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sexta-feira, 31 de março de 2023

“Reverse Repo” aumentam, depósitos caem

 


Os populares fundos do mercado monetário nos EUA são uma alternativa de aforro interessante para os investidores que pretendam diversificar as suas disponibilidades de  tesouraria, mantendo uma elevada liquidez no curto prazo.

São vários os instrumentos elegíveis para investimento ao dispor dos fundos do mercado monetário, desde os certificados de depósito ao papel comercial, tendo as regras apertado desde a crise financeira de 2008, privilegiando-se a liquidez e a qualidade dos títulos investidos. Desde o final de 2013, a Reserva Federal dos EUA introduziu o mecanismo de recompra reversa (“reverse repo”), testando uma nova postura e novas formas de controlar as taxas de juro de curto prazo, alargando, deste modo, a base de investidores no mercado monetário, agora mais uma alternativa de investimento disponível para os fundos do mercado monetário.

Em vez de emprestarem aos bancos, os fundos do mercado monetário tiveram a partir de 2013 mais uma alternativa de investimento e uma oportunidade de fomentarem as suas relações com o banco central dos EUA. O balanço da Fed havia quadruplicado desde 2008 a 2013, em grande parte impulsionado pelo “Quantitative Easing”, detendo o banco central dos EUA cerca de 3,5 biliões de dólares em títulos da dívida pública e títulos garantidos por hipotecas em setembro de 2013, e os fundos do mercado monetário eram mais uma alternativa futura, aquando da regularização do balanço, para a compra desses títulos.

Entretanto, no atual  mês de março, marcado pela crise bancária, alguns investidores têm resgatado os seus depósitos dos bancos aparentemente mais vulneráveis, mas nem todo o dinheiro levantado é canalizado para os bancos mais robustos. Alguns agentes económicos, desde empresas e famílias, aproveitam os acordos de recompra reversa dos fundos do mercado monetário para guardarem o seu dinheiro no banco central dos EUA, um excelso porto seguro que paga atualmente um juro à volta de 4,80%, muito acima da remuneração dos depósitos bancários. Apesar de os fundos do mercado monetário não terem uma conta na Fed, uma “prerrogativa” reservada aos bancos e ao governo, eles emprestam dinheiro ao banco central dos EUA, através do “reverse repo” (RRP), utilizando uma conta bancária, ou seja, os depósitos dos bancos diminuem e os RRP no passivo do balanço da Fed aumentam.

A fidúcia é o principal bem a ser preservado por um banco, pelo sistema bancário. Por vezes o mínimo dano na reputação de um banco, ou do sistema bancário, mina a sua confiança. Uma crise bancária autoalimenta-se e um rumor de um problema de liquidez num banco pode em poucos dias redundar numa insolvência, ainda mais na atual era digital com a facilidade de transferência rápida de dinheiro. Um rácio de transformação de 50% (depósitos num banco são o dobro dos créditos concedidos) pode em poucos dias ser de 200% ou 300%, caso haja um significativo levantamento de depósitos e estes passem a ser metade ou um terço do montante de crédito concedido.

No intuito de mitigar a atual crise bancária, a Fed aumentou as reservas bancárias nas últimas semanas em cerca de 400 mil milhões de dólares, mas, entretanto, mais de metade desse dinheiro já regressou novamente ao banco central dos EUA através dos RRP (esterilizando parte desses montantes, se receios de inflação existissem). Além disso, um banco central pode criar e colocar junto dos bancos montantes avultados de dinheiro, mas se essas instituições de crédito não emprestaram essas novas reservas bancárias ao público (famílias e empresas), nenhum desse dinheiro chegará à economia, não impulsionando por esta via a inflação. Em suma, a Fed imprime dinheiro e empresta-o aos bancos, os clientes levantam e colocam-no junto do banco central dos EUA a render 4,80% (esta postura aumenta os encargos da Fed, diminuindo os lucros, reduzindo esta fonte de receita do governo dos EUA).

Entre março de 2020 e março do ano passado, os depósitos bancários nos EUA aumentaram de 13,5 biliões para 18,1 biliões de dólares, mas desde então já caíram mais de meio bilião de dólares, penalizados pela política restritiva da Fed. A atual conjuntura bancária tem acelerado essa diminuição. Entretanto a rubrica RRP no passivo do balanço da Fed aumentou de 200 mil  milhões de dólares em março de 2021 para o valor histórico de quase 2,7 biliões na semana passada. A 1 de abril de 2020, no cálculo do rácio de alavancagem suplementar de um banco (Capital Tier 1/Exposição total à alavancagem), a Fed permitiu a exclusão no denominador desse rácio, por um ano, dos títulos do Tesouro dos EUA e das reservas bancárias, possibilitando que os bancos, sem diminuir o rácio abaixo de 3%, fornecessem toda a liquidez necessária ao mercado de obrigações dos EUA, penalizado pela fragilidades financeiras ditadas pela pandemia. A partir de 1 de abril de 2021, os bancos viram-se inundados em reservas bancárias indesejadas, devolvendo-as gradualmente à Fed, aumentando os depósitos no banco central na forma de RRP.  

PMR In VE 29 de março 2023



Após crise bancária, recessão estará mais próxima?

 


À medida que a crise bancária diminui, cresce agora o receio de uma eventual recessão mais cedo do que indiciado pelo declive negativo da curva de rendimentos norte-americana.

Na tentativa de tranquilizar e estabilizar os mercados monetários e o sistema bancário, a Reserva Federal dos EUA (Fed) imprimiu na semana passada 440 mil milhões de dólares, montante refletido no aumento da rubrica “reservas bancárias “ no passivo do banco central dos EUA. Entretanto, o item das “reverse repos” do passivo do balanço da Fed diminuiu cerca de 140 mil milhões de dólares, tendo, assim, o ativo do banco central dos EUA aumentado 300 mil milhões de dólares. Contudo, foram empréstimos concedidos aos bancos e não compra de títulos da dívida pública ou títulos garantidos por hipotecas, não se tratando, deste modo, do início de um novo “quantitative easing”. A Fed continua o seu processo de “quantitative tightening”. Esta significativa liquidez manteve calmo o importante mercado de empréstimos diários, o denominado mercado de "repos", principal “lubrificante da engrenagem monetária”, tendo a sua taxa de juro subjacente, a “overnight” dada pela SOFR, subido apenas ligeiramente de 4,55% para 4,58% e no 99º percentil de 4,62% para 4,72%, sempre dentro do intervalo das Fed Funds Rate de 4,50% a 4,75%.

Na Europa, também o Banco Nacional da Suíça alcançou no fim de semana passado uma importante fusão entre o UBS e o fragilizado Credit Suisse, afastando parte dos receios de uma crise bancária global. O franco suíço tem-se mantido estável nas últimas semanas, confirmando tranquilidade, apesar do desagrado de alguns investidores no que concerne à  inversão das prioridades na liquidação do Credit Suisse, tendo os acionistas sido beneficiados em detrimento da dívida subordinada, nomeadamente de capital Tier 1. No entanto, ainda persiste alguma ansiedade, corroborada pela alta dos “credit default swaps” do UBS, agora sob um maior escrutínio dos investidores, fruto da incorporação de alguns negócios problemáticos do Credit Suisse.    

Entretanto, parece que o cenário de recessão reaproximou-se novamente. Em janeiro as perspetivas de uma recessão tinham sido empurradas para final de 2023, meados de 2024. Contudo, na última semana o cenário central inverteu-se e as expectativas de uma recessão nos EUA são agora já para depois do verão, no 3° trimestre, conforme refletido pela antecipação de descida de taxas de juro pela Fed já em julho.   

O PIB dos EUA cresceu no 3º trimestre de 2022 impulsionado pelas contas externas, no 4º trimestre de 2022 pelo investimento, nomeadamente variação positiva dos stocks, agora está previsto um crescimento à volta de 3,2% do PIB no 1º trimestre de 2023, de acordo com o GDP Now da Fed de Atlanta, impulsionado pelo consumo. Todavia, os acontecimentos das últimas semanas podem penalizar substancialmente o consumo, sendo provável uma retração dos consumidores nos próximos meses, diminuindo o seu contributo para o crescimento já no 2º trimestre de 2023. Eventualmente, a inflação pode desacelerar mais rapidamente, indiciando recessão. Ou seja, um possível abrandamento mais visível da inflação nos próximos tempos vai deixar de ser visto como positivo (queda dos juros), mas como negativo, espelhando recessão. Sendo, talvez, os pedidos de subsídios de desempregos nos EUA, os denominados Jobless Claims, com alguma certeza, “o canário na mina de carvão.”

Existem várias razões que justificam os receios de uma recessão mais cedo do que o previsto anteriormente: 1) Os bancos regionais norte-americanos vão financiar menos a economia, quer pelas dificuldades apresentadas, quer pelo maior escrutínio das autoridades monetárias no futuro, empurrando a economia dos EUA para uma eventual recessão mais cedo do que o antecipado pelas curvas dos juros. 2) A crise bancária gera sempre uma crescente incerteza e redução do consumo. 3) As perspetivas para os juros dos bancos centrais têm diminuído substancialmente. 4) O diferencial entre os rendimentos a 10 anos e a 2 anos nos EUA diminuiu, sinalizando o início de uma recessão na maior parte das vezes quando o spread inverte novamente para terreno positivo. 5) Cotações do bitcoin e do ouro têm subido consideravelmente, apostando numa descida dos juros, antecipando e sinalizando mais uma vez uma possível recessão. Nota: escrito a 22 de março, antes da decisão da Fed


Recessões: curva de rendimentos indicia, curva do petróleo corrobora

 


A curva de rendimentos é importante para antecipar a evolução da economia. Habitualmente, no muito longo prazo as taxas de juro são menos voláteis, apresentando uma relativa constância, nomeadamente nos prazos superiores a 10 anos, sobretudo o rendimento do tesouro a 30 anos. Todavia, no início da curva, nos prazos mais curtos, a volatilidade é muito mais elevada, dependendo muito do ciclo económico, do risco existente, da incerteza, do nível de inflação e da evolução das taxas de juro. E se o rendimento a 2 anos do tesouro dos EUA mede as expetativas para a evolução das Fed Funds Rate, o rendimento a 3 meses marca o seu atual nível.

Atualmente, o declive negativo da curva de rendimentos do tesouro norte-americano indicia recessão económica. O diferencial entre o rendimento a 10 anos e 2 anos é negativo de 0,80%, ou seja, a taxa de juro de longo prazo a 2 anos é superior à de 10 anos, indicando maior incerteza económica e risco mais elevado nos próximos trimestres. Se a curva de rendimentos indicia uma recessão, a curva do petróleo com declive negativo continua  atualmente a corroborar crescimento económico, mas, no entanto, a sua inclinação negativa tem vindo gradualmente a diminuir nos últimos 12 meses. Uma curva do petróleo com declive negativo apresenta cotações do crude para entrega imediata superiores às dos prazos mais longos, ou seja, uma curva conhecida pela nomenclatura “backwardation”, muitas vezes devido à escassez de matéria-prima energética face à procura elevada. Nos últimos meses o declive negativo da curva do petróleo tem diminuído, indiciando uma menor procura e receios de recessão, mas a OPEP+ tem-se esforçado para manter as cotações elevadas, diminuindo também a oferta. Entretanto, se a procura continuar a cair, os preços para entrega imediata poderão descer abaixo das cotações dos prazos mais longos, culminando num declive positivo da curva de petróleo, ou seja, excesso de oferta de petróleo para a procura existente e gradualmente menor, conhecido como fenómeno “contango”, corroborando uma recessão económica indiciada, atualmente, pela curva de rendimentos. 

Uma curva do petróleo em “contango” nem sempre coincide com uma recessão, mas um “contango” precedido de uma curva de rendimentos com declive negativo é quase sempre sinónimo de recessão, de que esta chegou e já se instalou. 

Há outra relação importante entre curvas de rendimento e curvas do petróleo. Ao contrário dos investidores, o custo de armazenamento de petróleo para os produtores é muito baixo (apenas os custos fixos da produção). Os produtores “podem armazenar o petróleo debaixo do solo se for mais rentável do que vendê-lo e aplicar o dinheiro noutros ativos financeiros. Uma curva de rendimentos invertida significa que o mercado prefere ativos de curto prazo, que pagam muito mais, em vez de ativos de longo prazo. Se considerarmos o petróleo e os outros minerais como ativos de curto prazo, perante uma curva de rendimentos com declive negativo é preferível manter os minerais no solo. Além disso, uma curva invertida indicia recessão, menor procura, mais uma razão para os produtores diminuírem a sua produção e a sua oferta. O comportamento pode impulsionar a cotação do petróleo e outros minerais, caso a procura não se deteriore consideravelmente. Este é um dos principais fatores por detrás da elevada volatilidade da cotação do petróleo e das matérias-primas. 

PMR In VE 24 de fevereiro 2023



Contas nacionais: PIB e inflação em Portugal

 

                                   

O crescimento do PIB português em 2022 foi em grande medida alicerçado pelo consumo privado, permanecendo o consumidor nacional resiliente nos primeiros nove meses à medida que os preços foram subindo e as famílias suportando a inflação mais elevada. A melhoria das exportações, em parte impulsionadas pelo crescentes números do turismo em Portugal, também suportaram o crescimento da economia nacional em 2022. No entanto, no último trimestre do ano passado o consumo privado retraiu-se, tendo o investimento melhorado ligeiramente, depois de cair durante os primeiros três trimestres do ano, contribuindo para o crescimento do PIB no quarto trimestre. Entretanto, as exportações continuaram a mostrar resiliência no quarto trimestre, registando um aumento em todos os trimestres do ano passado, sobretudo baseadas no setor do turismo, mas as importações também cresceram, em grande medida devido à deterioração dos termos de troca, impulsionadas pelas preços mais elevados dos preços dos combustíveis. No entanto, houve uma ligeira melhoria no último trimestre, ou seja, uma queda das importações nos últimos três meses do ano relativamente ao terceiro trimestre, refletindo as sucessivas quedas dos preços do petróleo e do gás natural nos últimos meses de 2022. Em suma, no último trimestre do ano passado o crescimento do PIB foi em grande medida suportado pelo investimento e pelo turismo, mas a alta dos juros penaliza gradualmente o rendimento disponível, e, consequentemente, o consumo privado, sendo a principal a ameaça ao crescimento económico em 2023.

A rápida subida das taxas de juro tem deteriorado cada vez mais o rendimento disponível das famílias, penalizando o consumo privado. Os bancos centrais tentam com a alta dos juros travar a inflação, não só diminuindo a procura, mas também incentivando a poupança. No quarto trimestre do ano passado, os certificados de aforro já apresentaram rentabilidades à volta dos 3% e alguns bancos já ofereceram taxas de juros capazes de cativar novos depósitos, estimulando a poupança, abrandando deste modo o consumo, sobretudo de bens duradouros.

A contínua recuperação das contas externas não foram apenas resultado do aumento das exportações, mas também fruto da descida das importações. E se as importações diminuíram devido à deterioração do rendimento disponível e ao incentivo à poupança, as exportações de serviços melhoram, em grande medida, devido ao incremento do turismo. Portugal é geograficamente um país periférico na Europa, bem afastado do atual cenário de guerra na Ucrânia. O crescimento do turismo português no ano passado, um dos setores mais importantes da economia nacional, poderá ter sido beneficiado pelo nosso afastamento geográfico da guerra na Ucrânia, sendo Portugal uma cabal alternativa ao turismo no leste europeu.

Entretanto, apesar da descida dos preços da energia, contribuindo para uma desaceleração da inflação em Portugal, o aumento do índice de preços no consumidor tem-se generalizado e a ameaça tornar-se cada vez mais persistente. À medida que há um restabelecimento nas cadeias de abastecimento, uma melhoria do lado da oferta, e os preços da energia caem, a inflação elevada estará cada vez mais dependente da procura. Haverá uma eventual espiral salários/inflação a alimentar o atual nível elevado de preços? Se não são atualmente os salários que estão a impulsionar os preços, serão, com certeza, os juros, rendas e lucros (calculando o PIB na ótica do rendimento). Em boa verdade, o PIB nominal português cresceu 11,5% no ano passado, cerca de 25 mil milhões de euros, existindo deste modo mais dinheiro na economia. Na realidade, “inflação alimenta inflação” e há talvez quem deseje que a alta dos preços se mantenha por mais alguns trimestres para “endireitar as suas contas enfraquecidas na última década… 

A inflação na Europa, incluindo Portugal, inicialmente impulsionada pelo lado da oferta, sobretudo devido à alta dos preços da energia, acelerou com a invasão russa da Ucrânia. À medida que os preços a montante da cadeia de valor (matérias-primas industriais e energéticas, e produtos agrícolas), aumentavam depois da pandemia, a inflação foi-se generalizando a toda a economia. Hoje está gradualmente mais focada nos serviços e no final da cadeia produtiva, a jusante, corroborando uma inflação subjacente cada vez mais elevada. Entretanto, a inflação em Espanha e em França em fevereiro sinalizam uma crescente preocupação de uma inflação mais persistente na Europa, incluindo Portugal, indiciando também uma contínua alta dos juro pelo BCE, ameaçando o crescimento económico nos próximos semestres. Se a Europa conseguiu evitar uma recessão económica no inverno, menos rigoroso e que afastou os receios da escassez de gás natural, esta atual inflação elevada e persistente renova os receios de uma eventual recessão nos próximos tempos, resultante de uma alta das taxas de juro pelo BCE mais enérgica e mais duradoura do que anteriormente antecipada.

PMR In VE 1 de março 



Reabertura chinesa pode agravar inflação global?

 


Perante uma inflação persistentemente elevada nas economias avançadas, nomeadamente nos EUA e na união Europeia, a reabertura da economia chinesa aumenta ainda mais os receios de uma resistência acrescida da inflação em níveis consideravelmente altos. A inflação subjacente na Europa regista consecutivamente máximos históricos, impulsionada pelas expectativas de inflação cada vez mais desancoradas, fixando-se em valores muito acima da meta de estabilidade de preços do BCE nos 2%. Mas é possível que a reabertura da economia chinesa e consequente aumento da procura global agrave ainda mais este cenário? Na realidade, o governo chinês estima para 2023 um crescimento económico à volta de 5%, aquém do esperado pelos investidores e analistas de 5,5% ou mais. De acordo com a postura de Xi Jinping, a economia chinesa deverá ser cada vez mais impulsionada pelo consumo interno e menos pelas exportações. A prioridade de crescimento de Pequim mais centrada no consumo, pesando apenas 38% no PIB, muito aquém dos 70% das economias avançadas. O líder chinês procura uma maior autossuficiência e prosperidade mais ampla, apostando num crescimento económico mais alicerçado na procura interna, sobretudo no consumo privado. Depois de um crescimento de apenas 3% em 2022, o segundo mais baixo dos últimos 50 anos, apenas o crescimento do 2,2% em 2020 foi mais fraco, os analistas esperavam um crescimento mais robusto em 2023, em resultado da reabertura. No gráfico podemos observar o gradual abrandamento do crescimento do PIB desde 2007, uma tendência de queda que promete continuar nos próximos tempos, diminuindo a preocupação de uma economia chinesa inflacionista para o resto do mundo. Ao fraco crescimento do PIB chinês em 2020, imposto pela pandemia, a economia regressou em força em 2021, existindo uma reversão quase perfeita espelhada nos círculos 1 e 2, um dos fatores na génese da atual inflação. Todavia, o crescimento esperado de apenas 5% em 2023 não perspetiva uma reversão do círculo 3 para o círculo 4, afastando receios inflacionistas. Também a folga no mercado de trabalho chinês, dada pela taxa de desemprego de 5,5%, é uma variável mais deflacionista que inflacionista.

Uma recuperação da economia chinesa mais focada internamente dificilmente deverá elevar substancialmente o renminbi, reduzindo as probabilidades de aumento dos preços de exportação, evitando impulsionar, desse modo, os preços nas geografias importadoras de bens chineses. É mais provável que a recuperação da China impulsione o turismo regional, mas não o aumento dos preços de exportação dos seus produtos manufaturados.

Também nos mercados de commodities, onde a China é um dos principais price makers, determinando, a par de outros grandes blocos económicos como os EUA e a União Europeia, os preços de muitos metais industriais e dos combustíveis fósseis, parece improvável ​​novos ganhos acentuados dos preços das matérias-primas devido à reabertura. Os mercados de metais terão talvez já descontado em parte a reabertura.

Os habituais gastos da China em infraestruturas, basicamente estradas, pontes, portos e aeroportos, deverão desacelerar, afastando pressão sobre os preços das commodities. Novos gastos em infraestrutura, sobretudo em tecnologia, serão cada vez mais uma prioridade, sendo menos intensivos em commodities em estado bruto. No concerne ao petróleo, a seguir aos EUA, a China é o segundo maior consumidor do mundo. No entanto, a China deve ter beneficiado das importações mais baratas de petróleo russo no último ano, tendo aumentado, provavelmente, o seu stock de petróleo, não sendo agora talvez uma fonte de considerável procura e impulso do preço do petróleo e, por conseguinte, da inflação. As cadeias de suprimentos chinesas estão a funcionar melhor, ajudando a aliviar as pressões sobre os preços, sendo a produção de carne suína um cabal exemplo, que após atingir uma alta de oito anos em 2022, os preços caíram 10,8% em janeiro. Em suma, os preços nas fábricas estão a cair, perspetivando-se um cenário "Goldilocks" na China de crescimento económico sem inflação.

PMR In VE 8 março 2023







sexta-feira, 17 de março de 2023

Bitcoin resiliente na atual conjuntura bancária

 



Depois do encerramento do Silicon Valley Bank (SVB) e do Signature Bank nos EUA, na Europa, o segundo maior banco da Suíça, o Credit Suisse, perdeu cerca de um quarto do seu valor em bolsa na quarta-feira, arrastando novamente todo o setor bancário global, nomeadamente europeu e norte-americano. Enquanto isso, a bitcoin valoriza cerca de 25% desde o colapso do SBV, mantendo-se nesta quarta-feira resiliente diante do contexto adverso em toda a banca europeia, após o maior acionista do Credit Suisse, o banco da Arábia Saudita, Saudi National Bank, detendo 9,9% do banco suíço, referir que não fornecerá mais ajuda financeira ao banco, alegando motivos regulatórios que limitam a sua exposição a 10%.

Nos últimos dias, os investidores procuram incansavelmente ativos de refúgios, distanciando-se dos títulos ligados ao setor bancário. O flight to quality nos mercados financeiros tem sido uma realidade desde quinta-feira, dia 9 de março, aquando dos primeiros sinais de dificuldades crescentes no SVB. A fuga para a qualidade dos ativos ocorre quando os investidores em conjunto começam a alterar a alocação de ativos de investimento mais arriscados para outros mais seguros, por exemplo, trocando ações por obrigações. As remunerações das obrigações dos tesouros europeu e norte-americano têm descido consideravelmente nos últimos dias, sinalizando uma valorização dos títulos de dívida pública, desempenhando o seu habitual papel de um dos melhores ativos de refúgio. Entretanto, o dólar norte-americano, talvez o melhor ativo de refúgio de curto prazo, quando os investidores têm como principal preocupação a liquidez, tem tido um comportamento errático, desvalorizando cerca de 2% contra o euro nos dias de colapso dos dois bancos norte-americanos, mas recuperando essa perda quando a crise bancária atravessou o Atlântico, alcançando a banca helvética, nomeadamente o Credit Suisse. Na quarta-feira, o franco suíço também esteve penalizado face ao dólar, mas ganhou quase 1% ao euro, sinalizando receios dos investidores quanto a um eventual contágio à banca da Zona Euro.     

Também o ouro tem sido um cabal porto seguro nos últimos dias, valorizando quase 120 dólares por onça desde o dia 9 de março, de uma cotação de 1810 dólares/onça até aos 1930 dólares. A descida das taxas de juro, sobretudo dos rendimentos do tesouro, a par do milenar atributo do ouro, como uma reserva valor de referência em momentos de forte incerteza, têm impulsionado o valor do metal amarelo.

Os índices acionistas têm registado perdas significativas nos últimos dias, especialmente o setor bancário. Entretanto, no atual contexto de desvalorização das ações, o setor tecnológico tem-se mantido relativamente estável, com perdas ligeiras, em parte devidas talvez às margins calls de carteira alavancadas (suportadas por crédito, ou seja, dinheiro emprestado) penalizadas pela significativa descida dos títulos da banca. Quando uma carteira suportada por empréstimo desvaloriza significativamente, por exemplo se tiver exposição a ações da banca, e caso o cliente não provisione a conta, todos os títulos em carteira são vendidos ao mercado, independentemente da classe de ativo ou setor. 

O setor tecnológico é muito sensível às taxas de juro e a procura dos investidores por duration é bem visível nos últimos dias. Assim sendo, este é um dos principais fatores que corrobora atualmente a resiliência da bitcoin, confirmando mais uma vez a principal criptomoeda global como um ativo tecnológico, sendo bastante sensível à evolução dos juros. Outro fator que não deve ser descartado, podendo justificar também a valorização da bitcoin, talvez seja a perceção dos investidores de um aparente descrédito no regime de reservas fracionárias subjacente ao atual sistema bancário. E no seio das principais criptomoedas, especificamente as de maior capitalização, são muito poucas as que valorizam nos últimos dias, sendo a bitcoin a que mais ganha, quase o dobro da valorização da Ethereum. A principal rival da bitcoin ganha cerca de 15% desde o colapso do SVB. Entretanto, no universo de 10 mil criptomoedas, apenas cerca de 100 valorizam desde quinta-feira, dia 9 de março.

Os mercados acionistas têm estado nervosos nos últimos dias, penalizados pelo setor bancário, mas, no entanto, o mercado de taxas de juro de muito curto prazo norte-americano mantém-se calmo. A overnight (taxa de juro diária) no mercado de repos do dólar reflete a serenidade de um dos principais instrumentos que lubrificam todo o sistema monetário, bancário e a economia em geral. Ou este indicador, que tem sido fiável nos últimos anos, perdeu a sua fiabilidade ou a normalização regressará nas próximas semanas. 

Nota: escrito em 15 de março

Entretanto, de 8 a 15 de março a Reserva Federal dos EUA aumentou as reservas bancárias em 440 mil milhões de dólares e, ainda no passivo do balanço do banco central dos EUA, a rubrica reverse repos diminuiu 140 mil milhões de dólares. Ou seja, na última semana a Fed imprimiu 440 mil milhões de dólares e o seu balanço aumentou cerca de 300 mil milhões de dólares de 8,342 para 8,639 biliões de dólares, apagando mais de 3 meses de Quantitative Tightening.

Porém, não se trata de um Quantitative Easing, mas de um empréstimo, tendo em conta que as rubricas títulos do tesouro e títulos garantidos por hipotecas (MBS) no ativo da Fed não se alteraram. Esta liquidez manteve calmo o mercado monetário diário (repos), tendo a taxa overnight subido apenas ligeiramente de 4,55% para 4,58%, mantendo-se dentro do atual intervalo das Fed Fund Rates de 4,50% a 4,75%.

PMR in VE 17 março 2023




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Naturalidade Angolana
Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.