1. Enquadramento económico e análise dos principais bancos privados:
BCP, BES e BPI.
Em 2011, o BCP registou significativas
imparidades do crédito (líquido de recuperações) e de outros riscos que
ultrapassaram os 1300 milhões de euros e determinaram uma margem operacional negativa
(-14.8%), facto inédito desde a fundação do banco em 1985. Esta realidade não
se verificou nos outros bancos. Ver Quadro 1.
A margem operacional, dada pelo rácio “lucro operacional/receita
líquida, onde a receita líquida é idêntica ao produto bancário”, é importante para analisar o desempenho de uma empresa. Quanto mais elevada, maior será a eficiência
operacional da empresa em causa. É uma das medidas que
expressa a atractividade e o risco de um negócio. De modo genérico nos bancos o
negócio é representado pela compra e venda de crédito na banca comercial e na
banca de investimento pela intermediação financeira, gestão de patrimónios,
gestão da carteira própria do banco constituída por diversos activos financeiros
(acções, obrigações) e participações noutras empresas. Grosso modo, as imparidades (perdas potenciais) advêm dos créditos
concedidos e das diferenças entre o valor da compra e a cotação actual dos
activos das carteiras dos bancos.
A descida da margem
operacional pontualmente não é grave se se tratar de mais investimento e
crescimento da empresa. Mas, quando a descida da margem é determinada por custos
de ajustamento, o negócio não é tão atractivo. E quando a margem é
negativa…
A rentabilidade dos capitais próprios (ROE – Return on Equity) mede o retorno das aplicações dos investidores, regista uma tendência de baixa transversal a todos os bancos há vários anos e em 2011 os retornos são negativos, com maior enfâse para o BPI e BCP. Ver Quadro 1.
A rentabilidade dos capitais próprios (ROE – Return on Equity) mede o retorno das aplicações dos investidores, regista uma tendência de baixa transversal a todos os bancos há vários anos e em 2011 os retornos são negativos, com maior enfâse para o BPI e BCP. Ver Quadro 1.
O sucesso do aumento de capital que o BCP irá realizar, no
montante de 500 milhões de euros, depende em parte da sua estrutura accionista
que não é tão estável e robusta como a do BES e do BPI que beneficiam de um
“núcleo duro” forte. Os angolanos da Sonangol (11,03 %), a Teixeira Duarte (4,73 %), os
espanhóis do Sabadell (3,52 %) e a Fundação Joe Berardo (3,30 %) são os principais accionistas
do BCP. O BES tem um “núcleo duro” constituído pela Bespar (Holding detida pelo Espírito Santo
Financial Group e Crédit Agricole), a instuição financeira francesa Crédit Agricole e os brasileiros da Bradesco. Cerca de 60% do
capital do BPI é detido por 3 instituições, os espanhóis do CaixaBank (30.1%), os angolanos da Santoro (19.43%)
e a alemã Allianz (8.09%).
O BES reforçou os seus capitais em 4250 milhões de euros nos últimos 6 anos. Hoje, a capitalização bolsista (Market Cap) do BES é de 2 mil milhões de euros e os capitais próprios não chegam aos 7 mil milhões de euros. A par dos aumentos de capital, temos dezenas de séries de obrigações emitidas pelo banco. Esta característica é abrangente a todo o sistema bancário português e europeu.
Por exemplo, fora do sistema financeiro, olhamos para a Portucel Industrial e não identicamos nenhum aumento de capital nos últimos 10 anos, e verificamos 4 séries de obrigações (duas iniciadas em 2005, a reembolsar 150 milhões em 2012 e 200 milhões em 2013 e duas em 2010, com reembolso em 2015 de 200 milhões de euros) que estarão pagas na totalidade em 2015 num montante de 550 milhões de euros, apesar de um significativo investimento com a abertura da nova fábrica de Setúbal em 2009. A SonaeCom é outro exemplo e tem apenas 140 milhões de euros de duas emissões de obrigações a reembolsar pelos obrigacionistas em 2015. Este é o espelho entre a realidade do sistema financeiro e a realidade dos restantes sectores...
O BES reforçou os seus capitais em 4250 milhões de euros nos últimos 6 anos. Hoje, a capitalização bolsista (Market Cap) do BES é de 2 mil milhões de euros e os capitais próprios não chegam aos 7 mil milhões de euros. A par dos aumentos de capital, temos dezenas de séries de obrigações emitidas pelo banco. Esta característica é abrangente a todo o sistema bancário português e europeu.
Por exemplo, fora do sistema financeiro, olhamos para a Portucel Industrial e não identicamos nenhum aumento de capital nos últimos 10 anos, e verificamos 4 séries de obrigações (duas iniciadas em 2005, a reembolsar 150 milhões em 2012 e 200 milhões em 2013 e duas em 2010, com reembolso em 2015 de 200 milhões de euros) que estarão pagas na totalidade em 2015 num montante de 550 milhões de euros, apesar de um significativo investimento com a abertura da nova fábrica de Setúbal em 2009. A SonaeCom é outro exemplo e tem apenas 140 milhões de euros de duas emissões de obrigações a reembolsar pelos obrigacionistas em 2015. Este é o espelho entre a realidade do sistema financeiro e a realidade dos restantes sectores...
No mês de Abril os bancos financiaram a
economia em 4,3 mil milhões de euros, uma queda homóloga de 12,26%. À excepção
dos empréstimos a grandes empresas, todos viram o seu financiamento reduzido. O
rácio créditos/depósitos foi em média de 135% em 2011. O aumento dos depósitos
tem melhorado, estruturalmente, a liquidez do sistema bancário português. No
final de 2012, por força do memorando da tróica, esse rácio será de 120%.
Mas não podemos ter “sol na eira e chuva
no nabal”. A redução do rácio “créditos/depósitos”, desalavancagem da economia,
traduz-se na diminuição de liquidez à economia.
A contracção económica este ano, e
provavelmente no próximo, acarretará mais desemprego e as falências vão
continuar a subir e o rendimento disponível a descer. É de esperar que o rácio
de incumprimento, em máximos históricos desde a entrada no euro, continue a agravar-se.
Os incumprimentos no crédito ao consumo e nos empréstimos à habitação têm
aumentado o crédito malparado dos bancos. Penalizadas pela redução da procura
interna, mais de 50% das empresas de construção têm dificuldades no acesso ao
crédito e um nível de incumprimento superior a 15%. Para as restantes empresas
este rácio é de 8%.
Os LTRO
(Long Term refinancing operations) do
BCE e o alargamento dos activos elegíveis como colateral, têm procurado mitigar
o risco de liquidez do sector financeiro.
É fundamental a criação de mecanismos
europeus capazes de separar o risco soberano do risco bancário. Um fundo
europeu de financiamento à banca, que substituísse os Estados. Uma união
bancária supranacional…
2. O Programa
de Recapitalização do sistema bancário português.
O Estado português vai
prover mais de 6.6 mil milhões de euros aos bancos, incluindo cerca de 5 mil
milhões de euros provenientes
do Apoio à Solvência Bancária (BSSF - Bank Solvency Support Facility), criado
no quadro de Programa de Assistência Financeira a Portugal.
O Programa de
Recapitalização da banca portuguesa determina uma injecção de 1.65 mil milhões
de euros de capital elegível como Core
Tier 1 (um dos rácios de solvabilidade bancária mais utilizado) na CGD, 3.5
mil milhões de euros no BCP e 1.5 mil milhões de euros no BPI ao abrigo do BSSF.
Após verificadas as transferências dos fundos de pensões, as inspecções
especiais (SIP – Special Inspection Program) e a exigência de um buffer temporário de capital, o apoio à
solvência do sistema bancário nacional prevê exceder os propósitos de capital
exigido pela Autoridade Bancária Europeia (EBA - European Banking Authority). Apenas os maiores bancos estão sujeitos à
supervisão da EBA e terão de constituir uma almofada (um buffer) temporária para acomodar a desvalorização da carteira de
dívida soberana. O BES já realizou o seu aumento de capital e cumpre assim os
rácios exigidos.
Apesar das obrigações convertíveis passíveis de serem
trocadas por acções (CoCo´s), como
forma de apoio do Estado aos bancos, terem uma absorção de risco idêntica às
acções, não foi aceite que os fundos próprios fossem unicamente reforçados por
estes títulos de dívida. A decisão tomada quanto à combinação óptima entre Coco´s e acções foi influenciada pelas
necessidades de capital, pela viabilidade de cada banco e pela própria natureza
do pedido.
Em relação ao BCP, o Estado
compromete-se a subscrever 3 mil milhões de euros de “ISE” (instrumentos de capital
elegíveis para Core Tier 1) a serem
emitidos pelo BCP. Os “ISE” foram a forma encontrada para a criação dos Coco’s e constituem obrigações directas,
não garantidas, sem termo e subordinadas que pagarão uma taxa inicial anual de
8.5%, foram classificados pelo Banco de Portugal como capital Core Tier 1. Nos 2 anos seguintes, o BCP
pagará 8.75% e mais 50 pontos base (9.25%) nos anos posteriores. A emissão dos “ISE”
estará finalizada no fim do mês e implica o aumento do Core Tier 1 do BCP para valores confortáveis, acima dos requisitos
da EBA, de um rácio de 9% Core Tier 1,
adicionado da criação de um buffer
temporário de capital. Adicionalmente, o BCP vai realizar um aumento de capital,
de 500 milhões de euros, reservado aos accionistas, com tomada firme pelo Estado 4 cêntimos por acção.
As taxas de juros praticadas
são elevadas? São, mas estão de acordo com taxa de juro implícita (yield) das obrigações do tesouro
português a 3 anos. No entanto os fluxos financeiros gerados pelo BCP têm de
melhorar nos próximos tempos sob pena de colocar em causa o sucesso do
pagamento da dívida. O BCP prevê que o empréstimo lhe custe 893 milhões de
euros ao longo dos próximos 3 anos e espera no final deste período, até 2016,
reembolsar o Estado. Para levar a bom porto o reembolso até 2016, não são de
excluir aumentos de capital nos próximos anos.
No que concerne ao BPI, o Estado irá subscrever 1,5 mil
milhões de euros de “ISE” a serem emitidos pelo banco até ao final deste mês e
implicará um aumento do Core Tier 1 para
valores acimas dos exigidos pelo EBA. O BPI vai efectuar um aumento de capital
de 200 milhões de euros, destinado aos seus accionistas e que será realizado
até ao final de Setembro de 2012. O montante deste aumento de capital será usado
para reembolsar um montante equivalente de ISE. Caso o aumento de capital não
seja concluído até 30 de Setembro de 2012, o Estado procederá a conversão de um
montante equivalente de ISE em capital próprio. A estrutura accionista do BPI
confere-lhe um sucesso quase garantido no aumento de capital e a evolução positiva
do produto bancário permite-lhe um provável êxito no pagamento do empréstimo.
3. O buffer de capital de Basileia III como
estabilizador do crescimento económico.
O acordo de Basileia III tem
por base a pró-ciclicidade da regulação financeira, com o objectivo de atenuar
a característica anticíclica intrínseca ao crédito bancário e pretende
aligeirar a volatilidade dos ciclos económicos e garantir a sustentabilidade do
crescimento económico. São introduzidos requerimentos de liquidez, limites
máximos de alavancagem e criados buffers
de capital ciclicamente variáveis.
Quando o ciclo económico é
de alta, os bancos, face à confiança existente, cedem mais crédito que o
desejável à economia, acelerando o ciclo e criando condições para o
“aquecimento económico”, a insustentabilidade do crescimento e o aparecimento
de inflação. Proteger
o sector de um período de crescimento do crédito excessivo. Num ciclo económico
de baixa, a economia necessita de mais liquidez e os bancos, em virtude da
falta de confiança, estão mais renitentes a conceder empréstimos às famílias e
às empresas, agravando mais o ciclo de baixa.
Um buffer de capital é um “entrave”
à concessão de crédito por parte dos bancos em períodos de expansão económica,
quando os empréstimos tendem a crescer mais rápido que o PIB.
Quando o PIB está em contracção, os montantes
emprestados pelos bancos tendem a ser menores e contraem-se mais que o próprio
PIB agudizando ainda mais a recessão económico. Um buffer de capital num período de contracção pretende
a ser um “incentivo” e a amenizar a recessão, porque os bancos irão emprestar
mais dinheiro do que emprestariam sem a medida buffer. Os rácios de solvabilidade (como o Core Tier 1)
tendem a ser mais flexíveis via buffer, dar mais constância e
retirar parte da volatilidade aos ciclos económicos.
O buffer
de capital é uma medida anticíclica e segundo o acordo de Basileia III varia
entre [0%-2.5%]. No aludido acordo o rácio de solvabilidade, nomeadamente o Core Tier 1, mantém-se inalterado,
enquanto o buffer varia em
conformidade com o ciclo económico. Por exemplo se o requisito para o Core Tier 1 for de 8.5%, nos períodos de
expansão económica o buffer é mais
elevado (próximo de 2.5%), inibindo a banca de emprestar mais dinheiro e tende
a ter um peso menor, próximo de zero, quando a economia está em recessão. Ver
quadro 2.
No acordo de Basileia III é também criado um buffer de conservação de capital, uma
“almofada” de capital que deve estar disponível para compensar perdas e
permitir aos bancos manter os níveis de capitais acima do requisito mínimo ao
longo de um abrandamento do sector. Os bancos podem acumular capital para essa reserva
através dos seus resultados e da não distribuição de dividendos. A reserva de
conservação foi fixada em 2,5% acima do requisito mínimo de capital e deve
incluir acções ordinárias e lucros retidos.
No
entanto, o buffer em causa é o de conservação
de capital e a economia precisa de liquidez, de “vitaminas” que foram
“consumidas” e parte delas emprestadas por estrangeiros…
Paulo Monteiro Rosa, economista, 22 de Junho de 2012