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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

ANTES DE REESTRUTURAR A DÍVIDA, PARE, ESCUTE E OLHE

Uma reestruturação da dívida pública implica uma renegociação com o objetivo de reduzir o valor do stock de dívida. Por definição, está ligada a um incumprimento que pode passar por um mero atraso no pagamento dos juros ou na amortização de capital, ou, mais grave para a credibilidade e novo acesso aos mercados, um "haircut", ou seja a perda de parte do capital dos credores.

Normalmente, e assim aconteceu na Grécia, as perdas são infligidas apenas aos detentores de obrigações do tesouro (OT, dívida com prazo superior a um ano). Os bilhetes do tesouro (BT, dívida de prazo igual ou inferior a 12 meses) não são abrangidos pelos "haircut". Os Certificados do Tesouro e de Aforro, financiamentos ao Estado por parte essencialmente das famílias, também não costumam ser alvo de reestruturações.
Por isso a Grécia viu vedado apenas o mercado de OT e continuou a financiar-se através da emissão de BT, apesar de taxas bastante elevadas. Os BT seguem, como referência, as taxas das OT do mercado secundário.

Caso a reestruturação seja unilateral, o evento é considerado um incumprimento e as agências de rating imediatamente classificam a dívida com o nível "D" de "default". Caso haja uma participação voluntária dos credores, pode existir ou não um incumprimento ou apenas renegociação.
De qualquer forma, falar-se em incumprimento pode espoletar, só por si, uma subida significativa das yields das OT porque os investidores apressam-se a vender as OT, a cotação desce e a sua rentabilidade (yield) sobe.

Não será exato dizer que os mercados "atacam a dívida" de determinado país. Os mercados defendem-se da expectativa de perdas futuras mais avultadas. Não devemos esquecer-nos de que o mercado está sempre na mão dos compradores. Não é imperativo para um investidor comprar dívida pública portuguesa, ou outro ativo financeiro qualquer.

O comprador vai esperar pela oportunidade certa para entrar no mercado. Porém, existem vendedores que não podem esperar. Existe sempre a propensão para efetuar vendas, porque poderemos precisar de realizar dinheiro para investir noutro ativo financeiro, na compra de uma casa, na aquisição de uma empresa.
Por isso as descidas são rápidas quando quase não há compradores, e as subidas se fazem mais devagar, pois existem sempre vendedores. Os credores serão os principais penalizados. Se alguém empresta dinheiro, obviamente quer receber o dinheiro emprestado, com os juros acordados e no tempo estipulado. Caso haja um incumprimento, ninguém emprestará mais dinheiro a essa pessoa. Quem empresta perante a probabilidade de não reaver o seu dinheiro?
Porém, os fundos especulativos estarão propensos a emprestar dinheiro passados poucos anos do “default”. Além disso a memória de muitos investidores é curta… e voltam mais cedo, do que seria de esperar, a comprar dívida de países que incumpriram.

Apesar do Banco Central Europeu estar a comprar dívida pública nacional, há duas semanas a taxa de juro implícita (yield ou rentabilidade) da OT a 10 anos portuguesa cotou ligeiramente acima dos 4.5%. Nestes valores é muito difícil um financiamento através do mercado, porque o serviço da dívida aumentaria substancialmente e consequentemente o défice orçamental. Mesmo aos valores atuais de 3.5%, seria mais vantajoso ser financiado pela Troika, mas teríamos que seguir o guião, para as metas das contas públicas. Dirão alguns que um orçamento do Estado elaborado sob a rigidez da Troika seria mais saudável para as contas públicas devido ao seu rigor, do que por um governo legitimamente eleito pelo povo. Será assim? Sabemos de antemão que as populações querem dinheiro no bolso no presente, o futuro é o futuro…

Existem apenas quatro agências cujo rating serve de referência para a elegibilidade para a compra do BCE, que tem que ser "investment grade": a S&P, a Fitch e a Moody's, que mantêm a dívida pública portuguesa como "não investimento", ou seja, "junk bond". A única agência de rating que nos permite aceder às compras do BCE, porque mantém o nosso rating um patamar acima de "junk bond", e assim torna a nossa dívida elegível para ser comprada pelo BCE no âmbito do QE iniciado em março de 2015, é a DBRS. Ela irá pronunciar-se novamente a 29 de abril.

Paulo Rosa In "Vida Económica", 26 de fevereiro de 2016.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A ORIGEM DAS CRISES FINANCEIRAS



O dinheiro criado pelos bancos centrais, ao abrigo de diversos planos de "estímulos à economia", não foi emprestado às empresas, para que retomassem o investimento, criassem emprego e a economia crescesse, porque já existia um ótimo na utilização da capacidade empresarial instalada. Esse dinheiro novo foi largamente aplicado nos mercados financeiros, criando bolhas financeiras que, quando surgir o ajustamento, poderão repercutir-se na economia real, tal como aconteceu em 2008. Ainda o ano passado, o programa de Quantitative Easing (QE) do Banco Central Europeu (BCE), trouxe dinheiro novo que serviu para estimular as obrigações e o mercado de ações durante alguns meses, com o principal índice alemão, o Dax, a subir cerca de 30% desde janeiro até meados de abril. Tinha ganhado, por antecipação, mais de 10% de setembro de 2014 até ao final desse ano.

Se por absurdo todas as pessoas estivessem doentes, então o PIB seria zero, porque não haveria ninguém para produzir, para cuidar das crianças e dos mais velhos. Uma população extremamente envelhecida tem um impacto idêntico a uma população doente. Se por absurdo só existissem idosos a necessitar de cuidados de saúde, a riqueza produzida seria zero, porque tal como uma população doente, não haveria ninguém para trabalhar! Então se a população, de um modo geral, não está doente como é possível existirem crises económicas? O dinheiro criado pelos bancos centrais gera ciclos económicos. Acelera os períodos expansionistas e amplifica, devido ao necessário ajustamento de um “boom” artificial”, as fases de crise e depressão económica.
As inovações tecnológicas, o surgimento de novas energias, podem criar um atrito pontual na economia, mas jamais crises. Bem pelo contrário, a riqueza e as condições de vida melhoram.

Mesmo o choque petrolífero de 1973, com os preços do petróleo a quadruplicaram, que transferiram riqueza dos países não produtores dessa matéria-prima para os que a produziam, contribuíram para uma crise económica que foi intensificada pelas políticas monetárias inflacionistas dos bancos centrais. A Reserva Federal dos EUA havia enveredado por políticas expansionistas para colmatar a crise económica de 1970, o crescimento do seu défice comercial e os danos provocados pelo fim do sistema monetário Bretton Woods em vigor desde 1944, e suspenso unilateralmente pelos EUA em agosto 1971, altura em que a Fed Funds Rate era de 5.5%. Em outubro de 1973, início da subida do preço do petróleo, estava nos 10%.



O dinheiro criado pelos bancos centrais não é economicamente real?

Para receberem o novo dinheiro do BCE os bancos nacionais entregam, em troca, títulos de dívida pública. Porém, os montantes de moeda e de poupança na economia ficam enviesados pela entrada deste novo dinheiro. Os detentores de poupança, além de a verem perder valor, serão impelidos a gastar mais porque o stock de moeda aumenta, logo a taxa de juro desce e já não compensa poupar. Alguns investimentos, alicerçados nessa poupança, ficam sem suporte.

Os novos investimentos procuram setores com rentabilidades aliciantes e de curto prazo. Neste momento, poderemos estar a assistir a um novo boom, ainda que muito contido, na construção em Portugal. Existem nos créditos à habitação de 1.75% e com os indexantes em todos os prazos negativos, quer sejam a Euribor a 3 meses, 6 meses ou 12 meses. A partir de 2011 os spreads, em Portugal, subiram de 1% para níveis à volta dos 5%, e o mercado imobiliário sofreu uma retração e a construção esteve parada nos últimos 4 anos.

A riqueza produzida por um país não pode ser estimulada por mais consumo. Como referia o economista francês Frédéric Bastiat, na "Falácia da Janela Quebrada", se uma criança parte um vidro, o pai vai ter que pagá-lo, estimulando a indústria vidreira. Mais crianças partissem vidros e a indústria vidreira e a economia por arrasto teriam um forte impulso. Todavia, o pai da criança ao pagar o vidro ficaria sem dinheiro, por exemplo, para comprar uns sapatos, e esta indústria seria penalizada. É uma soma nula, uma falácia. Quando consumimos um produto, não só abdicamos de consumir outro, como o dinheiro que é utilizado para consumo não poderá ser poupado e haverá menos dinheiro para novos investimentos.

Na década 30, o famoso confronto entre Keynes e Hayek acabou por definir a economia moderna, com a maioria das vozes a dar vitória ao primeiro. A doutrina de Keynes passou a ser uma referência para os governantes vindouros que, para enfrentar as crises económicas originadas pelos bancos centrais, endividam-se sucessivamente para financiar os gastos públicos, como preconizava Keynes, e perversos efeitos crowding out surgem, que no longo prazo levarão a crises económicas e à necessidade de ajustamentos. É uma política muito popular e apreciada pelos políticos e pela sua agenda eleitoral. Em 1974, a dívida pública portuguesa era de 15% do PIB, os cofres estavam vazios de dívida, hoje é de 130%.

Hayek media a riqueza produzida com triângulos. Estes eram constituídos por vários estágios, desde a extração à distribuição e consumo, passando pela produção e armazenagem, que iam aumentando de tamanho devido ao valor acrescentado do estágio anterior para o seguinte. Os triângulos eram tantos maiores, e logo maior a riqueza produzida (PIB), quantos mais estágios tivessem, dependentes de inovação e desenvolvimento (I&D). Mais estágios conduziriam ao deslocamento para a direita da curva de possibilidades de produção. Uma maior produção de máquinas, com capital proveniente da poupança real, levaria a uma maior produção de bens. Apesar dos recursos serem escassos, com maior produtividade poderemos obter mais riqueza.

Para debelar as crises económicas, deveremos enveredar por políticas que estimulem a poupança e o investimento e diminuam a intervenção dos Bancos Centrais, nesta matéria. Talvez, focando-se quase exclusivamente numa cabal supervisão do sistema bancário.

Paulo Rosa, economista, In Vida Económica 12 de fevereiro de 2016




 

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.