A Cimeira dos chefes de governo da União Europeia (UE), na quarta-feira, ficou marcada por decisões meramente técnicas: aumento do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) de 400 mil milhões de euros para 1 bilião de euros, perdão da dívida pública grega em 50%, recapitalização dos bancos europeus, mais um empréstimo de 110 mil milhões de euros para a Grécia. As decisões técnicas servem para acalmar os mercados, dar-lhes alguma tranquilidade, mas não resolvem os problemas fundamentais da Europa. As decisões políticas, que provavelmente poucos estariam à espera delas, estiveram ausentes da cimeira. E sem decisões políticas de fundo na UE os problemas permanecem, sejam eles da moeda única ou da dívida pública dos países europeus.
A Zona Euro necessita de uma real política económica. Uma moeda precisa dos dois pilares a funcionar em pleno: política monetária e política orçamental. A política monetária existe desde a construção do euro, em 1999, e está centrada no Banco Central Europeu (BCE). Urge a criação de um orçamento único, centrado num organismo europeu que poderá ser o Parlamento Europeu. Política orçamental sustentada por um federalismo, por uma união política. Os parlamentos nacionais teriam de abdicar do instrumento do Orçamento do Estado (OE). Provavelmente seria positivo no que concerne à agenda eleitoral que acompanha cada Orçamento, porque se assistiria a uma menor pressão dessa mesma agenda. Em Portugal existem défices orçamentais há 37 anos consecutivos. Os défices iniciais foram aceitáveis, porque se partiu de uma base de dívida pública de 15% do PIB e era preciso financiamento para desenvolver o país. Mas a partir do momento que a dívida pública ultrapassa determinados níveis, por exemplo 60% do PIB, torna-se insustentável manter os juros subjacentes e provavelmente pagá-la.
A construção europeia está a vacilar desde 2008. Ou se caminha para mais integração ou provavelmente o projecto europeu poderá terminar, acarretando consequências imprevisíveis. Uma união política é sempre muito difícil de se concretizar, porque na Europa vivem muitos povos. Na Alemanha vivem alemães, em Portugal vivem portugueses, na Finlândia vivem finlandeses. Olhando para o lado de lá do Atlântico, nomeadamente nos EUA, na Califórnia vivem americanos, no Estado de Nova Iorque vivem americanos, na Pensilvânia vivem americanos. Aquando da união da Itália no séc. XIX, alguém referiu que agora que unimos a Itália, vamos agora unir os italianos. Também não se pode caminhar para uma integração mais complexa, sem uma participação mais assídua do povo na construção europeia. A população tem que sentir a cidadania europeia…
O perdão da dívida pública grega foi, provavelmente, um erro crasso. Mas, neste momento crucial e sem decisões ao nível político, não existia solução melhor, foi talvez um mal necessário. A Grécia, provavelmente, demorará muitas décadas para voltar ao mercado e a reputação e confiança na UE foi abalada. Porém, não podemos esquecer que os agentes económicos têm memória curta e no que respeita aos seus investimentos, elaboram uma avaliação criteriosa do risco/retorno e caso haja condições quer de fidúcia na economia grega, quer de crescimento económico, nos próximos anos poderemos voltar a ver investidores a comprar dívida pública grega. A Europa já devia ter resolvido o problema há mais de um ano. O perdão à Grécia foi abrir um precedente e premiar quem não cumpre. Os particulares vão ficar sem metade do dinheiro que investiram em dívida grega. Os bancos vão ser capitalizados e o contribuinte terá que arcar com o custo, mas é para segurar os seus depósitos e a estabilidade do sistema financeiro.
O BCE pode abdicar de uma postura idêntica à do antigo Bundesbank? Mudar os estatutos, através da alteração de Tratados Europeus por decisão política? Criar moeda como faz a Reserva Federal dos EUA? Injectar liquidez na economia através de um “Quantitative Easing”, caracterizado pela compra por parte do Banco Central, através da impressão de moeda, de títulos de dívida detidos pelos bancos. Estes últimos, após a operação, têm liquidez para emprestarem aos agentes económicos, nomeadamente ao tecido empresarial necessitado de dinheiro para colmatar falhas de tesouraria, por falta de pagamento de clientes com problemas idênticos, um ciclo vicioso, um vórtice que suga toda a economia. No entanto, a inflação viria a seguir e seria ela a pagar a crise…
Quem irá financiar o FEEF? Mais uma vez aforradores da Europa setentrional com uma cultura de poupança. Países asiáticos, como a China, Singapura, Qatar, que poupam cerca de 30% do que ganham, porque não têm um sistema social idêntico ao dos países a quem emprestam dinheiro. As populações destes países precisam de amealhar para a reforma.
Quanto a Portugal, os próximos anos vão ser bastante difíceis. A descida significativa do rendimento disponível e o aumento do desemprego serão entraves para o país se financiar através dos mercados nos próximos anos. Segundo o Memorando assinado por Portugal com a Tróica, o financiamento via mercado em 2012 já será de 20%, em 2013 de 80% e a partir de 2014 as contas públicas têm que estar saneadas para se poder financiar integralmente através dos mercados. Mas sem crescimento económico isso será muito difícil de acontecer. Uma reestruturação da dívida poderá não ser uma miragem.
As medidas vão continuar a ser tomadas a “céu aberto”, ganhando competitividade via redução salarial. A ausência do instrumento de desvalorização cambial, caracterizado pela sua forte anestesia, não permite “esconder” estas políticas, e perante a sua visibilidade o cenário de manifestações e contestações sociais menos convencionais poderá ser uma realidade num futuro próximo. Há 25 anos atrás, na década de 80, aumentavam-se os salários 20%, em termos nominais, mas desvalorizava-se a moeda 30%, os trabalhadores tinham uma descida real dos salários de 10%. O valor acrescentado dos produtos portugueses é baixo, ao contrário por exemplo dos produtos alemães. Não seriam necessárias desvalorizações caso os nossos produtos fossem intensivos em capital. A Alemanha, apesar de produzir bens com elevado valor acrescentado, controlou também os salários nos últimos 10 anos, o que lhe permite, a seguir à China [190 mil milhões de euros], ser o país do mundo com maior excedente comercial [150 mil milhões de euros].
Paulo Monteiro Rosa, economista, 28 de Outubro 2011
Publicado na ATM - Analistas de Mercados de Capitais
http://www.associacaodeinvestidores.com/index.php/artigos-e-teses/63-artigos/186-cimeira-da-ue-na-passada-quarta-feira-dia-26-de-outubro
Publicado na ATM - Analistas de Mercados de Capitais
http://www.associacaodeinvestidores.com/index.php/artigos-e-teses/63-artigos/186-cimeira-da-ue-na-passada-quarta-feira-dia-26-de-outubro
apesar da clareza do seu artigo continuo a sentir uma pressão insuportável nas minhas vistinhas; temo que os meus olhos fiquem em bico, vc não?
ResponderEliminar"A Alemanha, apesar de produzir bens com elevado valor acrescentado, controlou também os salários nos últimos 10 anos"
ResponderEliminarNão sei onde foi buscar isso, mas se controlou, estamos a falar de salários 10x superiores aos nossos, que tiverem um aumento constante desde a miséria que conheceram a seguir a 2ª guerra mundial.
Com salários desses é facil controlar, mas os nossos que são dos mais miseraveis da europa, estão como a alemanha há 30 anos e precisam de ser aumentados fortemente, para incentivar a produção, o consumo e com isso aumentar a cobrança de impostos. Ou seja aumentar o crescimento do país, porque para pagar divida, podemos apertar o cinto, mas também podemos paga-la aumentando as receitas vindas do crescimento.
Acabemos mas é com estas politicas miserabilisticas que levaram á grande depressão de 1939! Da qual o mundo so saiu quando o Rosevelt adoptou as politicas Keynesianas, onde a divida é paga com crescimento e não com austeridade!
Boa Noite caro Joal,
ResponderEliminarObrigado pelo seu comentário.
Os salários alemães são praticamente os mesmos de há 10 anos atrás. Pode verificar no Eurostat. São salários muito superiores aos portugueses, de acordo com PIB per capita alemão...
A vantagem da Alemanha está na indústria ligeira, 50% da actividade económica. CIA Factbook
Portugal e a maior parte dos países ocidentais descuraram o sector industrial, onde reside a riqueza e a sustentabilidade de um Estado Social.
A nossa indústria é o turismo. Temos excedente comercial nos vinhos no montante de 550 milhões de euros e pouco mais. O défice comercial ronda os 16 mil milhões de euros, 10% do PIB.
Importamos petróleo, bens duradouros, carros da Alemanha...
Os salários deveriam ser mais elevados se tivermos em conta os salários de eficiência, que motivam mais o trabalhador. Mas para isso é preciso ter dinheiro. Um banco Central próprio ...
Imprimir moeda e esperar que o trabalho gere mais riqueza, para não ser absorvido pela inflação. Na teoria quantitativa da moeda, a massa monetária é igual ao produto dos preços pelo volume produzido, velocidade de circulação constante no longo prazo. A equação: MV=PT (massa monetária X velocidade circulação= Preços X Volume produzido).
A questão não está na austeridade, no honrar das nossas dívidas, que obviamente queremos fazer. O problema está precisamente no crescimento. Sem crescimento não há pagamento da dívida. O problema é que o nosso crescimento assenta em premissas erradas, baseado no consumo interno, e parte deste consumo é realizado e crédito proveniente do estrangeiro. Temos que crescer com base no investimento, na redução das importações e aumento das exportações. Refrear o consumo interno e as importações só se consegue com políticas económicas, nomeadamente orçamentais, que penalizem o consumo interno e as importações e incentivem o investimento e as exportações.
Provavelmente e infelizmente teremos que contrair para ganhar lanço para um novo paradigma de crescimento. Provavelmente a nossa economia padece de uma bolha, porque está alavancada com capitais externos. E sem crescimento não há pagamento da dívida.
Depois da grande depressão 1929, Keynes elaborou a teoria do emprego, taxas de juro e moeda em 1936. Chegou à conclusão que havia um desfasamento entre a produção e a procura. Como as pessoas não tinham dinheiro para comprar a produção, então teria que haver alguém a substituir as pessoas e fazer essa despesa. O Estado deveria injectar dinheiro na economia, para o crescimento económico voltar. Mas a teoria keynesiana funciona numa economia fechada. Hoje as economias, nomeadamente depois de 1990 com a liberalização do comércio internacional, são globalizadas.
Se alguém receber do Estado 200 euros, vai, provavelmente, gastá-lo logo num produto importado. Vai comprar um carro novo e o dinheiro vai parar ao estrangeiro. Então a política de maiores gastos públicos para fazer crescer a economia, será contraproducente, principalmente numa economia bastante aberta como a portuguesa. Quanto mais aberta for a economia, menor será o efeito keynesiano. Poderá fazer ainda algum sentido nos EUA, onde o comércio internacional tem um peso de apenas 10%. Mas em Portugal com um peso de 50% não faz qualquer sentido. O dinheiro vai parar ao estrangeiro, ou através de consumo de produtos importados ou mesmo colocando dinheiro em bancos estrangeiros.
Existe uma latente decadência da economia ocidental. A globalização trouxe com ela o aparecimento de novas potências económicas como a China, o Brasil e a Índia.
O crescimento económico no ocidente é idêntico a uma função que os matemáticos apelidam de função potência. Cresce a ritmos decrescentes. A indústria foi deslocalizada para a China. Neste momento é provável que esteja a ler este artigo num computador de marca ocidental, mas fabricado na China...
Cumprimentos,
Paulo Rosa
Olá Sr. Barreiro,
ResponderEliminarRealmente estamos aficar como os olhos em bico. Somos inundados por produtos em bico. O pessoal com olhos em bico vão financiar o FEEF.
Até o grão de bico deve vir de lé... Não?
Um abraço,
Paulo
"Mas a teoria keynesiana funciona numa economia fechada"
ResponderEliminarExiste uma extensão do modelo IS/LM para uma economia aberta é conhecida por IS/LM/BP ou Modelo Mundell-Fleming. Aplicado a uma economia aberta com governo, por meio da introdução da curva BP (Balanço de Pagamentos). O modelo trata da relação de curto prazo entre a taxa de câmbio real e e o produto Y da economia, lembrado que no curto prazo a trajetória dos câmbio nominal assemelhar-se-á à trajetória real.
Este modelo tem sido utilizado para argumentar que a macroeconomia não pode, simultaneamente, manter a taxa de câmbio fixa, livre fluxo de portfólios com o estrangeiro e a política monetária activa - conclusão: países que fazem uso de câmbio fixo não podem accionar a conta de crédito interno como forma de validar as operações de mercado aberto, disso os argentinos se aperceberam em 2001, quando o banco central não pode salvar o sistema financeiro do país por causa do cambio fixo. Só depois que o regime de câmbio fixo foi abandonado é que o sistema financeiro do país pode ser assistido por emprestimos em última instância.
Este princípio é frequentemente chamado de trilema de Mundell-Fleming, ou ainda a "Tríade Impossível"; já comprovado por inúmeros estudos acadêmicos.