termos brutos [incluindo os impostos sobre os rendimentos do trabalho, o pagamento da segurança social e da taxa social única paga pela empresa] correspondem a 50% do PIB, valor semelhante aos países mais desenvolvidos da Europa. As rendas são tributadas a 21.5% [mas tem que se ter em conta o escalão do IRS de quem aufere esse rendimento], os juros pagam um imposto de 21.5% e os lucros são tributados à taxa de IRC de 25% e quando distribuídos na forma de dividendos são taxados a 21.5%, no total os dividendos pagam um imposto acumulado de 41.125%. A taxa liberatória de 21.5% irá passar para 25% no próximo ano. Na Europa não existem salários e pensões 6 vezes superiores para camadas de trabalhadores e pensionistas que não diferem 6 vezes em termos de desempenho. Temos 1 milhão de trabalhadores a ganharem o salário mínimo e 1 milhão de trabalhadores a ganharem 3000 euros. Esta desigualdade é defendida por interesses corporativos. A Holanda tem um excedente comercial de 8%. A Bélgica, a Áustria e a Eslováquia de 0%. A Finlândia de 2%. Países que rodeiam a Alemanha e que representam quase 45% do PIB da zona euro têm excedente comercial. Os países periféricos (Itália, Portugal, Espanha e Grécia) têm défices elevados. A França [-2,7%], o Reino Unido [-6%] e os EUA [-4,5%] não são excepção.
A maior parte dos países desenvolvidos têm dívidas públicas significativas. Por analogia fisiológica, elevados níveis de LDL [lipoproteína de baixa densidade, “mau colesterol”] que prejudicam o crescimento económico. A Alemanha, com uma dívida pública de 80% não é excepção, mas tem um nível elevado de HDL [lipoproteína de alta densidade, “bom colesterol”] caracterizado pelo excedente comercial de 6% e a Irlanda de 25%, que limpam e retiram o LDL do sistema financeiro, criando condições para um crescimento económico saudável. Os EUA, com um elevado défice comercial, têm uma proxy para o HDL, a fidúcia na economia e na moeda dos EUA. Enquanto o USD for a moeda de referência mundial, as commodites e os negócios serão efectuados em USD (86% do comércio internacional).

8. O conflito entre britânicos e europeus do continente. Os ilhéus e os uniunistas.
No mundo ocidental está aberto um conflito entre dois sistemas financeiros: O anglo-saxónico, em declínio desde 2008 com a crise do subprime, caracterizado pela falha na regulação, investimentos de elevado risco e forte especulação. Responsável pela actual crise financeira. Um novo sistema, fortemente regulado e controlado de inspiração franco-alemã em emergência e que tem como objectivo substituir o sistema anglo-saxónico.
Este conflito, provavelmente, confunde-se com a própria crise do Euro e teve nesta cimeira o seu ponto alto com a ruptura entre o Reino Unido e o eixo franco-alemão-23 Países da UE. Curiosamente, no histórico discurso de Wiston Churchill, na Universidade de Zurique, um ano depois da capitulação alemã (1946), o primeiro-ministro inglês apelou à constituição dos “Estados Unidos da Europa” sob iniciativa do eixo franco-alemão.
A City londrina e os seus paraísos fiscais são responsáveis por uma verdadeira rede de especulação à escala global, protegida pelo direito europeu, ao mesmo tempo que dissimulam na sua actividade o endividamento da economia e da sociedade britânicas. Dos cerca de 80 paraísos fiscais a nível mundial, cerca de metade são ilhas, das quais uma grande parte são terras de sua majestade [o chefe de Estado é a Rainha Isabel II]. Os bancos sediados em OffShores que hoje especulam sobre a dívida dos estados soberanos, cujos ingleses são um dos rostos, que gozam de especiais privilégios na City e nos ilhéus. Mas, é preciso relembrar que muitos países, como Portugal e a Grécia, têm dívidas públicas e privadas que não foram causadas pela intervenção destes bancos, nem pela notação de crédito das supramencionadas agências de rating [é provável que o rating de AA atribuído à dívida pública portuguesa não estivesse correcto, porque se percepcionava uma União Europeia mais integrada do que ela é realmente hoje]. Portugal deve fazer um acto de contrição, porque foram décadas de vivência acima da média, descontrolo das contas públicas, desenfreado consumo e endividamento externo que levaram à notação de BBB, na fronteira de junk bonds, títulos especulativos, que perderam o estatuto de investimento e a fuga dos investidores institucionais estáveis.

Pela bolsa Londres passam a maior parte dos negócios financeiros na Europa. É líder na negociação de obrigações europeias, de divisas [1/3 desse mercado passa pela City, uma soma superior às transacções dos Estados Unidos e Japão juntos]. Por Londres passam capitais árabes. Está em segundo lugar, depois de Wall Street, no movimento bolsista mundial (17%) e na gestão de fundos (11% do montante global). Três mercados de derivados importantes, a NYSE Liffe, o London Metal Exchange (líder nos metais não ferrosos) e o ICE Futures Europe. A city de Londres contribui com 10% do PIB britânico. Cerca de 50% das trocas comerciais do Reino Unido são com a Zona Euro. A indústria representa apenas 20% e com um peso bastante significativo da indústria petrolífera. Tem défices gémeos. Um défice comercial de quase 7%. E um défice orçamental de 10%. O sector dos serviços representa quase 80% do PIB, com grande relevância para os serviços financeiros. A City de Londres espalha os seus tentáculos pelas maiores offshores [Belize, BVI, Jersey, Caimão são dos maiores paraísos fiscais. As ilhas Caimão têm 1.7 biliões de USD em depósitos, 3% do PIB mundial] do mundo. David Cameron lutou herculeamente pela manutenção da sua indústria. Eis a justificação do Reino unido, na cimeira, ter batido com a porta…
Paulo Monteiro Rosa, economista, 23 de Dezembro de 2011

Publicado na ATM / Analistas Mercados Capitais
http://www.associacaodeinvestidores.com/index.php/artigos-e-teses/63-artigos/195-a-cimeira-europeia-de-9-de-dezembro-conflito-entre-a-teoria-keynesiana-e-a-escola-austriaca

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

As privatizações e os bens públicos puros

1. Privatizações a preços de saldo. Imperativo da tróica…
O processo de privatizações em curso é pautado por uma conjuntura bastante desfavorável dos mercados financeiros. As cotações da EDP estão aos níveis de 2003. A REN está em mínimos históricos. Este não é o timing certo para privatizações, mas face às circunstâncias que Portugal vive e ao imperativo do acordo com a tróica, não havia alternativa…

No passado mês de Julho o Estado português, através da Parpública, ofereceu 20.9% da EDP à RWE, eléctrica alemã, na qual o Estado germânico tem uma participação. Mas o negócio não passou de um processo de intenções, sem qualquer vinculação. Se a RWE comprasse alguma participação, o Estado alemão seria indirectamente accionista da eléctrica portuguesa, enquanto o Estado português irá ficar com uma participação residual de 4.1%. Neste momento é a empresa de energia alemã, E.ON, que está na corrida pela compra de 20.9% da EDP, a par da China Three Gorges, e das brasileiras Eletrobras e Cemig que confirmaram o seu interesse em tornar-se o maior accionista da eléctrica portuguesa. O valor de venda da participação deverá render cerca de 2 mil milhões de euros [1,2% PIB].

A economia portuguesa consome mais 10% do que aquilo que produz, tem um elevado défice público, uma dívida pública de 100% do PIB e um significativo endividamento externo. Não conseguia endividar-se nos mercados internacionais e teve que ser resgatada pelo BCE, União Europeia e FMI. Neste momento são os objectivos do memorando assinado com a Tróica que regem algumas das decisões económicas, o qual prevê uma série de privatizações. 

Portugal tem que pagar com propriedades aos seus credores – alemães, franceses, ingleses e escandinavos. Porém, propriedades no Algarve estão fora de questão porque os países setentrionais da Zona Euro ficaram decepcionados com o imobiliário espanhol. Nos últimos meses empresas germânicas têm entrado no capital de empresas gregas.

Há muitos problemas que se levantam com as privatizações em certos sectores. Se a TAP for comprada pela Ibéria, será que ela vai olhar da mesma maneira para os 5 milhões de portugueses espalhados pelo mundo? Nos CTT, é preciso assegurar o serviço público. A correspondência para a aldeia recôndita da serra do Marão, onde vivem 10 pessoas não pode ser posta em causa… 

A privatização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) foi equacionada, por alguns quadrantes da sociedade portuguesa, há algum tempo atrás. Faz sentido existir um banco público? Para injectar dinheiro e nacionalizar bancos como aconteceu em 2008, não é preciso um banco público. Após a nacionalização do BPN e a injecção de dinheiro neste banco por parte da CGD, o banco público ficou descapitalizado e teve que recorrer a aumentos de capital. O seu único accionista, o Estado, teve que injectar liquidez que pediu ao contribuinte através do aumento da carga fiscal. Mas o Estado é uma entidade abstracta representada por todos os contribuintes que são os “reais accionistas” dos bancos públicos. O Estado como representante de um país soberano tem a capacidade de cobrar impostos. O objectivo é melhorar a redistribuição do rendimento e o bem-estar de cada contribuinte – leia-se cidadão. Não existe nenhum cidadão português que não seja contribuinte, basta comprar um pão que já paga um cêntimo de IVA.  
Se não existisse a CGD, o Estado nacionalizaria o BPN e pediria directamente o dinheiro ao contribuinte. Existe a vantagem de ter como braço direito do Estado um banco público, para alavancar projectos públicos que sejam fundamentais para o desenvolvimento do país. Mas os custos de agência, calendários eleitorais, gastos dinheiro em projectos com o custo-benefício desfavorável para o país, uma menor eficiência na gestão e maior promiscuidade dos dinheiros públicos com negócios privados ruinosos serão desvantagens. Muitos países da Europa e do mundo têm bancos públicos, a Alemanha tem mais de 12 bancos públicos regionais.

O Governo prevê, em 2012, privatizar a Galp, REN, EDP, RTP1, TAP, a ANA, a CP Carga e os CTT, refere o relatório do Orçamento do Estado (OE) para 2012 e que aponta mesmo como prioridade a liberalização do sector postal. Na Galp, o Estado detém 7% através da Parpública e 1% através da Caixa Geral de Depósitos. Na REN, o Estado detém 51% do capital e vai vender 40%, ficando com uma posição de 11%. Na EDP vai alienar 20,9% de uma participação total de 25%. O Canal RTP1 será também alvo de privatização em 2012. O total que se pretende amealhar não chega a 4% do PIB. O abate à dívida pública é quase insignificante.

2. Bens públicos puros e os bens privados. O seu enquadramento nas privatizações em curso.  
                  
Os bens públicos são caracterizados como bens cujo consumo por parte de um indivíduo não prejudica o consumo dos demais indivíduos (consumo indivisível ou não-rival), pois todos beneficiam da produção. Uma vez produzidos, os bens públicos irão beneficiar a todos os indivíduos, independentemente da participação de cada um no rateio dos custos.
Outra característica é o facto de ser praticamente impossível impedir que um indivíduo desfrute de um bem público, princípio da não-exclusão. Se o Estado melhora a iluminação de determinada via pública, todos os indivíduos que utilizarem esta via serão beneficiados, e não há possibilidade de distinção entre estes indivíduos. Essa característica dificulta o rateio dos custos de produção dos bens públicos entre a população, pois não há como mensurar a quantidade de benefício de cada indivíduo.

As diferenças entre bens públicos puros e bens privados [bens de mercado] estão cristalizadas no benefício que um indivíduo obtém no consumo de um bem, na rivalidade no consumo do bem e se existe ou não a possibilidade de exclusão de uma pessoa do seu consumo.
Estamos perante um bem privado se o benefício puder ser individualizado. Se há rivalidade no consumo [quando o consumo reduz a quantidade disponível para as outras pessoas]. Se é excludente [se não pagar, não consome]. É o caso do combustível da Galp. O benefício do seu uso é individualizado. Existe rivalidade no consumo, porque ao colocarmos gasolina na viatura a quantidade disponível de combustível no mercado diminui. Existe exclusão no consumo, porque se não pagarmos a gasolina, não podemos abastecer o depósito do carro.
Num bem público puro, o benefício do seu uso é estendido a todos os indivíduos que estão a ver a RTP1, não se consegue privar um terceiro do seu usufruto. Não há rivalidade [ver todo o dia o canal RTP1 não implica indisponibilizá-lo para outras pessoas]. Ninguém pode ser excluído, mesmo quem não paga a taxa áudio-visual, pode ver a RTP1.

Os bens meritórios [semi-públicos ou bens de clube], caracterizados pela sua posição intermédia entre os bens públicos e os bens privados, podem ser fornecidos pela iniciativa privada porque estamos perante o princípio da exclusão [há lugar a um pagamento]. Mas também podem ser produzidos, total ou parcialmente, pelo sector público, devido aos benefícios sociais e às externalidades positivas geradas. Um exemplo de um bem meritório é a educação. Se for fornecida pelo sector privado é inacessível para a população de menores recursos financeiros. A intervenção pública é necessária, tornando a educação gratuita ou subsidiada, sendo os seus custos de financiamento obtidos através dos impostos. A educação é um bem semi-público porque se pode excluir um indivíduo que não pagar. No entanto não existe rivalidade no consumo, porque um professor pode dar a aula a um aluno, a uma turma de 20 alunos ou via televisão para 1000 alunos que o consumo de um aluno não reduzirá a quantidade disponível para os outros alunos.
A saúde é um bem privado, porque a consulta médica [ou outros cuidados de saúde] é individualizada. O médico não pode ao mesmo tempo estar a consultar outro doente [existe rivalidade no consumo, a quantidade disponível para outros doentes é reduzida]. Há exclusão porque o acto médico tem que ser pago. Mas a saúde tem características de um bem meritório devido às externalidades positivas que existem como na educação [Uma população mais saudável e com níveis educacionais elevados, propiciará ao país capital humano para impulsionar o crescimento económico. O Índice de Desenvolvimento Humano aferirá isso mesmo]. A justiça é um bem público puro por natureza e a par da educação e da saúde são os 3 pilares fundamentais do progresso sustentável de uma sociedade.   
3. O bem-estar social e o óptimo de Pareto. Intervenção Estatal para garantir serviço público.
Um bem público puro nunca será produzido pelo sector privado se for impossível obter lucros, apesar dos benefícios gerados para a sociedade. Na teoria do bem-estar social, em determinadas condições, os mercados competitivos geram uma alocação de recursos. Quando não for mais possível que a realocação dos recursos gere um aumento do grau de satisfação de um indivíduo sem degradar a situação de outro indivíduo, ocorre o denominado “óptimo de Pareto” - não há como melhorar o bem-estar de uma pessoa sem prejudicar o bem-estar de pelo menos um outro indivíduo. A população estará satisfeita de acordo com o bem-estar mais elevado que é possível (óptimo de Pareto) e não um óptimo utópico, uma satisfação plena.
Porém, existem “falhas de mercado”, que impedem que o “óptimo de Pareto” seja alcançado, tais como a existência de bens públicos e a ausência de concorrência [monopólios naturais]. O Estado será chamado a intervir para suprir o mercado dos bens e serviços que o sector privado não quer produzir.

Os monopólios naturais ocorrem em determinados sectores da economia quando o processo produtivo requer avultados custos de investimento iniciais. Os retornos são crescentes e à escala e só acontecem anos mais tarde, à medida que a produção aumenta e o custo unitário diminui [são produtos caracterizados por fortes economias de escala]. É mais vantajoso que exista uma empresa produzindo grandes quantidades, do que várias empresas produzindo pouco e com custos de produção mais altos que as receitas, inviabilizando a existência destas.

A intervenção do Estado, quando ocorre um monopólio natural, pode acontecer de duas formas: através da regulação ou através da produção do bem. Na regulação, procura-se evitar que ocorram preços abusivos, pois acarretaria uma perda de bem-estar para a sociedade. Por outro lado, quando o Estado se torna responsável pela produção do bem ou serviço, necessita manter a qualidade do produto e acompanhar os avanços tecnológicos do sector. Essa forma de intervenção está enfraquecida, em virtude dos processos de privatizações.
4. No Estado: As despesas de Investimento diminuem e as despesas sociais aumentam.
Quando a despesa do Estado, na década de 70 e 80, era de 20%, 30% do PIB, o Estado tinha dinheiro para construir grandes empresas e fazer obras públicas, porque as despesas de investimento contempladas no orçamento do Estado eram cerca de 30%, 40% do total do orçamento. Hoje em dia, o peso das despesas de investimento nos orçamentos do Estado é residual [5% ou menos].  Quando o Estado tinha uma dívida pública e uma despesa orçamental de 20% do PIB tinha capacidade para fazer grandes investimentos, constituir grandes empresas [Galp, EDP, CTT, ANA, Televisão, TAP - empresas caracterizadas pelo fornecimento de bens e serviços típicos de monopólios naturais] que o sector privado não conseguia. Nos últimos tempos o Estado precisa de recorrer ao sector privado, nomeadamente à banca, para conseguir realizar grandes obras, como hospitais e auto-estradas através de parcerias público-privadas. E a despesa do Estado é de 50% do PIB! [Ver gráfico infra].
Como é possível um Estado com um peso de 50% na economia, não conseguir financiar os seus investimentos? O peso do Estado está actualmente concentrado em duas rubricas. Pensões de reforma e despesa social que representam 50% do orçamento e os salários que correspondem a 27%. Com o serviço da dívida temos 85% do orçamento, o remanescente é residual.
Estamos mais desenvolvidos? Sim, estamos. Mas também mais endividados. O sector privado gere melhor que o público? É corroborado pelo efeito crowding-out – quando o Estado por exemplo cobra mais impostos, passa riqueza do sector privado para o sector público, o ritmo de crescimento do PIB abranda e vice-versa, quando o Estado tem uma política orçamental expansionista é denominada de crowding-in. Mas temos hoje uma dívida de mais de 300% do PIB (100% pública, 115% das famílias e 120% das empresas), e o que conseguimos foi criar uma sociedade de consumo alavancada. Passamos a ter uma dívida pública de quase 100% do PIB, com um Estado sem margem de manobra para investir… 

 Paulo Monteiro Rosa, economista, 7 de Dezembro de 2011.

Publicado na ATM / Analistas Mercados Capitais
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