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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A Decadência da Economia Ocidental, a Globalização e o Keynesianismo.

Portugal e a maior parte dos países ocidentais descuraram o sector industrial, onde reside a riqueza e o valor acrescentado para as exportações e a sustentabilidade de um Estado Social.
A nossa indústria é o turismo. Temos excedente comercial no sector vinícola, no montante de 550 milhões de euros, e em mais alguns sectores de actividade. O défice comercial ronda os 16 mil milhões de euros, 10% do PIB. Importamos petróleo, bens duradouros, carros da Alemanha...

Os salários alemães são praticamente os mesmos de há 10 anos atrás. Os salários alemães são superiores aos portugueses, mas estão de acordo com PIB per capita germânico...
A vantagem da Alemanha está na indústria ligeira. O sector industrial corresponde a 50% da actividade económica, um valor semelhante aos serviços. A agricultura tem um valor residual como é característica dos países desenvolvidos. A Alemanha, alguns países nórdicos e Irlanda não descuraram a importância fulcral da indústria numa economia. E como o sector industrial está na base do Estado Social, Welfare State, que tem a sua fase de experimentação com Otto Bismark, na Alemanha, no séc. XIX, no auge da revolução industrial. Os benefícios que traria para uma sociedade mais equitativa e com uma reduzida e mesmo ausência de atritos sociais. Uma repartição pelos trabalhadores dos ganhos gerados pelo forte crescimento económico, baseado na indústria e nas suas exportações. 

O "Welfare state" foi aprofundado pelo pensamento Keynesiano e surge como resposta ao evoluir da economia na Europa. Apesar de ser um sistema em crise nos dias de hoje, esteve bastante presente durante toda a segunda metade do século XX.
Entre os seus objectivos há dois essenciais: a garantia do bom funcionamento do mercado, segundo o pensamento de Adam Smith e a defesa dos direitos dos cidadãos na saúde, educação e igualdade de oportunidades. 

Os salários deveriam ser mais elevados se tivermos em conta a teoria dos salários de eficiência, que motivam mais o trabalhador? Provavelmente. Mas para isso é preciso ter dinheiro. Um banco Central próprio que não existe neste momento. Imprimir moeda e esperar que o trabalho gere mais riqueza, para não ser absorvido pela inflação. Na teoria quantitativa da moeda, a massa monetária é igual ao produto dos preços pelo volume produzido, tendo em conta a velocidade de circulação da moeda constante no longo prazo. A equação: MV=PT (massa monetária X velocidade circulação = Preços X Volume produzido).
Neste momento não podemos emitir moeda. Entregámos essa função ao Banco Central Europeu (BCE), em troca da participação numa moeda e numa zona monetária, apesar desta mostrar debilidades, porque carece de uma política orçamental centralizada.

A questão não está na austeridade, no honrar das nossas dívidas, que obviamente queremos cumprir. Mas do querer cumprir ao conseguir cumprir vai uma distância abismal. O problema está precisamente no crescimento. Sem crescimento não há pagamento da dívida. O problema é que o nosso crescimento assenta em premissas erradas, baseado no consumo interno, e parte deste consumo é realizado a crédito proveniente do estrangeiro. Temos que crescer com base no investimento, na redução das importações e aumento das exportações. Refrear o consumo interno e as importações só se consegue com políticas económicas, nomeadamente orçamentais, que penalizem o consumo interno e as importações e incentivem o investimento e as exportações.

Provavelmente e infelizmente teremos que contrair para ganhar balanço para um novo paradigma de crescimento. Provavelmente a nossa economia padece de uma bolha, porque está alavancada com capitais externos. Não existem só bolhas no imobiliário, acções, obrigações... E sem crescimento é possível que uma reestruturação da nossa dívida seja uma realidade num futuro próximo.

Muito se tem falado de Keynesianismo no último ano e a adopção de políticas keynesianas para resolução da actual crise financeira. Depois da grande depressão de 1929, Keynes elaborou a Teoria Geral do emprego, taxas de juro e moeda em 1936. Chegou à conclusão que havia um desfasamento entre a produção e a procura. Como as pessoas não tinham dinheiro para comprar a tudo que era produzido, então teria que haver alguém a substituir as pessoas e fazer essa despesa. O Estado deveria injectar dinheiro na economia, para o crescimento económico voltar. Mas a teoria keynesiana funciona numa economia fechada. Hoje as economias, nomeadamente depois de 1990 com a liberalização do comércio internacional, são globalizadas.

Se alguém receber do Estado 200 euros, provavelmente, vai gastá-lo logo num produto importado. Vai comprar um carro novo e o dinheiro vai parar ao estrangeiro. Uma empresa recebe incentivos às exportações e compra matérias-primas na China. A população recebe subsídios e abonos e provavelmente irá comprar roupa chinesa porque é mais barata que a nacional - Existem muitas empresas portuguesas de marca com relativa qualidade que produzam na China, o caso da "Sacoor Brothers". Então a política de maiores gastos públicos para fazer crescer a economia, será contraproducente, principalmente numa economia bastante aberta como a portuguesa. Quanto mais aberta for a economia, menor será o efeito keynesiano. Poderá fazer ainda algum sentido nos EUA, onde o comércio internacional tem um peso de apenas 10%. Mas em Portugal com um peso de 50% faz menos sentido. O dinheiro vai parar ao estrangeiro, ou através de consumo de produtos importados ou mesmo colocando dinheiro em bancos estrangeiros.

"A riqueza das nações" de Adam Smith explica com clareza quais são as políticas que devem ser levadas a cabo por um governo, estimulando o sector secundário para depois exportar e obter divisas aos países estrangeiros. A desindustrialização foi um erro quer em Portugal, quer em muitos países da Europa e nos EUA. Devemos procurar excedentes comerciais. E não podemos conviver com sucessivos défices públicos. Este ano será, se tudo correr bem, de 5,9%. Mas deveria ser perto de zero, caso contrário estamos sempre a acrescentar mais peso à dívida pública.

Existe uma latente decadência da economia ocidental. A globalização trouxe com ela o aparecimento de novas potências económicas como a China, o Brasil e a Índia.

O crescimento económico no ocidente é idêntico a uma função que, em matemática, se apelida de função potência. Cresce a ritmos decrescentes. O crescimento era de 7% na década de 50 e 60, nos anos 70 e 80 de 4%, na década de 90 de 3%. E entre 2000 e 2010 cresceu a um ritmo anual inferior a 2%. Os excedentes comerciais deram lugar a défices comerciais. A indústria foi deslocalizada para a China. Este país, maior exportador mundial de bens, a par com a Alemanha, produz hoje todas as grandes marcas europeias e norte-americanas. A Dell, a Microsoft, a Nokia, a Apple, e muitas outras empresas têm fábricas na China. Neste momento é provável que esteja a ler este artigo num computador de marca ocidental, mas fabricado na China...

Paulo Monteiro Rosa, economista, 31 Outubro de 2011.



sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Cimeira da UE na passada quarta-feira dia 26 de Outubro.

A Cimeira dos chefes de governo da União Europeia (UE), na quarta-feira, ficou marcada por decisões meramente técnicas: aumento do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) de 400 mil milhões de euros para 1 bilião de euros, perdão da dívida pública grega em 50%, recapitalização dos bancos europeus, mais um empréstimo de 110 mil milhões de euros para a Grécia. As decisões técnicas servem para acalmar os mercados, dar-lhes alguma tranquilidade, mas não resolvem os problemas fundamentais da Europa. As decisões políticas, que provavelmente poucos estariam à espera delas, estiveram ausentes da cimeira. E sem decisões políticas de fundo na UE os problemas permanecem, sejam eles da moeda única ou da dívida pública dos países europeus.

A Zona Euro necessita de uma real política económica. Uma moeda precisa dos dois pilares a funcionar em pleno: política monetária e política orçamental. A política monetária existe desde a construção do euro, em 1999, e está centrada no Banco Central Europeu (BCE). Urge a criação de um orçamento único, centrado num organismo europeu que poderá ser o Parlamento Europeu. Política orçamental sustentada por um federalismo, por uma união política. Os parlamentos nacionais teriam de abdicar do instrumento do Orçamento do Estado (OE). Provavelmente seria positivo no que concerne à agenda eleitoral que acompanha cada Orçamento, porque se assistiria a uma menor pressão dessa mesma agenda. Em Portugal existem défices orçamentais há 37 anos consecutivos. Os défices iniciais foram aceitáveis, porque se partiu de uma base de dívida pública de 15% do PIB e era preciso financiamento para desenvolver o país. Mas a partir do momento que a dívida pública ultrapassa determinados níveis, por exemplo 60% do PIB, torna-se insustentável manter os juros subjacentes e provavelmente pagá-la.

A construção europeia está a vacilar desde 2008. Ou se caminha para mais integração ou provavelmente o projecto europeu poderá terminar, acarretando consequências imprevisíveis. Uma união política é sempre muito difícil de se concretizar, porque na Europa vivem muitos povos. Na Alemanha vivem alemães, em Portugal vivem portugueses, na Finlândia vivem finlandeses. Olhando para o lado de lá do Atlântico, nomeadamente nos EUA, na Califórnia vivem americanos, no Estado de Nova Iorque vivem americanos, na Pensilvânia vivem americanos. Aquando da união da Itália no séc. XIX, alguém referiu que agora que unimos a Itália, vamos agora unir os italianos. Também não se pode caminhar para uma integração mais complexa, sem uma participação mais assídua do povo na construção europeia. A população tem que sentir a cidadania europeia…

O perdão da dívida pública grega foi, provavelmente, um erro crasso. Mas, neste momento crucial e sem decisões ao nível político, não existia solução melhor, foi talvez um mal necessário. A Grécia, provavelmente, demorará muitas décadas para voltar ao mercado e a reputação e confiança na UE foi abalada. Porém, não podemos esquecer que os agentes económicos têm memória curta e no que respeita aos seus investimentos, elaboram uma avaliação criteriosa do risco/retorno e caso haja condições quer de fidúcia na economia grega, quer de crescimento económico, nos próximos anos poderemos voltar a ver investidores a comprar dívida pública grega. A Europa já devia ter resolvido o problema há mais de um ano. O perdão à Grécia foi abrir um precedente e premiar quem não cumpre. Os particulares vão ficar sem metade do dinheiro que investiram em dívida grega. Os bancos vão ser capitalizados e o contribuinte terá que arcar com o custo, mas é para segurar os seus depósitos e a estabilidade do sistema financeiro.

O BCE pode abdicar de uma postura idêntica à do antigo Bundesbank? Mudar os estatutos, através da alteração de Tratados Europeus por decisão política? Criar moeda como faz a Reserva Federal dos EUA? Injectar liquidez na economia através de um “Quantitative Easing”, caracterizado pela compra por parte do Banco Central, através da impressão de moeda, de títulos de dívida detidos pelos bancos. Estes últimos, após a operação, têm liquidez para emprestarem aos agentes económicos, nomeadamente ao tecido empresarial necessitado de dinheiro para colmatar falhas de tesouraria, por falta de pagamento de clientes com problemas idênticos, um ciclo vicioso, um vórtice que suga toda a economia. No entanto, a inflação viria a seguir e seria ela a pagar a crise…

Quem irá financiar o FEEF? Mais uma vez aforradores da Europa setentrional com uma cultura de poupança. Países asiáticos, como a China, Singapura, Qatar, que poupam cerca de 30% do que ganham, porque não têm um sistema social idêntico ao dos países a quem emprestam dinheiro. As populações destes países precisam de amealhar para a reforma.

Quanto a Portugal, os próximos anos vão ser bastante difíceis. A descida significativa do rendimento disponível e o aumento do desemprego serão entraves para o país se financiar através dos mercados nos próximos anos. Segundo o Memorando assinado por Portugal com a Tróica, o financiamento via mercado em 2012 já será de 20%, em 2013 de 80% e a partir de 2014 as contas públicas têm que estar saneadas para se poder financiar integralmente através dos mercados. Mas sem crescimento económico isso será muito difícil de acontecer. Uma reestruturação da dívida poderá não ser uma miragem.
As medidas vão continuar a ser tomadas a “céu aberto”, ganhando competitividade via redução salarial. A ausência do instrumento de desvalorização cambial, caracterizado pela sua forte anestesia, não permite “esconder” estas políticas, e perante a sua visibilidade o cenário de manifestações e contestações sociais menos convencionais poderá ser uma realidade num futuro próximo. Há 25 anos atrás, na década de 80, aumentavam-se os salários 20%, em termos nominais, mas desvalorizava-se a moeda 30%, os trabalhadores tinham uma descida real dos salários de 10%. O valor acrescentado dos produtos portugueses é baixo, ao contrário por exemplo dos produtos alemães. Não seriam necessárias desvalorizações caso os nossos produtos fossem intensivos em capital. A Alemanha, apesar de produzir bens com elevado valor acrescentado, controlou também os salários nos últimos 10 anos, o que lhe permite, a seguir à China [190 mil milhões de euros], ser o país do mundo com maior excedente comercial [150 mil milhões de euros].
Paulo Monteiro Rosa, economista, 28 de Outubro 2011


Publicado na ATM - Analistas de Mercados de Capitais
http://www.associacaodeinvestidores.com/index.php/artigos-e-teses/63-artigos/186-cimeira-da-ue-na-passada-quarta-feira-dia-26-de-outubro


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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.