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domingo, 17 de março de 2013

O resgate à banca cipriota. Falta muito por explicar...


O caso cipriota. A estória está muito mal contada. A História corroborará isso..

Depósitos à ordem, conta-correntes, não são empréstimos aos bancos, apesar de incorretamente aparecerem no balanço dos bancos. Como o próprio nome refere é dinheiro que está sempre disponível, logo eu posso levantar passados alguns segundos de depositar e o banco não pode emprestar esse dinheiro a ninguém, o dinheiro deveria estar parado. No entanto o nosso sistema financeiro funciona na base de reservas fraccionárias (uma fracção do dinheiro é retida, denominada de reserva compulsória, legal e o resto fica disponível para o que o banco entender: emprestar, investir por conta própria,...) e esse dinheiro é emprestado e não estará, totalmente, disponível caso haja uma corrida aos bancos ("bank Run"). Na zona euros a base monetária (M0) (moeda em circulação, é de cerca de 850 mil milhões de euros, e as reservas legais, compulsórias, quando é feito determinado depósito, que os bancos mantêm junto do BCE é de cerca de 50 mil milhões de euros), ou seja a base monetária, notas de bancos, moeda Central ou moeda de 1ª ordem, como lhe queiram chamar, nomenclaturas pouco me interessam, representam 900 mil milhões de euros, a restante massa monetária ascende a 9 biliões de euros (contando o agregado monetário M2), que representa o PIB da zona euro e mantém equilibrada a equação da teoria quantitativa da moeda, com moeda=PIB, na qual a velocidade de circulação de moeda acaba por ser igual a 1. O multiplicador monetário é de cerca de 10. O M2 é 10 vezes superior às notas de banco existentes.
O M1 representa pois mais de 4biliões, ou seja os DO, as contas correntes representam mais de 3 biliões de euros. Se as pessoas quisessem levantar e transformar este dinheiro em notas de banco, moeda papel, só haveria 900 mil milhões de euros, ou seja menos de 20%. Seria uma catástrofe uma corrida aos bancos, não controlada, devido à existência de reservas fraccionárias nos Do (depósitos à ordem). A quase-moeda (DP, são quase 5 biliões euros. logo M2= M1(Depósitos à ordem + moeda em circulação)+ DP. Os DO e os DP são moeda crédito ou de 2ª ordem.

Nos bank run's não funciona a lei dos grandes números, como nos seguros e em muitas actividades económicas e científicas. Quando há pânico e uma pessoa vai a correr levantar o seu dinheiro para moeda de 1ª ordem, notas de banco, são 100% das pessoas que acorrem aos bancos. Não é como as probabilidades da ocorrência de acidentes de automóvel, ou de inundações (onde o prémio a pagar é muito elevado). A probabilidade das pessoas correrem para transformar o seu dinheiro em notas quando existe pânico é simplesmente de 100%, ponto final.

Os DO ou contas-contas correntes são totalmente diferentes dos DP (depósitos a prazo), que são quase moeda. Os DP são realmente empréstimos aos bancos, mas hoje em dia não funcionam como tal, e boa parte, porque o dinheiro tem que estar cativo. Temos muitos falsos DP's, onde o dinheiro pode ser desmobilizado com a perda total ou parcial dos juros antes dos vencimentos desse depósitos. Os DP's têm que estar permitir um casamento, quase perfeito, entre a poupança e os créditos concedidos. Um depósito a prazo a 3 anos deverá garantir um empréstimo a 3 anos para determinado investimento e jamais esse depósito pode ser levantados durante esses 3 anos. O segredo de manter um sistema financeiro saudável, nomeadamente ao nível da banca, é manter as maturidades "casadas" entre a compra de crédito pelos bancos (DP's) e a venda de crédito (empréstimos concedidos pelos bancos).

Então porque é que a estória do resgate à banca do Chipre está mal contada e muita tinta ainda vai correr. São todos as contas de DO e DP que são abrangidas? Ou são apenas os DP, porque estes é que são realmente empréstimos aos bancos? São todos os bancos?
O dinheiro faltar nas ATM (caixas multibanco) é normal porque as caixas não têm dinheiro vivo, notas de banco infinitas.
São apenas os depósitos dos russos, dos gregos e dos residentes com ligações menos transparentes?
Chipre é um paraíso fiscal e os seus depósitos representam cerca de 7 vezes o seu produto. E por causa disso aplica-se um imposto? É uma proporção desmesurada? então que dizes do Luxemburgo onde a dívida externa atinge os 4000% do PIB, ou seja 2 biliões de euros, constituídos por depósitos estrangeiros que aproveitam o IRC de 0% na banca luxemburguesa e os depósitos são 50 vezes superiores ao PIB!!! Logo isso não é razão para o Chipre.

Uma senhora, com o seu trabalho árduo nas limpezas, tem um aforro de 10.000 euros e que por acaso teve "penhorar" para conseguir um empréstimo de 15.000 euros para a sua filha poder tirar o seu curso. esta senhora fica sem 700 euros porquê? A estória está mal contada... Não é assim. Verão...

É premiado o crédito, o consumo, a política keynesiana no seu total êxtase em detrimento do aforro, da poupança real que dará resguardo e "munições" para o Investimento principal motor de qualquer economia e só depois vêm as exportações. E não é o consumo, como muitos economistas apregoam por esse Portugal e mundo fora...

O mecanismo do resgate funciona da seguinte maneira: Os detentores dos depósitos (não sei se DP ou DO ou os 2 !!??!!) recebem acções dos bancos onde têm o seu dinheiro depositado pelo montante igual ao do corte da sua poupança. 100.000 euros, fica com 9900 euros de acções do banco. mas o banco é uma sociedade aberta ou fechada. As suas acções estão disponíveis para transaccionar em bolsa logo a seguir ou não estão estão dispersas em bolsa e só através da negociação em balcão, onde o seu valor é muito subjectivo!

Faz todo o sentido. Se os bancos estão com problemas que sejam os seus accionistas a resolvê-o e por aí fora, mas só em último lugar os depositantes. Claro que os depositantes devem distinguir o trigo do jóio e colocar o seu dinheiro em bancos mais transparentes. Mas se no Chipre não existem bancos cristalinos, onde a senhora da limpeza vai colocar o seu dinheiro?

Este resgate ao Chipre é idêntico ao nosso BPN à escala de toda a banca. O BPN deveria ter falido, porque os lucros são para ser privatizados e logo não poderemos socializar os prejuízos. Muitos foram à procura de juros altíssimos no BPN e receberam esses juros à custa do contribuinte português.

Os problemas da banca resolvem-se facilmente. Primeiro os accionistas são chamados para resolver o problema do banco, por exemplo do BPN e respondem todos os seus bens. Não chegam? Vêm os detentores de dívida subordinada, até chegar aos detentores de dívida sénior e o problema de todos os bancos americanos, europeus, dos BPN e agora do Chipre estavam resolvidos. Os detentores de dívidas passariam a accionistas  e não seria necessária qualquer dinheiro dos contribuintes. Se não chegasse seriam chamados os depositantes para accionistas. Não sei se este processo foi assim elaborado e estamos a assistir a uma correcção que já deveria ter sido feita há muitos anos atrás. E não teria sido necessário nem um tostão dos contribuintes para sanear o BPN e a restante banca europeia...

No entanto o problema da banca, apesar de alguns aperfeiçoamentos, continua muito longe de se resolve. Os bancos Centrais continuam a manipular as taxas de juros e as reservas fraccionárias continuam a permitir uma alavancagem dos bancos insustentável no longo prazo, os desfazamentos temporais entre poupanças, depósitos e os empréstimos dos bancos, Investimentos. Os bancos a investirem em vez de emprestarem. Os bancos centrais a terem uma suoervisão descuidada. No acordo da banca plasmado no Basileia III existem já alguns progressos, como é o caso dos buffer's de capital e o seu cariz contracíclico. Quanto existe expansão económica, os bancos devem refrear os seus empréstimos para não "aquecerem" mais o ciclo, mas o que acontece é que é a fase onde os bancos mais emprestam dinheiro (de 2003 a 2007), com o buffer anticíclico iria impedir isso e guardar dinheiro para quando estivéssemos em recessão e os bancos não querem emprestar dinheiro, mas agora com um buffer guardado da expansão económico já poderão fazer isso. Os rácios de solvabilidade medidos pelos core tier1 por exemplo, mantinham-se inalterados durante os vários ciclos mas os bufer's seriam mais elevados (chegando até 2,5 pontos percentuais a mais no core tier1 nos períodos de recessão e diminuiriam para 0% na expansão). Mas o que se assistiu no princípio do ano com o abrandar da crise financeira na Europa e a nível mundial foi deixar cair em parte as ideias iniciais do Basileia III. O sistema financeiro não tem emenda...

Os mercados financeiros, quer no mercado monetário e especificamente no cambial, à cabeça o euro/dólar e no mercados de capitais, nomeadamente as acções a caírem e as obrigações dos periféricos também e uma corrida desenfreada às Bund's alemãs. tem que alguém vir a terreiro explicar esta estória. tal como eu estou a tentar fazê-lo. Mas claro que as minhas palavras leva-as os vento...

Ou os meandros deste resgate são corrigidos, que acho que é o que vai acontecer e nem sequer está no espírito dos alemães e por isso digo e repito que a estória está mal contada, ou vos garanto que a moeda que dá pelo nome euro acabou hoje...

Paulo Monteiro Rosa, economista, 18 de Março de 2013

6 comentários:

  1. Parabéns pela profundidade com que tratou o assunto.

    Já agora:

    https://www.youtube.com/watch?v=kFNZYSLdah8

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    Respostas
    1. Obrigado pela apreciação. E agradecido pelo link, Janine toca no ponto fulcral da regulação... Muito bom.

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    2. Caríssimo Paulo,

      Como sempre uma excelente exposição.
      Não sei se teve oportunidade de ler este artigo publicado no Viriatos;
      Vamos ter um crash nas bolsas?

      http://viriatosdaeconomia.blogspot.com.br/2013/03/vamos-ter-um-crash-nas-bolsas.html#c3420485459483130205

      Qual a sua opinião?

      Um abraço.

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    3. Olá Vivendi,

      Resposta segue para o seu email.

      Abraço,
      Paulo

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  2. Viva Paulo Rosas. Segue o meu e-mail: vivendijr@gmail.com

    Abraço

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  3. Não recebi o seu e-mail e creio que não está a receber os meus tb.

    Boa páscoa.

    Abraço

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.