Portugal tem pela frente o mais difícil ajustamento em democracia, sem instrumentos que tinha aquando da crise financeira em 1983, nomeadamente a desvalorização da moeda. A provável subida das taxas de juros por parte do Banco Central Europeu (BCE), e a contínua alta dos combustíveis, fruto da instabilidade nos países do Norte de África e Médio Oriente e da crescente procura em virtude do crescimento económico mundial, terão repercussões bastante negativas no rendimento disponível das famílias. A Islândia neste momento está a resistir ao incumprimento, mas perdeu metade da riqueza de um dia para o outro. O euro que antes comprava 60 coroas islandesas, hoje compra 120 coroas. Ganho de competitividade, mas com um corte nos rendimentos – salários, juros, rendas e lucros – de 50%.
Os gestores de dívida pública portuguesa olham com apreensão para as previsões da economia portuguesa. O Fundo Monetário Internacional (FMI) espera um crescimento económico de 4.5% para a economia mundial, no entanto para Portugal estima uma contracção económica de 1.5% este ano e de 0.5% no próximo ano, único país desenvolvido com retracção em 2012. Apesar do resgate, ainda não se sabe o grau de austeridade, a taxa de juro e plano de crescimento, com as reticências por parte dos países da Europa setentrional e em virtude da redução do rating da dívida soberana para “BBB-“ pela Standard&Poors, valores não verificado há mais de 30 anos, a dívida pública no mercado secundário continua pressionada, com as respectivas yields (taxas de rendibilidades) em alta, realizando novos máximos. A yield das obrigações do tesouro (OT) a 5 anos está a 10.7%.
Aquando do Tratado de Maastricht, também conhecido como Tratado da União Europeia, início do processo da união monetária, a Alemanha colocou ressalvas não só de carácter orçamental - limite de 3% do défice público e 60% de endividamento público -mas também a salvaguarda de que não haveria qualquer resgate de nenhum país em dificuldades. Este propósito foi quebrado pela ajuda á Grécia com o argumento da situação excepcional que poria em causa o euro, agora a moeda germânica que substitui o marco. Os 50 economistas e juristas alemães que há dias entregaram no tribunal constitucional em Karlsrue argumentos contra o resgate de países em dificuldades, já o tinham realizado aquando do resgate à Grécia e a Irlanda, com base nas ressalvas acima mencionadas e também de que Portugal deveria seguir o seu caminho, porque desde que aderiu à moeda única, os seus custos de produção aumentaram significativamente, a produtividade desceu e o endividamento aumentou.
Existe relutância dos países- membros do norte da Europa que pode por em causa a integração europeia. Mas, sem querer escamotear a responsabilidade da Europa meridional ao nível das suas contas públicas e dívidas externas, a Europa só tem a ganhar como um todo. Solidariedade é hoje uma palavra vaga. Mesmo com o resgate aprovado - monitorizado de 3 em 3 meses - Portugal estará sempre dominado sob a premissa “ Sem crescimento muito provavelmente não haverá cumprimento”.
Todos os agentes económicos – famílias, empresas e Estado – esperam ansiosos e é importante estarem conscientes e preparados para enfrentar as dificuldades. O ajustamento será feito, provavelmente, através da subida do desemprego, aumento da inflação, subida da carga fiscal, cortes nas prestações sociais. As empresas com menor exposição ao mercado interno, sem endividamento excessivo e com balanços mais sólidos serão menos penalizadas…
Uma hipotética saída do euro, para ganharmos competitividade através da desvalorização, não passaria disso mesmo, porque não compensaria os custos que essa opção acarretaria. Muito provavelmente a nova moeda desvalorizaria cerca de 50%, a inflação aumentaria mais de 100%, os produtos importados, as idas e estadias no estrangeiro veriam o seu custo disparar para o dobro na carteira dos portugueses. A corrida aos bancos seria imediata para manter os depósitos em euros – ou levantá-los – e tentar passar as dívidas para a nova moeda. Seria a bancarrota para o Estado e para as famílias, com consequências impossíveis de mensurar.
Portugal não tem uma bolha imobiliária como a Irlanda e a Espanha e a banca não está tão pressionada. O problema resume-se à fraca produtividade da nossa economia, agravada pelas medidas de austeridade recessivas. O diferencial de cerca de 8% entre as taxas de crescimento da riqueza em termos nominais de 1 ou 2% - previsões do Governo, Banco de Portugal e instituições internacionais de contracção do PIB real – e as yields das OT a rondar os 9% teria que dar lugar a um resgate financeiro. A competitividade ganha-se com produtos de elevado valor acrescentado. No Séc . XVIII Portugal exportava produtos agrícolas para a Inglaterra e importava lanifícios, estes últimos de elevado valor acrescentado na época porque requeriam Know-How. O tratado de Methuen em 1703 é a prova cabal de que algo está errado há muitos anos. Hoje exportamos lanifícios, que qualquer país produz, e importamos aparelhos hospitalares, medicamentos, telemóveis, que requerem um elevado Know-How. Estamos sempre atrasados. A aposta passa pelos sectores de valor acrescentado, referido há muito pelos analistas, no entanto com planos a longo prazo…
No Orçamento do Estado para 2011, as despesas sociais – pensões, subsídios – representam 49.8%, os salários 26.6%, juros 8.4% (6326 milhões €, hoje superiores devido ao agudizar das yields das OT), os consumos intermédios 11.4% e outras despesas correntes 3.8%. Um mero exercício leva-nos a inferir que é impossível atingir as metas para o défice público só com cortes dos consumos intermédios e outras despesas correntes. Por absurdo um corte de 50% nestas duas rubricas traduz-se numa descida de 3.5 pontos percentuais do défice, e à provável deterioração da qualidade da Saúde, da Educação e outras áreas. As ambulâncias ficavam no meio da estrada com os doentes, os autocarros deixavam os alunos a meio do caminho da escola, faltavam detergentes para limpar as salas de aula. Não invalida, no entanto, um esforço maior para racionalizar estes gastos. Em suma: a) é impossível consolidação orçamental só do lado da despesa, sem cortes também nos salários e nas prestações sociais; b) só cortes nos consumos intermédios, implica um acréscimo significativo da carga fiscal.
Paulo Monteiro Rosa, economista. 25 de Abril de 2011.
http://pt.scribd.com/doc/59316552/Meeting-Point-Paulo-Rosa
http://pt.scribd.com/doc/59316552/Meeting-Point-Paulo-Rosa
Publicado na revista da Câmara de Comércio Luso-Americana, "Meeting Point" de Junho 2011
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