Combater a inflação ou evitar a recessão? Jackson Hole escolhe estabilidade de preços
O Jackson Hole Economic Symposium é uma reunião anual, patrocinada pela Reserva Federal de Kansas City desde 1978 e realizada em Jackson Hole, Wyoming, EUA, desde 1981. Todos os anos, esta conferência junta banqueiros centrais, ministros das finanças, figuras proeminentes dos mercados financeiros, académicos e economistas. Se no início o simpósio de Jackson Hole se centrava no papel da política monetária no desenvolvimento agrícola, o evento tornou-se gradualmente mais popular à medida que antecipava assuntos capazes de influenciar a evolução dos mercados financeiros. Em 2007, o tema “Habitação, Financiamento Habitacional e Política Monetária” não atraiu muito a atenção dos participantes, mas, no ano seguinte, a crise imobiliária do “subprime” nos EUA revelou a crescente importância deste simpósio. Em 2012, o então presidente da Reserva Federal dos EUA (Fed), Ben Bernanke, aproveitou o evento para anunciar o 3º Quantitative Easing (QE). Jackson Hole foi também palco para Mario Draghi anunciar as bases do QE da Zona Euro. Este ano as atenções estarão concentradas na inflação mais elevada das últimas décadas, nomeadamente nas economias avançadas, e numa cada vez mais provável recessão nos EUA e na Europa, mas a guerra na Ucrânia e as suas repercussões energéticas, bem como a desaceleração económica global, designadamente na China, serão também temas que, com certeza, merecerão a atenção dos intervenientes. O discurso mais aguardado é do Jerome Powell, e há um certo consenso de que o presidente da Fed adote uma postura ainda mais austera no combate à inflação mais elevada dos últimos 40 anos, comprometendo-se com a estabilidade de preços, nem que esta posição dite uma recessão.
O combate à inflação, e os seus vícios, é mais importante do que evitar uma recessão. Por isso, esta insistência dos bancos centrais será cada vez mais visível, nem que imponha uma recessão mais ou menos cavada. É certo também que uma recessão é deflacionista, aumentando o desemprego, diminuindo o rendimento disponível, abrandando os gastos das famílias e, por fim, aliviando a pressão sobre os preços.
Apesar de as pessoas terem geralmente perceções nominais quanto ao dinheiro, elas reconhecem facilmente a subida dos preços quando esta atinge os bens e serviços do seu quotidiano, ou seja, quando a inflação já está generalizada por toda a economia, tal como acontece atualmente. E é já nesta fase que os agentes económicos procuram lucrar com a alta dos preços. A inflação é uma oportunidade para ganhar mais dinheiro, desde os açambarcamentos aos acréscimos das margens operacionais por aqueles que têm poder de fixação de preços (“pricing power”). Os preços dos alimentos no retalho aumentaram significativamente no primeiro semestre, mas, no entanto, as cotações nos mercados internacionais dos cereais, como milho, trigo e girassol, já se encontram atualmente em níveis pré-invasão da Ucrânia. As profissões mais escassas têm maior poder para aumentar preços, apresentando orçamentos mais elevados justificados com a alta dos combustíveis fósseis ou dos metais industriais, do vidro e das restantes matérias-primas fabris. Mesmo o governo português apresenta melhorias nas suas contas públicas, porque os impostos indiretos, nomeadamente o IVA, representam uma percentagem dos preços dos bens e serviços agora mais caros. Em Portugal, os assalariados são aqueles que ainda mantêm a mesma remuneração mensal, mas a pressão para uma subida em torno da inflação será cada vez mais percetível, potenciando a indesejável espiral inflação/salários. Cresce o número de pessoas que tenta ganhar com a inflação, trabalhando o mesmo ou menos. Por todos estes motivos, a inflação é a variável mais nefasta para a economia e tudo deve ser feito para mitigá-la.
Por último, ao contrário das economias subdesenvolvidas caracterizadas por aparelhos produtivos desestruturados, que estão na origem de uma inflação estruturalmente elevada, as economias avançadas têm excesso de capacidade instalada. Todavia, as dificuldades nas cadeias de abastecimento e a alta dos preços das “commodities”, nomeadamente da energia, tornaram escassos os “inputs” necessários à plena produção nos países desenvolvidos, estando na origem de uma inflação conjunturalmente elevada. Enquanto a escassez persistir, a oferta das empresas estará limitada e os bancos centrais vão manter a alta dos juros para diminuir e ajustar a procura a essa menor oferta. Esta postura potencia uma recessão. Quando a escassez de energia e restantes “inputs” for ultrapassada, poderemos assistir a um período deflacionista.
PMR In VE 24 agosto 2022
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