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sexta-feira, 29 de abril de 2016

AS NOVAS OBRIGAÇÕES DO TESOURO PARA PARTICULARES

Sempre que o Estado precisa de se financiar no mercado, emite Obrigações do Tesouro (OT) e Bilhetes do Tesouro (BT), em operações reservadas, e asseguradas, por um conjunto de instituições financeiras a quem é dado acesso especial a esse mercado primário, um estatuto reservado quase exclusivamente aos bancos. O público em geral só podia comprar OT ou BT, "em segunda mão" aos bancos, no chamado mercado secundário.

Ora, o governo criou um novo produto de poupança para o retalho, as "Obrigações do Tesouro de Renda Variável" (OTRV), permitindo ao público em geral comprar obrigações em mercado primário, isto é, ao preço e no momento inicial da vida da obrigação.
O investimento mínimo, por investidor, é de 1000 euros, podendo subscrever apenas múltiplos de 1000 euros até um máximo de um milhão de euros. Caso a procura exceda a oferta, há rateio. Os interessados devem manifestar as intenções de compra junto dos bancos. O prazo desta 1ª emissão é de 5 anos, mas pode haver emissões de até 10 anos, prazos em que ocorre o reembolso total do investimento. O investidor pode desinvestir antecipadamente vendendo na Euronext Lisboa, onde estes títulos estarão cotados, tal como acontece nas ações, OT e obrigações "corporate".

Novos investidores podem, a cada momento, adquirir OTVR no mercado. Nesta 1ª emissão, que arrancou a 26 de abril e termina a 16 de maio, o montante de colocação é de 350 milhões de euros, que pode aumentar, consoante o interesse. A taxa de juro é de 2.2% acrescida da Euribor a 6 meses que, caso seja negativa, não será tida em conta. Se as taxas de juro subirem nos próximos 5 anos, então a remuneração será maior. Há comissões bancárias de subscrição, guarda de títulos e pagamento de juros a ter em conta, bem como 28% de imposto a pagar, como acontece sempre que há pagamento de juros e dividendos.

Nestas OTRV, há que avaliar os riscos de o emitente (o Estado) não pagar os juros periódicos ou não reembolsar o capital investido na maturidade, daqui a 5 anos. Haverá também risco de capital, se o investidor quiser vender antes dos cinco anos, em mercado, numa altura em que o preço esteja abaixo do preço a que comprou.

Estas OTVR são mais semelhantes aos Certificados de Aforro e Certificados do Tesouro: têm um caráter de aforro e a sua colocação é destinada ao público em geral, pelo que, tal como esses instrumentos, deverão estar poupados a perdas em caso de renegociação de dívida, ou bancarrota (default). O mercado de dívida esteve vedado à Grécia e a Portugal durante os períodos de resgate. Porém a República Helénica continuou a financiar-se no mercado através da emissão de BT, por vezes com taxas de juro a rondar os 20%. Portugal emitiu sempre BT entre abril de 2011, quando pediu ajuda externa, e junho de 2014. Na Grécia a reestruturação da dívida pública, de abril de 2012, com um "haircut" de mais de 50% no valor da dívida, só se aplicou às OT. Os BT foram sempre pagos integralmente. Se os BT, instrumentos de dívida de curto prazo e cuja emissão em mercado primário é assegurada por bancos, foram sempre pagos, a probabilidade de um instrumento de dívida criado para o retalho, como as OTRV, ser sempre pago é mais elevada.

Tendo em conta o risco implícito, as OTRV têm uma rentabilidade muito atrativa face às alternativas para o mesmo nível de risco. A SAD do Benfica, por exemplo, tem em curso uma emissão de 50 milhões de euros a 3 anos, com uma taxa de juro de 4.25%, porque o Benfica é uma marca credível e reconhecida internacionalmente. No entanto, o clube Benfica não é a SAD, que tem um risco acrescido. A SAD pode ser reestruturada, no limite acabar, e o Benfica continuar… a ser campeão?

Paulo Rosa, Jornal "Vida Económica" 29 de abril de 2016



sexta-feira, 15 de abril de 2016

UMA DÉCADA PERDIDA PARA A RENTABILIDADE DA BANCA

A descida das taxas por parte do Banco Central Europeu (BCE) e a injeção de dinheiro através do "Quantitative Easing" têm garantido a liquidez e solvabilidade ao setor bancário europeu. No entanto, a redução das taxas diminui a rentabilidade à banca. Segundo analistas, por cada 10 pontos base de descida da taxa de juro pelo BCE, a rentabilidade dos bancos desce 5%. Dados revelados pelo FMI esta semana concluem que os juros negativos podem tirar 40% dos lucros da banca nacional. Ou seja, o problema dos bancos não é tanto de liquidez ou de solvência, mas de rentabilidade.

Os depósitos à ordem que são utilizados para conceder crédito - com base no regime de reservas fracionárias que rege o sistema bancário, espelhado na legislação como depósitos irregulares art. 1205º Código Civil – têm vindo a registar uma redução das margens dos bancos no que concerne aos empréstimos concedidos. Os depósitos à ordem não têm qualquer remuneração. Os bancos não pagam, por regra, juros nos depósitos à ordem e a receita gerada pelo seu empréstimo tem descido, porque se empresta cada vez mais a taxas mais baixas.

No entanto, os bancos têm conseguido assegurar alguma rentabilidade beneficiando dos ganhos na carteira própria, que gera lucros com a subida das bolsas, das ações e das obrigações, impulsionadas pelas medidas monetárias expansionistas do BCE.

Quando os mercados começarem a corrigir, a rentabilidade dos bancos poderá descer drasticamente e gerar um ciclo vicioso: a queda das ações dos bancos arrastará a queda da bolsa que desvalorizará a carteira própria dos bancos, e, consequentemente, penalizará as cotações dos bancos…

No início do ano, a banca europeia foi dos setores mais penalizados, mas as preocupações resultavam sobretudo da descida da cotação do petróleo e do desempenho da economia chinesa. Os problemas que a banca poderá atravessar nos próximos tempos pela manutenção das taxas baixas, na sua maior parte negativas, pode não estar ainda totalmente interiorizados pelos investidores.

O elevado crédito malparado é outro problema que preocupa os gestores bancários, e não é só em Portugal. Ainda esta semana, vários analistas referiram que os resultados da banca norte-americana neste primeiro trimestre devem ser mais fracos por essa razão.

Os bancos ganham dinheiro com os empréstimos concedidos, com os ganhos da carteira própria, com a intermediação financeira e comissões cobradas pela manutenção da conta, pela custódia de títulos, com lançamentos de operações mensais desde créditos à habitação passando pelo pagamento de dividendos, entre outras. Assim sendo, as comissões tenderão a ser cada vez mais elevadas para compensar as perdas nos outros negócios. A banca vai preferir arriscar menos e cobrar mais pelos seus serviços, dando sustentabilidade e solidez ao sistema bancário.

A economia portuguesa tem um crescimento anémico há quase 15 anos que se deve manter, senão mesmo agudizar. O frágil crescimento também penaliza os resultados bancários. Os principais bancos portugueses, o BCP, o antigo BES, a Caixa Geral de Depósitos, sobrevivem há anos através de sucessivos aumentos de capital, com injeções de dinheiro por parte dos donos.

O desempenho em bolsa dos bancos cotados não deve ser animador nos próximos tempos, tal como não o foi desde 2000, com perdas à volta dos 90%. Quem detinha ações do BCP em 2000, e as manteve até hoje, está a perder cerca de 97.5%, além de que teve que acompanhar os aumentos de capital, colocar mais dinheiro no banco. O BPI perde 80% desde o início de 2008.

Paulo Rosa In "Vida Económica" 15 de abril de 2016



sexta-feira, 8 de abril de 2016

O ORÇAMENTO DO ESTADO 2016 E A BOLSA

Para o bem ou para o mal, o Orçamento do Estado para 2016 traz poucas novidades para o mercado de capitais. As taxas de tributação, das mais-valias ou dos dividendos provenientes da negociação de valores mobiliários mantém-se nos 28%, a mesma que incide sobre os juros nos depósitos bancários. Ou seja, não sobem, mas também não descem.

A taxa é já tão elevada (cerca de um terço do rendimento vai para o imposto) que, muito provavelmente, temos aqui espelhada a “fase descendente da curva de Laffer”. Possivelmente a economia portuguesa, como um todo, já se encontra na parte descendente desta curva pelo menos desde 2013, a qual podemos resumir no seguinte: à medida que a taxa de tributação aumenta, a receita gerada cresce até atingir um ponto ótimo de tributação, a partir do qual quanto mais se aumentar a taxa fiscal menor será a receita fiscal. No limite, se a taxa for de 100%, a receita será nula porque ninguém está disposto a trabalhar para entregar tudo ao Estado. Quando a taxa de tributação é de 0% não existirá receita fiscal. O aumento de receita que se esperaria com o alargamento da base de tributação pode não ser uma realidade.

Se para os investidores particulares não há novidades, para quem investe sob a forma de sociedade há, pelos menos, duas: a mais fácil de explicar é a que reduz o prazo para dedução de prejuízos fiscais dos atuais 12 anos para 5 anos. Esta alteração aplica-se aos prejuízos fiscais obtidos em períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2017. E apesar de o prazo de reporte dos prejuízos descer para menos de metade, o limite de dedução de prejuízos fiscais até 70% do lucro tributável do exercício em causa mantém-se.

A segunda grande alteração trouxe a reversão do regime de eliminação da dupla tributação dos lucros em sede de IRC, medida que influencia direta e negativamente a evolução das cotadas portuguesas.
O anterior regime estipulava uma isenção de IRC para os lucros resultantes da participação de uma sociedade noutra empresa cotada, desde que essa participação fosse, no mínimo, de 5% e detida durante, pelo menos, dois anos.

Com a aprovação do OE de 2016, essa isenção de IRC só será concedida a participações iguais ou superiores a 10%, detidas por período mínimo de um ano, sendo que esta alteração deve ser tida em conta para as participações detidas à data de aprovação do Orçamento do Estado. A este regime se chama o “participation exemption“.

Ou seja, é natural que sociedades que invistam nas cotadas portuguesas, como as sociedades gestoras de participações sociais ou de fundos mobiliários, perante o aumento da exigência deste benefício, optem por outras alternativas para investir.

Já desde os eventos da resolução do BES e do Banif, muitos investidores estrangeiros deixaram o mercado nacional. O caso BES teve repercussões colossais na bolsa portuguesa, desde a falência do próprio BES à quase falência da Pharol, antiga Portugal Telecom SGPS, passando pelo regresso de cinco emissões de dívida sénior do Novo Banco ao BES.

O que precisaríamos neste momento seriam decisões que atraíssem capital… Estas medidas podem afastar ainda mais os investidores internacionais dos nossos mercados e manter a economia portuguesa com crescimentos ténues, abaixo dos 2%, com contrações económicas mais frequentes, penalizando a bolsa nacional. Outros investidores veem defraudadas as suas expetativas, porque aquando da sua compra, por hipótese de 6%, de determinada empresa portuguesa estariam isentos do pagamento de imposto. Esta incerteza fiscal não é nada benéfica para o financiamento das empresas nacionais, que se irá, obviamente, repercutir no comportamento e na sustentabilidade do crescimento económico português.

Não é, assim, de estranhar que o PSI20, principal índice da bolsa lisboeta, se encontre nos 5 mil pontos, abaixo dois terços do seu valor de há 15 anos. Poderemos utilizar o OE e o desempenho da bolsa nacional como uma “proxy” para a relação entre o crescente Estatismo, um maior planeamento central do Estado e o fraco comportamento da economia portuguesa.

A bolsa portuguesa tem sido significativamente penalizada, em particular na última década, pelo efeito “crowding out”, que significa “expulsar”, mais na sua vertente orçamental do que monetária. Como o dinheiro não é “elástico”, o aumento dos impostos transfere dinheiro do setor privado para o público. Imaginemos um cobertor como o dinheiro existente numa determinada economia. Se grande parte dele for puxado para a esfera pública, consequentemente destapará e “expulsará” da economia muitas empresas privadas, que eram perfeitamente viáveis, devido ao aumento dos seus custos via subida da carga fiscal. A economia sairá fragilizada.

No que respeita à vertente monetária, quando o Estado aumenta a procura da poupança existente, o seu preço - a taxa de juro - irá subir e penalizar as empresas privadas que terão que pagar mais pelos seus financiamentos. Mas o Estado também não pagará mais pelas suas dívidas? Sim, mas pode sempre lançar impostos para compensar, agudizando o efeito “crowding out” e criando um círculo vicioso. Enquanto existirem contribuintes que o sustentem, o Estado jamais falirá!

O efeito “Crowding in” significa “amontoar” mais riqueza com o aumento dos gastos públicos. Segundo este efeito existe uma virtuosidade que gera um crescimento do PIB com uma unidade monetária gasta pelo Estado retirada do setor privado. Este efeito existe ou é uma mera falácia? Poderá verificar-se no curto prazo, mas se não for alicerçado numa procura efetiva por parte de toda a população por um determinado bem (uma ponte, uma estrada) que muito provavelmente só seria construída caso alguma empresa privada estivesse disposta a realizá-la ou todos os cidadãos tivessem interesse na sua construção e, assim, reúnem o dinheiro necessário para levar a cabo a obra. Imaginemos que numa determinada aldeia toda a população necessita de uma ponte, mas nenhum privado está disposto a construi-la porque não lhe é rentável, então toda a comunidade contribui com o seu trabalho e dinheiro para fazê-la. Caso não seja um acto voluntário dos cidadãos, mas uma planificação Estatal, estaremos talvez, na maior parte das vezes, perante dinheiro público que será investido e não criará mais riqueza… algumas vezes para realizar obras megalómanas. A justiça, a defesa, a segurança são bens públicos e que são fornecidos pelo Estado. Também a saúde e a educação, dois pilares fundamentais na criação de valor de uma civilização, o Estado deve garantir que ninguém é excluído. Porém, no longo prazo o efeito “crowding in” será, com alguma certeza, negativo…

Tendencialmente, e pela lógica humana, a gestão da coisa pública é mais displicente que a gestão privada. O cuidado não é o mesmo quando se trata do nosso dinheiro ou do dinheiro dos outros. Academicamente, e como exemplo, numa determinada sociedade que vive da pastorícia, os pastores usarão primeiro os pastos comunitários e só depois os seus...

Paulo Rosa In "Vida Económica", 8 de abril de 2016.



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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.