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segunda-feira, 25 de abril de 2011

Crónica de uma crise anunciada

Como foi possível chegar a este ponto?

Como se explica que Portugal tenha que recorrer a um resgate financeiro, quando é membro de uma importante união económica e monetária? Terá sido um erro a adopção do euro, em Janeiro de 1999, como moeda oficial portuguesa? Provavelmente sim, porque não abdicámos do nosso modelo de crescimento económico, assente quer nas exportações sem valor acrescentado, baseadas na contínua depreciação cambial para obter competitividade, quer no consumo privado. Possivelmente o fraco desempenho do PIB espelhado na figura 2, está relacionado em parte com a perda da depreciação cambial. Caso existisse escudo, a depreciação em relação ao euro e ao dólar seria cerca de 25% e 45% respectivamente de acordo com a tendência – figura 1. No entanto as exportações diminuíram apenas de 29% do PIB em 1998 para 28% em 2004 e as importações subiram de 37% para 38%. De salientar que cerca de 60% das nossas exportações são para a Zona Euro, onde a relação cambial não conta, mas também é uma porta aberta às importações. Os aumentos salariais que não acompanharam a produtividade também contribuíram para a perda de competitividade. A entrada no euro foi uma inegável oportunidade para por termo ao aludido modelo e criar um novo paradigma económico, apoiado na produtividade como alavanca da competitividade das exportações, através da produção de bens e serviços de elevado valor acrescentado. Uma obrigação, sob pena de redundar numa espiral de défices externos, como se veio a verificar. Contudo a partir de 2007 nota-se uma melhoria, as exportações ganharam terreno e em 2010 representavam 32.5% do PIB contra 38% das importações. Verifica-se a produção de bens de excelência, mas continua a ser a excepção. Esperemos que passe a regra por excelência…

Não podemos viver sob a ilusória redoma do euro. Portugal assumiu padrões de consumo assentes no crescente endividamento. O país mais pobre da Zona Euro, possui um parque automóvel acima da média europeia. Restaurantes, centros comerciais, esplanadas, viagens, vida hipotecada com a hipoteca da casa. Países da UE, com rendimento per capita superior, não têm o nosso nível de vida, mesmo se compararmos à paridade dos poderes de compra, porque os bens transaccionáveis internacionalmente, trade goods, têm o mesmo preço, as diferenças surgem no preço dos serviços, que são inflacionados pelos salários. A cultura do consumo em detrimento da poupança, é um estilo de vida que vai mudar. A factura bateu à porta…
    
O euro tinha como premissa a mudança de paradigma de desenvolvimento. Como tal não sucedeu, descerrou-se uma grave crise. O sector privado marcado pelo crescendo da dívida das famílias e das empresas. O sector público sob o jugo da despesa corrente primária que alcançou os 46% do PIB em 2010. O ensino desorientado e orientado por sucessivas reformas. A justiça com falta de recursos para fazer face à crescente necessidade dela. A segurança posta em causa, quiçá a montante por uma moldura penal desadequada ou a jusante pela falta de agentes da autoridade. A necessidade premente de médicos, com o recurso à imigração. A burocracia crescente. Por vezes são precisos anos para uma empresa estar operacional à espera do aval de vários ministérios, apesar da constituição de uma empresa em minutos.

O Desenvolvimento da economia está baseado no consumo interno, descurando o investimento reprodutivo. As exportações são ofuscadas pelas importações. O crescimento económico depois da entrada em vigor do Euro, em 1999, foi em média 1,25%, com 3 recessões em 12 anos. Nos últimos 10 anos foi de 0,6%, enquanto a Zona Euro cresceu perto de 2%. Na década de 90 o PIB português aumentou quase 3,5% anualmente – figura 2. Com a não adesão ao euro, é provável que a criação de emprego e o crescimento económico tivessem tido um desempenho melhor que o verificado – a economia portuguesa começa a entrar em letargia logo em 1999 - no entanto também não teríamos a oportunidade de substituir o modelo económico, que desperdiçámos, mas nunca é tarde para mudar de rumo. Não teríamos a oportunidade de usufruir das vantagens de pertencer a um grupo restrito de países com economias pujantes. Seria a falência do Estado, das famílias e das empresas devido ao endividamento que aumentaria 1,33 vezes para passivos em euros e 1,82 em dólares, com a depreciação da moeda nativa em relação ao Euro e ao dólar em cerca de 25% e 45% respectivamente - figura 1. Caso as taxas de juros subissem para o dobro, os encargos financeiros aumentariam entre 2,66 vezes para dívidas em euros e 3,64 vezes em dólares.

A curva de Kuznets é provavelmente uma explicação plausível, entre outras, para determinar a fase em que encontra há décadas o desenvolvimento económico português e possivelmente corroborar que o nosso modelo económico permanece baseado na exportação de produtos que necessitam da depreciação da moeda para serem competitivos. A curva revela a relação entre a desigualdade na distribuição de rendimentos e o desenvolvimento económico. Apresenta-se em "U invertido", na qual a desigualdade é crescente nos primeiros estágios do crescimento até um ponto de inflexão, a partir do qual, esta passa a decrescer com o avanço do desenvolvimento. O índice de Gini – 100%, uma pessoa detêm toda a riqueza e 0%, todas as pessoas têm rendimentos iguais - mede a desigualdade na distribuição do rendimento. Provavelmente Portugal terá ultrapassado ligeiramente o ponto de inflexão, encontrando-se numa fase entre o Pós-Industrial e uma economia de serviços e o modelo de desenvolvimento será baseado em produtos competitivos pela depreciação cambial. Os países da UE têm um modelo económico baseado em produtos de valor acrescentado - figura 3.

Como é que Portugal tem o índice de Gini mais elevado da Zona Euro? Possivelmente está num estágio de desenvolvimento mais precoce, os salários representam 50% do PIB, um valor idêntico à média europeia, no entanto existe mais disparidade salarial em Portugal. Não há hábitos de poupança, logo menos rendimentos provenientes de juros, o mesmo acontece com os lucros e rendas. Poder-se-á contra argumentar com o caso dos EUA, com um índice Gini de 40% deveriam estar a meio da curva e com um nível de desenvolvimento intermédio, no entanto a diferente protecção social entre os EUA e a UE, justificam esta diferença. O IDH – Índice de Desenvolvimento Humano - tem 3 factores relevantes: o nível de educação, o PIB per capita e a esperança de vida à nascença, de acordo com a figura 3, os países com menor desigualdade têm IDH mais elevados. O PIB per capita da Espanha, Grécia e Irlanda, é respectivamente 45%, 30% e 90% superior ao português.

Quanto à ajuda externa, é preciso salientar que o FMI não vem governar Portugal, essa tarefa cabe ao governo português. Nem o FMI pretende usurpar esse pilar da democracia e nem Portugal perde qualquer soberania. O FMI impõe objectivos que devem ser alcançados, os quais estão ou deveriam estar sempre presentes na governação. Os governos, em qualquer parte do mundo, existem para executarem o programa eleitoral, o programa de governo, que passa por uma lista de meios para atingir os objectivos do controlo das contas públicas e do endividamento, do crescimento económico, da saúde, da educação, da justiça, da segurança, dos valores da sociedade. Cada partido utiliza os meios que achar mais correctos e eficazes. Os objectivos são conhecidos à partida, não seria preciso o FMI indicá-los. Fazem parte da cartilha de qualquer governo mundial e se os governos não os procuram atingir por motivos de agenda política e eleitoral, que tolda a governação sustentável e os custos caem sobre os contribuintes por uma governação dia a dia, de curto prazo, sem um rumo de longo prazo, então que seja uma instituição internacional a fazê-lo. Urge um modelo de crescimento económico salutar, sólido e duradouro, com base nas exportações de valor acrescentado e não no consumo interno.

Em 1978 o empréstimo financeiro do FMI foi de 115 milhões de dólares, o PIB da altura era de 23 mil milhões de dólares o que corresponde a um crédito de 0,5% do PIB. Em 1983, Portugal solicitou ajuda ao FMI para fazer face a uma recessão, altas taxas de juros no estrangeiro, défice da balança comercial de 13% e défices públicos elevados. O empréstimo do FMI foi 2% do PIB, 555 milhões de dólares, o PIB era de 27 mil milhões de dólares e tivemos, 3 anos depois, a entrada na CEE e a chegada de pacotes de ajuda significativos. Em 2011 será cerca de 50% do PIB, 78 mil milhões de euros e os juros têm que ficar abaixo dos 4%, porque sem crescimento não se consegue pagar juros acima dessa taxa. O FMI esteve em Portugal no espaço de 5 anos, 1978 e 1983, e o modelo económico já era visivelmente errado. Sob a capa da UE, conseguimos resistir 28 anos. Vivemos, no interior, de costas voltadas para a floresta e no litoral de costas voltadas para o mar. Somos um país de costas voltadas para o progresso, atávico, agarrado às nossas raízes obsoletas…

Figura 1
Fonte: Bloomberg

Figura 2
Fonte: Banco de Portugal

Figura 3

Paulo Monteiro Rosa, economista. 25 de Abril de 2011.

Publicado: ATM | Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais;

http://www.associacaodeinvestidores.com/socio/index.php/artigos-e-teses/63-artigos/118-cronica-de-uma-crise-anunciada


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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.