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sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A selecção natural e o dilema do prisioneiro.


1. A selecção natural

Na passada terça-feira, dia 14 de Agosto, o Tesouro grego colocou 4 mil milhões de euros em bilhetes do Tesouro a 3 meses e aceitou pagar uma taxa de juro de 4,43%. A Itália e a Espanha conseguem empréstimos a taxas entre os 3% e os 6%, 7% dependendo se são bilhetes ou obrigações do tesouro com maturidades mais longas (5 a 10 anos). Na passada quarta-feira, dia 22 de Agosto, o Tesouro francês colocou 7 mil milhões de euros com taxas negativas ou próximas de zero. Maturidade a 3 meses, 4 mil milhões de euros com a taxa negativa (-0,015%), a 6 meses foram mil e 200 milhões de euros com taxa negativa (-0,018%) e a 12 meses, 1.800 milhões de euros a taxa foi ligeiramente positiva (0,002%). Os países nórdicos e do centro da Europa conseguem financiamento a taxas de juro perto de 0% ou mesmo negativas. 

O risco é proporcional ao retorno e é de acordo com esta premissa que os investidores alocam o seu dinheiro, seleccionam os seus investimentos. Numa época de crescente incerteza quanto à evolução da Zona Euro, os aforradores optam por emprestar dinheiro a países cujo retorno seja garantido em detrimento de um retorno satisfatório para o seu dinheiro. Um retorno elevado para o dinheiro tem um significativo risco inerente que neste momento os investidores não estão dispostos a correr. Estariam dispostos a emprestar dinheiro ao Estado grego? E à Alemanha, apesar de não existir qualquer retorno ou mesmo na maturidade o reembolso ser menor que o investimento inicial? Provavelmente serão mais as vozes receptivas ao investimento em títulos de dívida do governo alemão…  
Em virtude da crise das dívidas soberanas da Zona Euro, os países do norte da Europa estão a financiar as suas economias a taxas de juro de 0% (contribuindo para um maior crescimento económico), beneficiando do estatuto de activos de refúgio e da fuga de capitais dos países do sul da Europa.
As economias do sul têm que fazer os ajustamentos orçamentais (subida dos impostos e descida da despesa pública) que se traduzem em menos rendimento disponível (positivo para diminuir a procura interna e a procura de importações e aumento das exportações que espelham uma melhoria da balança comercial, mas negativo devido ao aumento do desemprego). Além destes ajustamentos, as suas empresas ainda têm que pagar taxas de juro proibitivas à banca. Um projecto de investimento idêntico, poderá obter um financiamento barato na Alemanha e em Portugal terá, provavelmente, que pagar 8% ou 9%, o que poderá torná-lo inviável. A extinção das economias do sul da Europa não é fantasia…

As leis económicas reflectem a interacção entre os Homens, entre os seres vivos. Algumas vezes reflectem a lei dos mais fortes. É a selecção natural de Darwin num processo evolutivo como explicação da adaptação e especialização dos seres vivos. Prevalecem os mais fortes em detrimento dos mais fracos, sobressaem e sobrevivem os países do norte da Europa em prejuízo dos países do sul.

A teoria de Darwin foi inspirada nas observações feitas nas viagens durante a sua vida, nomeadamente às ilhas Galápagos e na doutrina económica de Malthus (a população crescia exponencialmente enquanto que a comida só crescia linearmente. A falta de comida teria implicações demográficas, levando a uma "luta pela sobrevivência", na qual somente o mais apto sobreviveria).
As leis económicas baseiam-se nas leis naturais, como a lei da oferta e da procura, na selecção natural de Darwin que tem por base, entre outras, as leis económicas de Malthus. Os países mais fracos são dominados e eliminados pelos países com economias mais fortes, mais desenvolvidas (em IDH [índice de Desenvolvimento Humano], IPC [Índice de percepção de Corrupção], índice de Gini [distribuição do rendimento], etc).

Acontece ao longo da história, a selecção “natural” dos países hegemónicos. Os sumérios, os egípcios, os gregos, os romanos, os portugueses e espanhóis, os franceses, os britânicos, os russos, os EUA. Os impérios, tal como os seres vivos, nascem, crescem e morrem. A maior parte dos impérios, dos domínios territoriais, um dia acabam. A China é uma das civilizações mais antigas cuja existência continua, uma sociedade milenar, unificada 2 séculos antes do nascimento de Cristo, apesar de fechada até há 20 anos atrás. Mas, apesar da sua longa existência, não está fora do alcance das leis de selecção natural…

Mas será que a economia só se rege pelas leis egoístas “puras” da natureza?



2. A cooperação da Alemanha e da Grécia.

A Zona Euro encontra-se neste momento perante o dilema, na parte mais antiga e primitiva do seu “cérebro”, nos primórdios da construção europeia em 1957, no complexo reptiliano: Fugir ou lutar. Desintegração (cada país ou região sai da União Europeia) ou cooperação (lutando pela UE). A Europa encontra-se prisioneira das opções que tomou e encontrar-se-á ou não das que tomar…

No entanto o homem, animais e restantes seres vivos, tem muito a ganhar com a cooperação. O homem é um animal social e, tal como abelhas e as formigas, a palavra-chave é a cooperação. O “dilema do prisioneiro” prova que a cooperação traz mais vantagens que o egoísmo puro.

O dilema do prisioneiro resume-se a um crime que alegadamente é praticado por duas pessoas e a polícia não tem provas suficientes para prender os suspeitos. Coloca cada prisioneiro numa cela individual e propõe o mesmo acordo a ambos: se confessar que o crime foi cometido pelo colega e o amigo ficar em silêncio, o que confessou e culpou o colega é libertado e o que permaneceu calado é preso 10 anos. Se ambos ficarem calados, só podem ser condenados a 6 meses de prisão por falta de provas, é nesta situação que reside a confiança entre os dois suspeitos e as vantagens que advêm dessa cooperação. Se ambos traírem o colega, cada um apanha 5 anos de prisão. Quadro1


Mas cada prisioneiro, como não pode contactar com o outro, não sabe o que o colega vai dizer. Pode surgir aqui a tentação de trair, do egoísmo puro. Como vai reagir cada prisioneiro? Cooperarão ambos os prisioneiros, para minimizar a perda da liberdade, ou um dos presos, confiando na cooperação do outro, o trairá para ganhar a liberdade? O objectivo de cada um é apanhar o mínimo de prisão possível, logo a primeira reacção poderá ser de culpar o colega e sair em liberdade. Mas se o colega fizer o mesmo, ambos são presos 5 anos. Então deve ficar calado e apanhar apenas 6 meses de prisão. O problema do dilema é como vai reagir cada suspeito? O dilema do prisioneiro é um problema da teoria dos jogos de soma não nula e representa a prova cabal de que a cooperação compensa. Podem existir dois vencedores no jogo. Não importa os valores das penas, mas calcular as vantagens da decisão de um interveniente que está interligada à decisão do outro. A confiança, a cooperação é fundamental e a traição é perniciosa…

Casos como este são recorrentes na economia, sociologia, ciência política, biologia…

A cooperação de ambos representa o “óptimo de Pareto”, porque não é possível o prisioneiro “A” melhorar a sua situação sem prejudicar a situação do outro colega e vice-versa. No entanto a não cooperação de ambos representa o “equilíbrio de Nash”, porque nenhum dos prisioneiros tem a ganhar alterando a sua estratégia unilateralmente e a estratégia que lhe traz mais benefícios é a liberdade. O “equilíbrio de Nash”, neste jogo, culmina numa situação pior porque se ambos culpam o colega acabam por ficar presos mais tempo (5 anos cada um).

Para concluirmos que a melhor decisão é a cooperação, por analogia iremos utilizar a Alemanha e a Grécia, como representantes de duas regiões. O norte e centro da Europa (Alemanha, Áustria, Finlândia, Holanda, França, etc) e o sul da Europa (Grécia, Portugal, Espanha e Itália).
A) Confiam no outro prisioneiro (país) e permanecem calados (cooperando ambos os países). A Grécia assume um papel responsável e faz os ajustamentos necessários para reabilitar a sua economia e a Alemanha permanece solidária. Existe sempre o risco de um país trair o outro. B) Culpam o outro prisioneiro (país) e não cooperam, não realizando os ajustamentos (Grécia) ou não são solidários (Alemanha) e esperam ser libertados (beneficiados financeiramente). No entanto se o outro país fizer o mesmo, ambos ficarão numa situação pior do que se permanecessem calados (cooperativos).
Num processo pontual, caso do “dilema do prisioneiro clássico”, os suspeitos (países) podem pensar que compensa arriscar e culpar e trair o outro colega (país), não fazendo os ajustamentos (Grécia) que deve fazer e beneficiar da benevolência do outro suspeito (Alemanha) que havia confiado na Grécia. Mas se o processo for repetido várias vezes, for um processo dinâmico e os suspeitos (países) voltam a encontrar-se como acontece neste caso da Zona Euro, os países tendem a cooperar das próximas vezes.

No “dilema do prisioneiro iterado” (ou seja repetitivo), a cooperação pode alcançar-se como um resultado de equilíbrio. Quando se repete o jogo, oferece-se a cada jogador (país) a oportunidade de penalizar o outro jogador (país) pela não cooperação em jogos anteriores. Assim, o incentivo para não cooperar pode ser superado pela ameaça das penalizações, o que conduz a um resultado melhor, ou seja a cooperação. Ver quadro2


A saída da Grécia do euro é um dado adquirido para alguns investidores e uma incerteza para outros, mas a situação é tudo menos previsível. A saída da Grécia do euro pode estar já acomodada pelos bancos e pelo sistema financeiro europeu, mas a concretização desta possibilidade será sempre uma novidade, um precedente, uma brecha na União Monetária. Provavelmente, a Alemanha fará quase tudo para que isso não aconteça… E por quase tudo entende-se tudo, com excepção da criação de moeda pelo BCE (Banco Central Europeu) sem suporte de produção. Mesmo aqui a Alemanha poderá abrir uma excepção e permitir uma flexibilização monetária, através da emissão de notas de banco ou criação de dinheiro electrónico (colocado digitalmente no passivo dos balanços dos bancos comerciais e no activo do BCE), ou o próprio BCE comprar directamente, em mercado primário, dívida pública espanhola e italiana para impedir que as respectivas yields passem acima, por exemplo, dos 4%. Mas esta excepção seria imperativamente temporária e numa situação limite, como uma forma de ganhar, "comprar" tempo até os países-membros da Zona Euro encontrarem uma forma política para ultrapassarem o problema. E antes desse último recurso, ainda existia a solução que passaria por poupança real como seja o Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF)...
Na eventual saída da Grécia do euro, é provável que os títulos dos países mais fragilizados financeiramente sejam mais penalizados, caso dos activos financeiros portugueses. Mas os títulos dos países periféricos, dos países do norte da Europa e do resto do mundo não saem incólumes a uma saída da Grécia do euro, ainda que controlada. A amplitude da crise gerada continua a ser uma incógnita, mas se acontecesse há 2 anos atrás teria efeitos muito mais graves...

Se a Alemanha se fechar, não cooperar, perderá. O mesmo acontecerá à Grécia. A Alemanha terá muito mais a ganhar em cooperar do que em fechar-se sobre si própria e permitir a saída da Grécia do euro, é como abrir uma caixa de Pandora. A Grécia tem mais a ganhar em cooperar do que fechar-se sobre si própria, sair do euro e viver uma situação de colapso financeiro.
O Quadro2 pode ser bastante explicativo, mas é apenas académico. É preciso que os políticos e os povos estejam conscientes dos graves problemas que pairam sob a UE e se mostrem cooperantes para ajudar na restauração da reintegração europeia. Existe uma série de grupos de interesse, de pressão que não querem cooperar. Existem elites que são anti-reformas.
Mas estarão os contribuintes alemães receptivos para cederem mais dinheiro dos seus impostos para reabilitar as economias do sul da Europa? O governo alemão terá que ter a capacidade para demonstrar ao seu povo os benefícios de pertencerem a uma integração económica, ainda mais num mundo com uma população crescente, no qual a voz da Europa só se fará ouvir como um todo. (Veja-se o que acontece nas ONU, o veto de um país como a China, Rússia ou EUA tem peso, enquanto que o veto da França ou da Inglaterra de nada vale. Deveria ser a União Europeia a ter assento permanente na ONU. O Brasil já luta por isso).
A economia grega estava e continua a estar sob uma bolha que tem que ser ajustada. Os gregos estarão dispostos a mais ajustamentos na sua economia? O governo helénico terá que explicar aos gregos que não existe outro caminho. Depois destas compreensões e cooperações, com mais responsabilidade e solidariedade, os países do sul poderão beneficiar de financiamento idêntico, com taxas de juro idênticas à da Zona Euro setentrional e os países do norte poderão integrar uma Europa como um todo. A não cooperação levará a um final que ninguém deseja e todos desconhecem.
O dilema norte/sul. O que se passa na Zona Euro é já um problema cultural …

Paulo Monteiro Rosa, economista, 24 de Agosto de 2012

Publicado na ATM / Analistas Mercados Capitais

http://www.associacaodeinvestidores.com/index.php/artigos-e-teses/63-artigos/244-a-seleccao-natural-e-o-dilema-do-prisioneiro-grecia-e-a-europa

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