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sexta-feira, 23 de março de 2018

COMPRA DE AÇÕES PRÓPRIAS COM DÍVIDA? GAME OVER!

Muitas empresas levantam dinheiro no mercado através da emissão de dívida, normalmente sob a forma de obrigações, para depois comprarem ações próprias e impulsionarem o preço das suas ações. Uma estratégia que, além de enganadora, está limitada à subida das taxas de juro.

As empresas, nomeadamente as norte-americanas, têm-se financiado com bastante frequência através da emissão de obrigações nos últimos 10 anos, beneficiando das baixas taxas de juro. No entanto, a política monetária contracionista da Reserva Federal, através da subida da sua taxa de juro de referência, dos 0.25% há três anos para perto dos 2%, bem como a alta da inflação, podem limitar ou afastar as empresas desta fonte de financiamento. Com base nas recentes vendas de obrigações em mercado primário, parece que, finalmente, os investidores estão a ficar satisfeitos com o nível de exposição às obrigações, designadamente de boa qualidade (ou “Investment grade”, obrigações com rating de BBB ou mais). Abaixo de BBB são obrigações consideradas “high yield” ou especulativas, as denominadas “junk bonds”.

Há apenas duas semanas, os investidores chegaram a oferecer algo sem precedentes: cerca de 100 mil milhões de dólares na gigantesca emissão de obrigações “investment grade”, no montante de 40 mil milhões dólares, da farmacêutica norte-americana a CVS Health, com negócios também na área de cuidados de saúde. Apesar do sucesso da emissão da CVS Health, o volume de emissões de novas dívidas de empresas de boa qualidade está no nível mais baixo desde 2014. O agregado das rentabilidades (yields) das obrigações de qualidade das empresas subiu dos 3% em outubro de 2017 para os 3.68% na semana passada, o valor mais alto desde o finais de 2011.

O ponto de saturação está a aproximar-se, e o mercado de dívida pode estar perto do seu ponto de inflexão após anos de fortes ganhos. A subida das taxas de juro e o recrudescimento das políticas protecionistas pesam sobre os lucros das empresas e preocupam os investidores. Na última semana houve muito menos pedidos nas emissões de novas obrigações do que era habitual. A procura em relação à oferta tem descido, logo as empresas que emitem novas obrigações têm que pagar juros mais altos em comparação com emissões anteriores. Ultimamente, em mais de metade das novas emissões de obrigações os preços caíram quando começaram a cotar no mercado secundário.
Parece que o tempo do crédito fácil está a terminar. Antes, a procura nas emissões de obrigações excedia três a quatro vezes a oferta. Na semana passada, e em média, os pedidos foram cobertos apenas duas vezes. Como resultado, as empresas emitentes de dívida pagaram em média mais 0,11 pontos percentuais que nas emissões da semana anterior.

Os investidores interpretam esta recente fraqueza como uma oportunidade de compra, devido aos contínuos e robustos fluxos de caixa que as empresas continuam a obter graças aos cortes de impostos e ao bom desempenho da economia dos EUA. Mas a subida de taxas da FED vai penalizar as emissões das empresas.

Essa desaceleração na compra de obrigações de empresas vem após anos de crescente procura. O valor de mercado das obrigações de grau de investimento duplicou nos últimos 10 anos, enquanto a economia cresceu cerca de um terço.

Isso permitiu que as empresas emitissem montantes de obrigações virtualmente ilimitados, cujo produto seria usado na compra de ações próprias, sendo um dos fatores que impulsionou a cotação das ações. No entanto, se o mercado de obrigações sofrer uma ressaca, a recompra de ações alicerçada no crédito pode acabar. Até porque o rendimento incremental nas ações em relação às obrigações encolheu, nos últimos tempos, para o nível mais baixo desde 2010…

Paulo Rosa, In Jornal Semanário "Vida Económica", 23 de março 2018


sexta-feira, 9 de março de 2018

ADAM SMITH BEM AVISOU QUE NAS GUERRAS COMERCIAIS NÃO HÁ VENCEDORES

Os mercados acionistas mundiais, incluindo os norte-americanos, reagiram negativamente às restrições de importação anunciadas pela administração de Donald Trump, que irá criar uma tarifa alfandegária de 25% sobre o aço e outra de 10% na importação de alumínio. Estas medidas podem causar danos não só fora dos EUA, mas também na própria economia norte-americana, nomeadamente nos setores automóvel e construção civil que utilizam o alumínio e aço como matéria-prima essencial. Apenas 200 mil americanos trabalham no setor do aço, alumínio e ferro.

Bruxelas lamentou as medidas protecionistas e prometeu “reagir com firmeza”, segundo palavras do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. Mas se a União Europeia (UE) quiser aumentar as tarifas e barreiras alfandegárias aos produtos norte-americanos, os EUA podem retaliar com um imposto sobre os carros europeus. Atualmente, os EUA impõem uma tarifa de 2,5% sobre as importações de automóveis da UE. A UE impõe uma tarifa de 10% sobre as importações de automóveis dos EUA. A Alemanha exporta anualmente 25 mil milhões de dólares em automóveis, nomeadamente das marcas Mercedes, BMW e Porsche muito apreciadas pelos norte-americanos.

No entanto, entre as grandes economias do mundo, a dos EUA é das menos protecionistas, e esse facto está bem refletido no enorme défice comercial à volta dos 3.5%, cerca de 40 mil milhões de dólares mensais. Os EUA são muito mais abertos que a Europa, o Japão e especialmente a China. E parece um pouco hipócrita para os EUA que as nações mais protecionistas se queixem das ações de uma nação menos protecionista.

Os EUA consomem grande parte dos produtos fabricados no mundo que são pagos com dólares, grosso modo a “maior exportação” dos EUA. Para colmatar o défice comercial os EUA têm um eficiente mercado financeiro que equilibra a balança de pagamentos através da emissão de dívida pública que, no entanto, não para de crescer e em 2017 fixou-se nos 105% do PIB, valores só verificados no pós-II Grande Guerra. Em 2008 era de 67%, em 1980 de 35%.

A China tem metade da capacidade de produção mundial de aço, grande parte da qual é excessiva e desnecessária, devido aos estímulos estatais de 2008 que reforçaram a sua capacidade industrial. Esta capacidade excedentária chinesa culminou com exportação de aço para o resto do mundo a preços muito baixos, no que alguns consideraram “dumping”. Além disso, tanto os EUA como a UE partilham a ideia de que a China ainda não é uma economia baseada no mercado, devido aos amplos e persistentes subsídios governamentais, explícitos e implícitos, e outras formas de apoio do setor público que se traduzem em produtos chineses com uma competitividade falseada.

Mas a UE e, em parte, os EUA não são uma economia aberta, e o livre mercado não existe em nenhuma parte do mundo. A Europa já impôs dezenas de medidas “anti-dumping” contra as exportações chinesas de aço. Qual é, então, a diferença substancial entre as medidas da UE e as atuais tomadas pela Administração dos EUA, que a Europa diz que vai retaliar? Se a UE fosse tão aberta, por que é tão complexo o Brexit e a incapacidade do Reino Unido para voltar a ter acesso ao mercado europeu? A Noruega e a Suíça pagam uma fortuna e têm de cumprir mais de uma centena de diretivas europeias para poderem ter acesso ao mercado único.

A globalização além de ter dado oportunidade a muitos países de saírem da pobreza, tal como referia Adam Smith, com as vantagens absolutas ao nível do comércio, e mais tarde David Ricardo, com as vantagens comparadas, permite que muitos países, mesmo que não sejam competitivos na produção de nenhum bem, continuem a especializar-se em produzir aquilo que fazem de melhor. É uma mais-valia preciosa para o bem-estar mundial que políticas protecionistas não devem por em causa. A economia portuguesa, como é uma das mais abertas, será também das mais penalizadas com um aumento do protecionismo.

Paulo Rosa, 9 de março de 2018






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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.