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segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O preço nem sempre é o mais importante


A correlação negativa entre o volume e a cotação dos activos financeiros

O volume é o número de títulos (acções, obrigações, contratos de futuros, etc.) que um determinado activo negoceia num dado período. O volume mais relevante é o diário. O volume intraday (verificado em períodos pequenos, dez minutos, uma hora, etc.) é importante para quem realiza bastantes negócios diariamente.

Na maior parte dos casos, o volume é tão ou mais importante que a própria cotação do título em si mesmo. Se observarmos uma subida bastante significativa de um título num determinado dia mas com um volume bastante baixo, isso poderá sinalizar que a subida não se estenderá por muito mais tempo, a subida não está suportada pelo volume, logo é provável que nos dias seguintes de negociação haja correcções e descidas do título. O volume é um excelente barómetro para aferir sobre a tendência do mercado. O volume dá sustentabilidade às subidas. Já as descidas serão uma realidade caso o volume seja fraco.

A evidência empírica leva-nos a concluir que existe uma correlação negativa, nomeadamente no longo prazo mas também válida para a negociação diária (daytrading), entre o volume e a cotação de determinado activo financeiro. Quando o volume diário começa a diminuir, a cada sessão de bolsa que passa é provável que estejamos próximos do máximo da cotação. Nesse período, o volume é demasiado baixo para sustentar a cotação. Quando o volume vai aumentando, à medida que o título vai caindo de preço, é expectável que o mínimo do título esteja a ser atingido. O volume sustenta a cotação. Ver gráfico1



Mas atenção: o volume, por si só, poderá transmitir-nos alguma informação enviesada ou mesmo induzir o investidor em erro se não relacionarmos o volume que cada título transacciona com o número de acções que tem dispersas em bolsa (free float). Poderemos apelidar esta observação de relatividade do volume.

A Portucel Industrial tem um baixo volume, mas deveremos ter em conta que o free float não chega a 20% do número de acções da empresa (a Semapa e a própria Portucel detêm cerca de 80% das acções que não estão disponíveis para negociação em bolsa). Já a SonaeCom tem uma dispersão em bolsa de 76% e volumes mais elevados, logicamente em relação ao total de acções da empresa. Em conclusão, é normal que uma empresa com um free float baixo tenha também volumes baixos e vice-versa.

A distinção entre o volume transaccionado e montante em dinheiro é importante. O montante é espelhado no produto entre o preço do título e volume negociado e designa-se por turnover. Um activo financeiro que negoceie muitos títulos, reflectindo-se em volumes altos, não indicia que seja um título que transaccione valores elevados, mas é um título líquido.
Quando a cotação de um título é muito baixa, alguns cêntimos, e os volumes de acções transaccionadas são bastante altos, existe o risco de o volume induzir o investidor em erro, que deverá estar atento a estas situações.

Em suma, se olharmos para o volume, um número simples de identificar, teremos um indicador com uma fiabilidade aceitável para tomarmos posições de compra ou de venda sobre determinado título e um certo conforto para o retorno do nosso investimento.
De salientar que o volume é bastante importante na negociação de acções, mas pode ser um indicador menos fiável na transacção de obrigações, porque a maior parte dos negócios são realizados fora de bolsa (OTC, over the counter) e a totalidade de obrigações transaccionadas é difícil de ser percepcionada durante o dia. Obviamente, todos os negócios têm que ser reportados à entidade que supervisiona os mercados financeiros (CMVM) e mais tarde saberemos qual foi o volume transaccionado. Nos derivados os volume são também importantes, principalmente as posições em aberto (OI, Open Interest).

Paulo Monteiro Rosa, economista, 12 de Novembro de 2012

Publicado na Ordem dos Economistas
http://www.ordemeconomistas.pt/xportal/xmain?xpgid=membros-artigo&membros_art_det=12854938

Publicado no Jornal de Negócios de 12 de Novembro de 2012, página 22.
http://www.scribd.com/doc/112958372/Preco-nem-sempre-e-o-mais-importante

terça-feira, 30 de outubro de 2012

A alfabetização e o desenvolvimento económico e social


Hoje fui colocar gasóleo no carro e deparei-me, como sempre nas bombas de gasolina, com duas opções: Diesel ou Gasolina. Nesse instante algo me assaltou e imaginei como seria se eu fosse alemão e estivesse a colocar combustível, em Berlim, na minha viatura e me deparasse com as seguintes opções: Monteiro Rosa ou Benzin?
Bem, seria análogo à pergunta que um alemão faria ao seu amigo, que acabou de comprar um Volkswagen Golf, se o seu carro novo é a Monteiro Rosa ou a Gasolina. Este é um exemplo paradigmático das diferenças económicas e sociais entre a Alemanha, países que gravitam à sua volta, e países como Portugal e Espanha. Temos o sol é verdade…

Rudolf Diesel foi um engenheiro alemão que inventou o motor de combustão interna a gasóleo. Existem nomes que ficam para sempre como o físico germânico Heinrich Hertz que descobriu a produção e propagação das ondas electromagnéticas e formas de controlar a frequência das mesmas. Um norte-americano pergunta ao colega qual é a frequência da estação de Rádio da sua cidade? É de 103.4 Mega Monteiro Rosa (MMRosa) responde-lhe. Qual é o televisor que vais comprar? Compra um com 150 Monteiro Rosa, é um pouco mais caro mas terás melhor imagem. As ondas hertzianas são conhecidas mundialmente. Como seria falarmos de ondas Monteiro Roseanas? Para Portugal uma vantagem, uma folga económica bastante significativa…
O laboratório farmacêutico alemão Bayer foi o 1º do mundo a sintetizar um fármaco: A famosa aspirina que ainda hoje é um dos medicamentos mais vendidos no mundo. Siemens, Bosh, Mercedes, BMW, Audi, Volkswagen, Opel, Porsche, Otis, Tyssenkrupp, Adidas, Alllianz, BASF, Beiersdorf, Continental, Lufthansa, SAP, Puma, Merck, são alguns dos muitos nomes de marcas e empresas germânicas mundialmente conhecidas. Contra factos não há argumentos. Isto faz toda a diferença para a Alemanha e para a sua economia.

Os alemães são mais inteligentes que os habitantes da península ibérica? Obviamente que não. Existiram políticas diferentes encetadas pelos diferentes países (melhor dizendo pela sua elite governativa) ao longo dos séculos. Portugal e Espanha eram, no Séc. XIV e Séc. XV, os países mais avançados do mundo no que respeita à tecnologia, conhecimentos matemáticos, filosofia. A Universidade de Salamanca é a mais antiga do mundo. Portugal e Espanha detinham os melhores matemáticos, os melhores pensadores que lhes permitiram levar a cabo com sucesso a odisseia dos descobrimentos. Mas eis que a elite governativa, o Rei e o Clero, que tinha realizado um trabalho meritório nos séculos anteriores, resolve expulsar os judeus e os jesuítas. Grande parte deles foram para países do centro e norte da Europa, nomeadamente para a Holanda e para a Alemanha e contribuiram para o desenvolvimento destes países. Os judeus holandeses David Ricardo, um dos economistas mais influentes da sua época e Espinosa, um dos maiores filósofos de sempre, eram filhos de portugueses.
O que esteve na génese desta atitude da elite portuguesa? Tinham receio que os judeus e mais tarde os jesuítas usurpassem o poder em virtude dos seus conhecimentos? Ou foi apenas pertinácia sem lógica de uma classe obstinada? A inquisição imposta por um dos poderes governativos (a Igreja Católica) coloca a ferros todos aqueles que ousam pensar, meditar, procurar, criar. O sacerdote e inventor Bartolomeu de Gusmão foi perseguido pela inquisição. Em Itália, Galileu foi julgado. A verdade estava encontrada e era aquela que era divulgada pela igreja.
Na Alemanha surgem pensamentos e correntes lideradas por Martinho Lutero que propõe o rompimento com a Igreja Católica (o substantivo católica é sinónimo de universal), e uma nova visão sobre o culto e sobre a Igreja fundada com base nos ensinamentos de Jesus Cristo (cristo, do grego o ungido, o escolhido por Deus) e no estudo da Bíblia. Martinho Lutero funda o Luteranismo, que tem como base a leitura e interpretação da Bíblia por toda a população. Para isso é preciso saber ler. Esta doutrina será propalada por toda a Alemanha e países escandinavos. O Suíço Calvino rompe também com a Igreja Católica e os seus ensinamentos têm eco em alguma parte do território francês, na Holanda e na Escócia. Foram criados os alicerces, os fundamento para o desenvolvimento do iluminismo escocês, a tolerância religiosa, o capitalismo, a modernidade. Cada paróquia escocesa deveria ter pelo menos uma escola e um professor. Todos os escoceses deveriam aprender a ler (antes reservado aos nobres), com o propósito de interpretarem a Bíblia. John Knox, em 1560, defendera na seu livro "Livro de disciplina", a instauração de um sistema de educação nacional. A educação tornou-se gratuita e de acesso universal e no final do Séc. XVIII a Escócia tornou-se no país com a menor taxa de analfabetismo do mundo. Surgem intelectuais como o filósofo David Hume ou o economista Adam Smith ou inventor como James Watt, na vanguarda da ciência mundial. James Watt desenvolveu o motor a vapor e devido a este feito a "unidade de potência" foi baptizada com o seu nome, um watt.
Quando uma lâmpada funde cá em casa, a minha mulher diz-me logo se quero uma de 25, 60 ou 100 watt’s. Teria sido importante ser um escocês a perguntar à mulher para procurar nos arrumos uma lâmpada de 100 Monteiro Rosa’s! A Central hidroeléctrica do Alqueva tem duas  Turbinas com 120 mmr (mega Monteiro Rosa) de potência cada uma e produzirá 380 giga Monteiro Rosa/hora/ano, o  dobro da necessária para abastecer os concelhos de Beja e Évora.

Em 1850, 95% do povo alemão era alfabetizado, bem como os países à sua volta. Nessa mesma data a percentagem de alfabetização em Portugal era de 15%. Contra factos não há argumentos. De salientar o forte e visível incremento de alfabetização da URSS em apenas 30 anos. A educação foi uma das principais apostas do modelo de governação soviético para a nova Rússia. Com a aquisição exponencial de conhecimentos, os russos conseguem colocar o 1º homem no espaço em 1961, porém a falta de motivação, a ausência de incentivo, de propriedade privada, de estímulos ao desenvolvimento do indivíduo levam ao desmoronamento da economia soviética, baseada na estatização, na década de 1980. Ver Quadro 1.



Alemanha e grande parte dos países que gravitam à volta não têm salário mínimo. Na Alemanha só a construção civil tem salário mínimo, na Suíça é confinado ao cantão de Lausanne. A Dinamarca, a Áustria, a Finlândia, a Noruega, a Suécia e a Islândia não têm salário mínimo. Na Bélgica é estipulado por negociação colectiva, não é tripartido, não existe a intervenção do Estado. De lei é uma característica da maioria dos países da Europa Meridional.
Há menos regras de intromissão do Estado na economia. O estado deve libertar a economia. O Estado deve supervisionar e garantir a livre concorrência. Não permitir conluios, monopólios e oligopólios.
A economia deve escapar das grilhetas do Estado. A economia deve livrar-se do jugo da moeda. A economia não deve estar ao serviço do sector financeiro, a moeda é que deve estar ao serviço da economia e realizar o seu papel fundamental de facilitar as trocas. Foi a moeda que permitiu a divisão do trabalho e uma economia mais eficiente e organizada. Em suma, a economia deve escapar da canga dos bancos centrais e das suas políticas expansionistas inflacionárias que agravam a desigualdade na redistribuição do rendimento. Não devem ser criadas regras que desvirtuem o mercado…
Mas o laissez-faire é de todo indesejável. Devem ser criadas regras que optimizem e criem as condições necessárias para que a livre concorrência funcione o melhor possível. O Estado não deve dizer quantas farmácias podem abrir, o Estado não se deve intrometer. O Estado deve criar os requisitos para a abertura de farmácias e abster-se do número, quantidade, esse será um papel da livre concorrência. A abertura de farmácias deve ser livre. Enquanto existir lucro, haverá incentivo para entrarem mais empresas no sector, criando benefícios para o consumidor, com medicamentos mais baratos devido à concorrência, mais emprego e melhor redistribuição do rendimento.
O Estado não deve tabelar e fixar preços, quer sejam dos medicamentos, dos combustíveis, do pão e de qualquer outro bem e serviço, essa é uma função exclusiva do livre mercado. 

O Estado deve criar autoridades de concorrência com poder efectivo e não poder estéril. Autoridades que cabalmente possam exercer o trabalho para que foram mandatas e munidas de instrumentos adequados e penalizar pesadamente quem infringir as regras. Punir de forma que o crime não compense. Punir de forma a inibir a fraude, a concorrência desleal, o crime. Existe uma directiva do governo português que está a ser ultimada e que punirá até 10% do valor da facturação. Numa EDP seria, no limite, uma multa de mil milhões de euros...
Um país deve pautar-se e guiar-se por uma Economia social de mercado. O Estado deve assegurar a Educação, Saúde, Justiça, Defesa e Solidariedade. Tudo o resto deve estar na esfera privada. Os impostos para garantirem e assegurarem esse propósito social estão na casa dos 20% do PIB, no entanto em 2013 a carga fiscal chegará quase aos de 40% do PIB.

O Estado não deve criar numerus clausus para a entrada no curso de medicina. O Estado deve criar condições para o funcionamento do curso. Não devem ser criadas barreiras artificiais à entrada, quer para o curso de medicina quer para qualquer outro curso. Deixar o mercado funcionar…
O Estado não deve dizer quantas escolas de condução, empresas de segurança, agências funerárias, mercearias, restaurantes, agências de viagens e turismo, hotéis, bancos, ginásios devem abrir. Deve criar os requisitos para a abertura e de seguida assegurar a livre concorrência e deixar o mercado funcionar…

Só em 1960, Portugal recuperaria cabalmente o atraso, com 97% da população entre 7-14 anos alfabetizada, obviamente que a taxa de alfabetização da população total era de 70% e continuava abaixo do nível dos países mais avançados da Europa, porque as pessoas com mais 55 anos permaneciam em grande parte analfabetas, eram as pessoas nascidas ainda no tempo da monarquia. As pessoas entre os 50-55 anos, em idade escolar durante a 1ª República, mais de metade eram analfabetas. Ver Quadro 2




A escola, logicamente, era em primeiro lugar para os mais jovens (entre os 7-14 anos) e a seguir para os adultos disponíveis. Quanto aos adultos era imprescindível que essas pessoas tivessem vontade em aprender. A escola havia chegado à maioria das populações rurais a partir da década de 1940.
No entanto a Igreja Católica continuava a não contribuir para a alfabetização e as Eucaristias dominicais e missas semanais eram celebradas em Latim, numa ladainha que ninguém compreendia mas que não ousava questionar. Só depois do Concílio do vaticano II as homilias passaram a ser realizadas na língua oficial de cada país.
Ainda hoje permanecem resquícios dessa vivência, com muitas pessoas a preferirem a reza do rosário e do terço, em detrimento e pela preterição dos ensinamentos de Jesus Cristo, da leitura dos Evangelhos, da leitura da Bíblia, Antigo e Novo Testamento …   

Publicado na Funds People

http://www.fundspeople.pt/pessoas/paulo-monteiro-rosa-53196/blog/a-alfabetizacao-e-o-desenvolvimento-economico-e-social-31564


Paulo Monteiro Rosa, economista, 30 de Outubro de 2012

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

As recentes decisões do BCE e da FED e a evolução da cotação do ouro.




O Banco Central Europeu (BCE) anunciou no passado dia 6 de Setembro um segundo programa, não convencional, de compra ilimitada de títulos de dívida pública de países da Zona Euro que se encontram em dificuldades financeiras. Segundo Draghi, presidente do BCE, a desconfiança na moeda única prejudica os efeitos da política tradicional do BCE e acrescentou que estas novas operações seriam esterilizadas. Interrogamo-nos se serão através da absorção de liquidez dos bancos dos países do norte da Europa. Não será fácil esta esterilização e caso não se consiga integralmente, a inflação aparecerá mais tarde…
No entanto, mesmo que a operação seja neutra em termos de massa monetária, há implícito um aval ao endividamento dos países. Aval aceitável se for profiláctico, com o objectivo de ganhar tempo até se conseguir uma solução política para a Zona Euro. Aval aceitável porque tem subjacente a responsabilização dos países beneficiados pela medida de ajustarem e consolidarem as suas contas públicas.

A Reserva Federal norte-americana (FED), como forma de travar o abrandamento da economia, anunciou no passado dia 13 de Setembro uma nova expansão monetária, através de um terceiro “Quantitative Easing” (QE3), impressão electrónica de dinheiro. A nova medida caracteriza-se pela compra, mensalmente, de 40 mil milhões de dólares de obrigações compostas por hipotecas imobiliárias. É colocado dinheiro no passivo do balanço dos bancos por contrapartida do activo do balanço da FED. Assistir-se-á à transferência de obrigações hipotecárias dos bancos para a Reserva Federal.
Existem milhares de milhões de dólares injectados pela FED nos cofres dos bancos, das empresas e dos fundos. Continuar a inundar o mercado de liquidez, provavelmente, só surtirá efeito ao nível da valorização dos activos financeiros…

Ambos os bancos centrais insistem nas medidas que nos trouxeram até esta crise financeira: o aumento da base monetária, uma política de expansão monetária inflacionista. A FED fê-lo desde 2000 até 2003 com a descida da sua taxa de juro de referência, Fed Funds Rate, de 6.5% para 1%, reflectindo-se de seguida numa subida superior a 100% nos preço das casas entre 2002 e 2007. A moeda em circulação, moeda física, na Zona Euro passou de 350 mil milhões de euros em 2005 para 867 mil milhões de euros em Junho deste ano.

Estão criados os requisitos essenciais para a cotação da onça de ouro continuar suportada e, provavelmente, subir nos próximos tempos.
A criação de moeda, sem produção subjacente, aumenta a liquidez no mercado, baixa o preço da moeda e traduzir-se-á no futuro numa espiral inflacionista.
Como o ouro não gera renda e as taxas de juro estão praticamente a zero, torna-se cada vez mais indiferente deter moeda ou ouro.
A actual crise financeira ainda não terminou e, provavelmente, os alicerces da próxima já estão a ser construídos. As políticas monetárias expansionistas que nos trouxeram até esta crise, obviamente, não poderão ser agora a solução do problema, através de mais expansões monetárias. A incerteza veio para ficar. O ouro continuará a ser um activo de refúgio…

Paulo Monteiro Rosa, economista, 20 de Setembro de 2012

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A selecção natural e o dilema do prisioneiro.


1. A selecção natural

Na passada terça-feira, dia 14 de Agosto, o Tesouro grego colocou 4 mil milhões de euros em bilhetes do Tesouro a 3 meses e aceitou pagar uma taxa de juro de 4,43%. A Itália e a Espanha conseguem empréstimos a taxas entre os 3% e os 6%, 7% dependendo se são bilhetes ou obrigações do tesouro com maturidades mais longas (5 a 10 anos). Na passada quarta-feira, dia 22 de Agosto, o Tesouro francês colocou 7 mil milhões de euros com taxas negativas ou próximas de zero. Maturidade a 3 meses, 4 mil milhões de euros com a taxa negativa (-0,015%), a 6 meses foram mil e 200 milhões de euros com taxa negativa (-0,018%) e a 12 meses, 1.800 milhões de euros a taxa foi ligeiramente positiva (0,002%). Os países nórdicos e do centro da Europa conseguem financiamento a taxas de juro perto de 0% ou mesmo negativas. 

O risco é proporcional ao retorno e é de acordo com esta premissa que os investidores alocam o seu dinheiro, seleccionam os seus investimentos. Numa época de crescente incerteza quanto à evolução da Zona Euro, os aforradores optam por emprestar dinheiro a países cujo retorno seja garantido em detrimento de um retorno satisfatório para o seu dinheiro. Um retorno elevado para o dinheiro tem um significativo risco inerente que neste momento os investidores não estão dispostos a correr. Estariam dispostos a emprestar dinheiro ao Estado grego? E à Alemanha, apesar de não existir qualquer retorno ou mesmo na maturidade o reembolso ser menor que o investimento inicial? Provavelmente serão mais as vozes receptivas ao investimento em títulos de dívida do governo alemão…  
Em virtude da crise das dívidas soberanas da Zona Euro, os países do norte da Europa estão a financiar as suas economias a taxas de juro de 0% (contribuindo para um maior crescimento económico), beneficiando do estatuto de activos de refúgio e da fuga de capitais dos países do sul da Europa.
As economias do sul têm que fazer os ajustamentos orçamentais (subida dos impostos e descida da despesa pública) que se traduzem em menos rendimento disponível (positivo para diminuir a procura interna e a procura de importações e aumento das exportações que espelham uma melhoria da balança comercial, mas negativo devido ao aumento do desemprego). Além destes ajustamentos, as suas empresas ainda têm que pagar taxas de juro proibitivas à banca. Um projecto de investimento idêntico, poderá obter um financiamento barato na Alemanha e em Portugal terá, provavelmente, que pagar 8% ou 9%, o que poderá torná-lo inviável. A extinção das economias do sul da Europa não é fantasia…

As leis económicas reflectem a interacção entre os Homens, entre os seres vivos. Algumas vezes reflectem a lei dos mais fortes. É a selecção natural de Darwin num processo evolutivo como explicação da adaptação e especialização dos seres vivos. Prevalecem os mais fortes em detrimento dos mais fracos, sobressaem e sobrevivem os países do norte da Europa em prejuízo dos países do sul.

A teoria de Darwin foi inspirada nas observações feitas nas viagens durante a sua vida, nomeadamente às ilhas Galápagos e na doutrina económica de Malthus (a população crescia exponencialmente enquanto que a comida só crescia linearmente. A falta de comida teria implicações demográficas, levando a uma "luta pela sobrevivência", na qual somente o mais apto sobreviveria).
As leis económicas baseiam-se nas leis naturais, como a lei da oferta e da procura, na selecção natural de Darwin que tem por base, entre outras, as leis económicas de Malthus. Os países mais fracos são dominados e eliminados pelos países com economias mais fortes, mais desenvolvidas (em IDH [índice de Desenvolvimento Humano], IPC [Índice de percepção de Corrupção], índice de Gini [distribuição do rendimento], etc).

Acontece ao longo da história, a selecção “natural” dos países hegemónicos. Os sumérios, os egípcios, os gregos, os romanos, os portugueses e espanhóis, os franceses, os britânicos, os russos, os EUA. Os impérios, tal como os seres vivos, nascem, crescem e morrem. A maior parte dos impérios, dos domínios territoriais, um dia acabam. A China é uma das civilizações mais antigas cuja existência continua, uma sociedade milenar, unificada 2 séculos antes do nascimento de Cristo, apesar de fechada até há 20 anos atrás. Mas, apesar da sua longa existência, não está fora do alcance das leis de selecção natural…

Mas será que a economia só se rege pelas leis egoístas “puras” da natureza?



2. A cooperação da Alemanha e da Grécia.

A Zona Euro encontra-se neste momento perante o dilema, na parte mais antiga e primitiva do seu “cérebro”, nos primórdios da construção europeia em 1957, no complexo reptiliano: Fugir ou lutar. Desintegração (cada país ou região sai da União Europeia) ou cooperação (lutando pela UE). A Europa encontra-se prisioneira das opções que tomou e encontrar-se-á ou não das que tomar…

No entanto o homem, animais e restantes seres vivos, tem muito a ganhar com a cooperação. O homem é um animal social e, tal como abelhas e as formigas, a palavra-chave é a cooperação. O “dilema do prisioneiro” prova que a cooperação traz mais vantagens que o egoísmo puro.

O dilema do prisioneiro resume-se a um crime que alegadamente é praticado por duas pessoas e a polícia não tem provas suficientes para prender os suspeitos. Coloca cada prisioneiro numa cela individual e propõe o mesmo acordo a ambos: se confessar que o crime foi cometido pelo colega e o amigo ficar em silêncio, o que confessou e culpou o colega é libertado e o que permaneceu calado é preso 10 anos. Se ambos ficarem calados, só podem ser condenados a 6 meses de prisão por falta de provas, é nesta situação que reside a confiança entre os dois suspeitos e as vantagens que advêm dessa cooperação. Se ambos traírem o colega, cada um apanha 5 anos de prisão. Quadro1


Mas cada prisioneiro, como não pode contactar com o outro, não sabe o que o colega vai dizer. Pode surgir aqui a tentação de trair, do egoísmo puro. Como vai reagir cada prisioneiro? Cooperarão ambos os prisioneiros, para minimizar a perda da liberdade, ou um dos presos, confiando na cooperação do outro, o trairá para ganhar a liberdade? O objectivo de cada um é apanhar o mínimo de prisão possível, logo a primeira reacção poderá ser de culpar o colega e sair em liberdade. Mas se o colega fizer o mesmo, ambos são presos 5 anos. Então deve ficar calado e apanhar apenas 6 meses de prisão. O problema do dilema é como vai reagir cada suspeito? O dilema do prisioneiro é um problema da teoria dos jogos de soma não nula e representa a prova cabal de que a cooperação compensa. Podem existir dois vencedores no jogo. Não importa os valores das penas, mas calcular as vantagens da decisão de um interveniente que está interligada à decisão do outro. A confiança, a cooperação é fundamental e a traição é perniciosa…

Casos como este são recorrentes na economia, sociologia, ciência política, biologia…

A cooperação de ambos representa o “óptimo de Pareto”, porque não é possível o prisioneiro “A” melhorar a sua situação sem prejudicar a situação do outro colega e vice-versa. No entanto a não cooperação de ambos representa o “equilíbrio de Nash”, porque nenhum dos prisioneiros tem a ganhar alterando a sua estratégia unilateralmente e a estratégia que lhe traz mais benefícios é a liberdade. O “equilíbrio de Nash”, neste jogo, culmina numa situação pior porque se ambos culpam o colega acabam por ficar presos mais tempo (5 anos cada um).

Para concluirmos que a melhor decisão é a cooperação, por analogia iremos utilizar a Alemanha e a Grécia, como representantes de duas regiões. O norte e centro da Europa (Alemanha, Áustria, Finlândia, Holanda, França, etc) e o sul da Europa (Grécia, Portugal, Espanha e Itália).
A) Confiam no outro prisioneiro (país) e permanecem calados (cooperando ambos os países). A Grécia assume um papel responsável e faz os ajustamentos necessários para reabilitar a sua economia e a Alemanha permanece solidária. Existe sempre o risco de um país trair o outro. B) Culpam o outro prisioneiro (país) e não cooperam, não realizando os ajustamentos (Grécia) ou não são solidários (Alemanha) e esperam ser libertados (beneficiados financeiramente). No entanto se o outro país fizer o mesmo, ambos ficarão numa situação pior do que se permanecessem calados (cooperativos).
Num processo pontual, caso do “dilema do prisioneiro clássico”, os suspeitos (países) podem pensar que compensa arriscar e culpar e trair o outro colega (país), não fazendo os ajustamentos (Grécia) que deve fazer e beneficiar da benevolência do outro suspeito (Alemanha) que havia confiado na Grécia. Mas se o processo for repetido várias vezes, for um processo dinâmico e os suspeitos (países) voltam a encontrar-se como acontece neste caso da Zona Euro, os países tendem a cooperar das próximas vezes.

No “dilema do prisioneiro iterado” (ou seja repetitivo), a cooperação pode alcançar-se como um resultado de equilíbrio. Quando se repete o jogo, oferece-se a cada jogador (país) a oportunidade de penalizar o outro jogador (país) pela não cooperação em jogos anteriores. Assim, o incentivo para não cooperar pode ser superado pela ameaça das penalizações, o que conduz a um resultado melhor, ou seja a cooperação. Ver quadro2


A saída da Grécia do euro é um dado adquirido para alguns investidores e uma incerteza para outros, mas a situação é tudo menos previsível. A saída da Grécia do euro pode estar já acomodada pelos bancos e pelo sistema financeiro europeu, mas a concretização desta possibilidade será sempre uma novidade, um precedente, uma brecha na União Monetária. Provavelmente, a Alemanha fará quase tudo para que isso não aconteça… E por quase tudo entende-se tudo, com excepção da criação de moeda pelo BCE (Banco Central Europeu) sem suporte de produção. Mesmo aqui a Alemanha poderá abrir uma excepção e permitir uma flexibilização monetária, através da emissão de notas de banco ou criação de dinheiro electrónico (colocado digitalmente no passivo dos balanços dos bancos comerciais e no activo do BCE), ou o próprio BCE comprar directamente, em mercado primário, dívida pública espanhola e italiana para impedir que as respectivas yields passem acima, por exemplo, dos 4%. Mas esta excepção seria imperativamente temporária e numa situação limite, como uma forma de ganhar, "comprar" tempo até os países-membros da Zona Euro encontrarem uma forma política para ultrapassarem o problema. E antes desse último recurso, ainda existia a solução que passaria por poupança real como seja o Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF)...
Na eventual saída da Grécia do euro, é provável que os títulos dos países mais fragilizados financeiramente sejam mais penalizados, caso dos activos financeiros portugueses. Mas os títulos dos países periféricos, dos países do norte da Europa e do resto do mundo não saem incólumes a uma saída da Grécia do euro, ainda que controlada. A amplitude da crise gerada continua a ser uma incógnita, mas se acontecesse há 2 anos atrás teria efeitos muito mais graves...

Se a Alemanha se fechar, não cooperar, perderá. O mesmo acontecerá à Grécia. A Alemanha terá muito mais a ganhar em cooperar do que em fechar-se sobre si própria e permitir a saída da Grécia do euro, é como abrir uma caixa de Pandora. A Grécia tem mais a ganhar em cooperar do que fechar-se sobre si própria, sair do euro e viver uma situação de colapso financeiro.
O Quadro2 pode ser bastante explicativo, mas é apenas académico. É preciso que os políticos e os povos estejam conscientes dos graves problemas que pairam sob a UE e se mostrem cooperantes para ajudar na restauração da reintegração europeia. Existe uma série de grupos de interesse, de pressão que não querem cooperar. Existem elites que são anti-reformas.
Mas estarão os contribuintes alemães receptivos para cederem mais dinheiro dos seus impostos para reabilitar as economias do sul da Europa? O governo alemão terá que ter a capacidade para demonstrar ao seu povo os benefícios de pertencerem a uma integração económica, ainda mais num mundo com uma população crescente, no qual a voz da Europa só se fará ouvir como um todo. (Veja-se o que acontece nas ONU, o veto de um país como a China, Rússia ou EUA tem peso, enquanto que o veto da França ou da Inglaterra de nada vale. Deveria ser a União Europeia a ter assento permanente na ONU. O Brasil já luta por isso).
A economia grega estava e continua a estar sob uma bolha que tem que ser ajustada. Os gregos estarão dispostos a mais ajustamentos na sua economia? O governo helénico terá que explicar aos gregos que não existe outro caminho. Depois destas compreensões e cooperações, com mais responsabilidade e solidariedade, os países do sul poderão beneficiar de financiamento idêntico, com taxas de juro idênticas à da Zona Euro setentrional e os países do norte poderão integrar uma Europa como um todo. A não cooperação levará a um final que ninguém deseja e todos desconhecem.
O dilema norte/sul. O que se passa na Zona Euro é já um problema cultural …

Paulo Monteiro Rosa, economista, 24 de Agosto de 2012

Publicado na ATM / Analistas Mercados Capitais

http://www.associacaodeinvestidores.com/index.php/artigos-e-teses/63-artigos/244-a-seleccao-natural-e-o-dilema-do-prisioneiro-grecia-e-a-europa

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.