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quarta-feira, 31 de agosto de 2016

POR MARES NUNCA DANTES NAVEGADOS



PARA ONDE NOS LEVAM OS BANCOS CENTRAIS?

Depois de um mês de agosto pautado pela falta de liquidez e ausência de volatilidade nos mercados, aguarda-se com expetativa a chegada do sempre imprevisível mês de setembro, tradicionalmente caracterizado pela elevada volatilidade e influência na tendência dos mercados até ao final do ano.
É pertinente realçar o encontro anual nos EUA que reuniu os principais banqueiros centrais e economistas de renome mundial, realizado em "Jackson Hole", no Wyoming, nome pelo qual é conhecido. Este ano era esperado com entusiasmo o discurso da Presidente da Reserva Federal norte-americana, Janet Yellen, no que concerne à subida, ou manutenção, das taxas de juro de referência da FED até ao final do ano. Nos dias, e mesmo meses, que antecederam a reunião havia uma sintonia alargada pelos economistas e analistas que não esperavam mais nenhuma alteração nas taxas de juro até ao final de 2016. Porém, e após Janet Yellen ter referido que a economia dos EUA está mais robusta e que as metas para a inflação e emprego estão mais próximas dos objetivos, deixou no ar a dúvida quanto a uma ou duas subidas de um quarto de ponto nos próximos quatro meses. Os futuros das "Fed Funds Rate" negociados na bolsa de Chicago continuam a apontar, mesmo em dezembro, para a manutenção das taxas nos 0.5%, um sinal de que a subida de taxas não está a ser encarada como certa pelos investidores. O mercado laboral nos EUA não tem criado postos de trabalho suficientes para manter um crescimento do PIB na casa dos 2 ou 3%. E a diminuição da população ativa nos últimos cinco anos, devido a muitos desencorajados que deixaram de procurar emprego, contribuiu em parte para a queda da taxa de desempregos dos 10% em 2009 para os 4,7% há três meses.

Se os EUA não subirem as taxas, e o Banco Central Europeu (BCE), o Banco do Japão (BoJ) e restantes bancos centrais de referência mundial como o Banco Nacional da Suíça (BNS) e o Banco de Inglaterra (BoE) permanecerem com a sua politica monetária fortemente inflacionista, poderemos assistir ao agudizar de uma provável bolha financeira que tem vindo a formar-se ao longo dos últimos anos. Não são só os índices acionistas norte-americanos que estão em máximos históricos, os mercados obrigacionistas também se encontram bastante valorizados com as taxas de rentabilidade (yield) das obrigações do tesouro dos EUA a 10 anos nos 1.6% e a yield do bund alemão negativa de -0,1%, o imobiliário norte-americano já se encontra a preços de 2006, o seu máximo. Todas estas valorizações, e máximos consecutivos dos ativos financeiros, são fruto da resposta dos investidores às políticas monetárias expansionistas encetadas pelos bancos centrais, após a crise financeira mundial de 2008, com vista a debelar e resolver o problema financeiro gerado. No entanto, essa política estará, muito provavelmente, a criar um problema maior já no futuro próximo.

Estaremos a entrar em "mares nunca dantes navegados", numa experiência nova e jamais ensaiada em toda a história monetária. A preferência por liquidez é uma das principais marcas dos tempos atuais. Há alemães a comprar cofres para guardar o dinheiro, tal como se guardam barras de ouro. As comissões de manutenção dos bancos têm aumentado e as taxas de juro oferecidas são praticamente zero, desincentivando os depósitos junto dos bancos. O dinheiro à ordem nos bancos pode ser emprestado a qualquer momento, devido ao sistema de reservas fracionárias em que assenta a banca comercial, e, pelo risco acrescido, é também um desincentivo à manutenção desses depósitos. Um reflexo desta atitude dos depositantes é a diminuição de poupança para emprestar, a não ser que se criem certificados, com curso legal corrente como se de uma moeda se tratasse, baseados nos depósitos que estão nos cofres. Os bancos comerciais cederam crédito a taxas baixas, no que concerne aos “spreads”, e hoje não conseguem recuperar esse dinheiro porque os indexantes são negativos, nomeadamente taxas de juro de curto prazo do mercado monetário como a euribor a 6 meses. O crédito malparado é cada vez mais uma realidade crescente. Há vários anos que assistimos ao enfraquecimento da banca comercial com consecutivos resultados negativos que mais cedo ou mais tarde irão repercutir-se nas bolsas e na economia.

A preferência por liquidez é bastante racional para os agentes económicos avessos ao risco. A inflação é baixa, e mesmo negativa (deflação), o que mantém o valor do dinheiro detido mesmo que esteja parado. Muito provavelmente, mil euros hoje comprarão a mesma coisa daqui a três ou quatro anos… ou se calhar mais.

Paulo Rosa, Jornal semanário "Vida Económica", 2 de setembro 2016


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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.