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sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

RECORDANDO O "MASSACRES DAS OBRIGAÇÕES" DE 1994

Uma vez o economista Eugen von Böhm-Bawerk afirmou que "o nível cultural de uma nação é refletido pela sua taxa de juro: quanto maior a inteligência e a força moral de um povo, menor será a taxa de juro". As taxas atingiram o seu nível mais baixo de sempre em 2016, não como reflexo do nível cultural de um povo, mas pela influência da política monetária dos Bancos Centrais. Chegou a hora da correção? A forte venda de obrigações a nível global após as eleições nos EUA parece confirmar o receio de muitos investidores. A história sugere que esta inversão será impulsionada pela inflação, e deixará muito provavelmente os investidores de dívida pior do que no "massacre das obrigações" de 1994.

Nessa altura, a Reserva Federal (FED) dos EUA subiu a "Fed Funds Rate" de 3% a 4 fevereiro de 1994 até aos 6% em janeiro de 1995. A rentabilidade ("yield") das obrigações do tesouro a 10 anos norte-americanas "T-Bonds", subiu dos 5.165%, valor registado a 15 de outubro de 1993, até aos 8.03% verificados a 7 de novembro de 1994, refletindo-se consequentemente numa forte queda das obrigações do tesouro dos EUA e a nível global, que ficou conhecida como o "massacre das obrigações" de 1994 ("1994, the bond market massacre"). Apesar desta forte queda, o mercado acionista e a economia dos EUA mantiveram a calma.

Desde o início de julho de 2016 as obrigrações do tesouro dos EUA caíram significativamente,e, obviamente, a rentabilidade dessas mesmas "treasuries" norte-americanas a 10 anos registou uma subida, muito mais acentuada logo após a vitória de Donald Trump, dos 1.32% até aos 2.64% no dia 15 de dezembro, um dia após a FED ter decidido subir as taxas de juro de referência em 25 pontos base de 0.50% para 0.75%. A partir dessa data, e durante alguns dias, assistimos à inversão da queda das obrigações, e à validação de um velho adágio dos mercados financeiros de "vender com o rumor e comprar com a notícia" ("Sell the rumors buy the news") e vice-versa.

Entre outros, dois fatores com mais preponderância têm contribuído para a forte descida das obrigações do tesouro: A política monetária contracionista encetada pela FED, espelhada na subida das suas taxas de juro de referência, e a prometida política orçamental expansionista da administração Trump, que toma posse a 20 de janeiro, plasmada na descida de impostos e no aumento da despesa pública, que aumenta o rendimento disponível, a procura e, consequentemente, a inflação que pode acelerar ainda mais a subida das taxas e espoletar um "sell off" das obrigações maior que o de 1994, e culminando num verdadeiro "crash" obrigacionista.

Aliás, o aumento da despesa pública é gerador de inflação devido à maior procura de bens e serviços pelo Estado. Esta política orçamental da próxima administração dos EUA nem sequer é keynesiana, porque apesar de existirem sinais de abrandamento económico não estamos numa crise económica.

Também o inevitável aumento da dívida pública norte-americana elevará a perceção do risco por parte dos investidores e agudizará ainda mais a subida das taxas de juro, através do aumento do prémio de risco.

A partir de abril, o Banco Central Europeu (BCE) vai começar a reduzir os estímulos monetários à economia através da diminuição de compra de títulos, que poderá ser acelerada e acabar mais cedo do que o esperado se a inflação nos EUA for uma realidade e se propague à Zona Euro. A rentabilidade das obrigações a 10 anos do tesouro português ultrapassaram os 4% no início deste ano. Foi e é mais um fenómeno periférico, que atingiu as dívidas portuguesa, espanhola, irlandesa, italiana e grega. A dívida alemã serve de refúgio, provocado pelo crescimento económico anémico da Zona Euro, muito devido à falta de natalidade e saldos migratórios não suficientes para compensar o envelhecimento da população. Mas também se começa a pressentir uma mudança na política de Draghi via inflação norte-americana que tem pressionado a venda de obrigações.

A taxa média do stock da dívida soberana nacional é de 3.4%. Novas emissões de dívida, designadamente na ordem dos 4.5% ou perto dos 5% tornam quase insustentável o pagamento do serviço da dívida pelo Estado português.
Paulo Rosa, Semanário "Vida Económica" 13 de janeiro 2017




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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.