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sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

BITCOIN: UMA MOEDA COM FUTURO?


O bitcoin (BTC ou XBT) foi o refúgio virtual dos mercados financeiros em 2016, com uma subida de duas vezes e meia desde os 400 dólares no início do ano para os 1.000 dólares em dezembro de 2016, usada pelos investidores para se protegerem da subida das taxas de juro nos EUA e das incertezas geopolíticas.
A 5 janeiro, o BTC atingiu um máximo histórico nos 1.161,88 dólares, perdendo de seguida quase 20% para os 889 dólares. A 12 de janeiro cotou no valor mais baixo do mês, 752 dólares, 35% abaixo do máximo histórico de há duas semanas. Após alguma turbulência em 2013 e no primeiro trimestre de 2014, a cotação iniciou uma subida consolidada até ao final de 2016.

O BTC é uma forma fácil de contornar o controlo de capitais. Cada vez mais apertados, nomeadamente na China, o controlo de capitais tornam o BTC uma alternativa viável e mais apetecível, e estiveram na origem da forte subida da criptomoeda o ano passado, e na elevada volatilidade em 2017. Tomada de mais-valias e rumores de que o controlo de capitais na China poder-se-ia estender, ainda que não se saiba como, às transações com bitcoins, levaram à forte queda e elevada volatilidade no início deste ano.

Para ter sucesso, uma moeda tem de preencher três requisitos: servir como meio de troca, como unidade de conta e como reserva de valor. A aceitação da BTC é restrita e apenas alguns negócios “legítimos”, como angariação de fundos, estão mais propensos a usá-la. Já como unidade de conta é pouco usada pois até os maiores entusiastas da criptomoeda a valoram noutras moedas, nomeadamente em dólares. A reserva de valor pressupõe constância, e o BTC tem registado um comportamento errático desde o seu nascimento em 2009. Poderá no futuro cumprir estes três requisitos? Pode. Mas para já não cumpre…

Há outras opções de reserva de valor como o ouro e a prata. O ouro cumpriria com facilidade os requisitos de moeda caso não fosse tão volátil e gerador de acentuados ciclos económicos, que podem surgir se se descobrir um incomensurável filão de ouro ou, por absurdo, haja acesso ao centro da terra que é constituído em parte por ouro. Foi a vinda de ouro do Novo Mundo que esteve na génese da “febre das Tulipas”. As principais moedas fiduciárias como o dólar, o euro, o franco suíço, a libra esterlina e o iene japonês, denominadas de “majors”, apesar de estarem ligadas ao Estado, são as que mantêm uma maior constância e garantia para quem as detém. Se os Bancos Centrais se focarem mais na supervisão, e menos na política monetária e cambial, e os Estados fossem rigorosos nas suas contas, a solidez e constância seria ainda maior…

A BTC é a primeira moeda descentralizada do mundo porque não depende de governos nem de Bancos Centrais. A ausência de uma entidade estatal torna quase impossível a influência na sua emissão ou na criação de inflação “imprimindo” mais notas. Porém, a sua elevada volatilidade causa incerteza na quantidade de bens e serviços que pode comprar a cada momento, existindo implicitamente um fenómeno de inflação ou deflação, logo ausência de estabilidade de preços.

Quando alguém recebe em BTC tende a transformá-los em moeda aceite a nível mundial, como euros e dólares. Porém, alguém compra esses bitcoins e o número desta moeda virtual permanece igual, não diminui, pelo contrário tende a aumentar. Mas para produzir mais BTC é preciso um investimento exponencialmente crescente em computadores, para “minerar”, decifrar o código cada vez mais complexo de um BTC. Esse investimento depende do valor do BTC a cada momento, para aferir se vale a pena investir. O crescimento de BTC tem crescido a ritmos decrescentes, até ao limite de 21 milhões de BTC possíveis. Como as moedas são guardadas com códigos de acesso nos computadores, “pen drives” ou discos rígidos, caso alguém perca uma pen com BTC, essas moedas ficam perdidas para sempre…

O número de transações com BTC tem crescido, mas a ritmos decrescentes. Em 2010 eram cerca de 7000 transações e em 2013 rondavam 2 milhões, um crescimento de 250 vezes. Em 2016 o número de transações rondava os 8 milhões, quatro vezes superior ao de três anos antes.

Paulo Rosa, semanário "Vida Económica", 27 de janeiro 2016


sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

RECORDANDO O "MASSACRES DAS OBRIGAÇÕES" DE 1994

Uma vez o economista Eugen von Böhm-Bawerk afirmou que "o nível cultural de uma nação é refletido pela sua taxa de juro: quanto maior a inteligência e a força moral de um povo, menor será a taxa de juro". As taxas atingiram o seu nível mais baixo de sempre em 2016, não como reflexo do nível cultural de um povo, mas pela influência da política monetária dos Bancos Centrais. Chegou a hora da correção? A forte venda de obrigações a nível global após as eleições nos EUA parece confirmar o receio de muitos investidores. A história sugere que esta inversão será impulsionada pela inflação, e deixará muito provavelmente os investidores de dívida pior do que no "massacre das obrigações" de 1994.

Nessa altura, a Reserva Federal (FED) dos EUA subiu a "Fed Funds Rate" de 3% a 4 fevereiro de 1994 até aos 6% em janeiro de 1995. A rentabilidade ("yield") das obrigações do tesouro a 10 anos norte-americanas "T-Bonds", subiu dos 5.165%, valor registado a 15 de outubro de 1993, até aos 8.03% verificados a 7 de novembro de 1994, refletindo-se consequentemente numa forte queda das obrigações do tesouro dos EUA e a nível global, que ficou conhecida como o "massacre das obrigações" de 1994 ("1994, the bond market massacre"). Apesar desta forte queda, o mercado acionista e a economia dos EUA mantiveram a calma.

Desde o início de julho de 2016 as obrigrações do tesouro dos EUA caíram significativamente,e, obviamente, a rentabilidade dessas mesmas "treasuries" norte-americanas a 10 anos registou uma subida, muito mais acentuada logo após a vitória de Donald Trump, dos 1.32% até aos 2.64% no dia 15 de dezembro, um dia após a FED ter decidido subir as taxas de juro de referência em 25 pontos base de 0.50% para 0.75%. A partir dessa data, e durante alguns dias, assistimos à inversão da queda das obrigações, e à validação de um velho adágio dos mercados financeiros de "vender com o rumor e comprar com a notícia" ("Sell the rumors buy the news") e vice-versa.

Entre outros, dois fatores com mais preponderância têm contribuído para a forte descida das obrigações do tesouro: A política monetária contracionista encetada pela FED, espelhada na subida das suas taxas de juro de referência, e a prometida política orçamental expansionista da administração Trump, que toma posse a 20 de janeiro, plasmada na descida de impostos e no aumento da despesa pública, que aumenta o rendimento disponível, a procura e, consequentemente, a inflação que pode acelerar ainda mais a subida das taxas e espoletar um "sell off" das obrigações maior que o de 1994, e culminando num verdadeiro "crash" obrigacionista.

Aliás, o aumento da despesa pública é gerador de inflação devido à maior procura de bens e serviços pelo Estado. Esta política orçamental da próxima administração dos EUA nem sequer é keynesiana, porque apesar de existirem sinais de abrandamento económico não estamos numa crise económica.

Também o inevitável aumento da dívida pública norte-americana elevará a perceção do risco por parte dos investidores e agudizará ainda mais a subida das taxas de juro, através do aumento do prémio de risco.

A partir de abril, o Banco Central Europeu (BCE) vai começar a reduzir os estímulos monetários à economia através da diminuição de compra de títulos, que poderá ser acelerada e acabar mais cedo do que o esperado se a inflação nos EUA for uma realidade e se propague à Zona Euro. A rentabilidade das obrigações a 10 anos do tesouro português ultrapassaram os 4% no início deste ano. Foi e é mais um fenómeno periférico, que atingiu as dívidas portuguesa, espanhola, irlandesa, italiana e grega. A dívida alemã serve de refúgio, provocado pelo crescimento económico anémico da Zona Euro, muito devido à falta de natalidade e saldos migratórios não suficientes para compensar o envelhecimento da população. Mas também se começa a pressentir uma mudança na política de Draghi via inflação norte-americana que tem pressionado a venda de obrigações.

A taxa média do stock da dívida soberana nacional é de 3.4%. Novas emissões de dívida, designadamente na ordem dos 4.5% ou perto dos 5% tornam quase insustentável o pagamento do serviço da dívida pelo Estado português.
Paulo Rosa, Semanário "Vida Económica" 13 de janeiro 2017




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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.